Como é esculpir um quarto no Hotel do Gelo?

João Mota e Volker Schnüttgen chegaram há dias da Suécia e contam-nos como foi a experiência.

Há três semanas contámos-te aqui no Jornalíssimo que, pela primeira vez em 27 anos, um projeto português foi escolhido para ser realizado no ‘Icehotel’, o mais antigo hotel de gelo do mundo, na Suécia.

LÊ: Este ano, o ‘Icehotel’ tem toque português

Este é um hotel diferente de todos os outros e diferente, até, de si próprio, já que o ‘Icehotel’ é novo todos os anos. Afinal, é construído no inverno e mantém-se em funcionamento até à primavera, quando as temperaturas sobem e ele simplesmente derrete.

Todos os anos, também, o hotel abre um concurso para artistas de todo o mundo submeterem as suas propostas para fazerem um quarto.

Os autores das melhores ideias são convidados a ir à pequena localidade de Jukkasjärvi, bem no norte da Suécia, acima do Círculo Polar Ártico, esculpir o quarto que idealizaram. 

João Mota e Volker Schnüttgen estiveram entre os 70 artistas, designers e arquitetos de 15 países escolhidos, entre centenas de candidatos, para esculpirem uma suite na edição deste ano. 

As imagens que ilustram este artigo mostram o quarto assinado por eles, acabado de inaugurar, com o nome ‘Infintlove’ (já vais perceber porquê…).

Os dois amigos aceitaram responder por escrito às questões que lhes colocámos e partilhar connosco a sua experiência. Volker Schnüttgen, artista alemão radicado há vários anos em Portugal, foi o nosso interlocutor. 

JORNALÍSSIMO – Como surgiu a ideia de se candidatarem a esculpir um quarto do Hotel do Gelo?

VOLKER SCHNÜTTGEN – Há dois anos participei no ‘6th International Sculpture Symposium Tehran’, onde conheci o escultor espanhol José Carlos Cabello Millán. Ele falou-me do projeto do ‘Icehotel’. Um vez que estive em Teerão (Irão) a trabalhar a temperaturas superiores a 40 graus, achei a ideia de trabalhar no gelo “refrescante”.

Quando comecei a desenvolver as minhas ideias para o ‘Icehotel’ pensei que seria mais interessante trabalhar em coautoria. Convidei o João Mota, que até esta data foi sobretudo o meu companheiro na vela.

O João é designer visual e tem, além da sua atividade criativa, muita experiência em produção. Como temos confiança de ir ao mar juntos pensei que também seria interessante enfrentar este desafio do gelo em conjunto.
Apresentámos duas propostas e a do João foi a escolhida, ‘Infinitlove’.

J – Como é o quarto que esculpiram?

VS – O meu trabalho escultórico é muito caracterizado por formas geométricas, arquitetónicas. Tentei projetar estas formas de linhas direitas dentro do espaço da suite, que tem a forma de um túnel de cerca 7 por 4,5 metros e 3,5 metros de altura.

 

O João, inspirado pelas minhas ideias, propôs uma reorganização espacial assente num jogo de luz e associou a este uma silhueta gráfica que foi embutida dentro de dois grandes blocos de gelo. Esta silhueta também deu origem ao título ‘Infinitlove’, porque na verticalidade são duas formas que se abraçam e na horizontalidade pode ser lido como o símbolo do infinito.

J – Foi difícil trabalhar com gelo? Imagino que tenha sido a primeira vez…

VS – Por ter nascido e crescido na Alemanha brinquei na minha infância na neve e tinha construído os meus primeiros ‘iglus’, mas não foi de forma nenhuma uma experiencia útil para o desafio do ‘Icehotel’.

Perdemos os primeiros dias a descobrir as técnicas adequadas para trabalhar os materiais –  ‘ice’ (gelo) e ‘snice’ (o termo snice resulta de ‘snow’+’ice’). A neve é misturada com uma certa quantidade de água para ganhar uma maior resistência e é a principal matéria dos ‘iglus’.

Descobrimos que não é nada fácil criar linhas direitas de arestas vivas no ‘snice’. As ferramentas manuais que nós tínhamos construído cá em Portugal não funcionaram como esperávamos, devido à resistência do ‘snice’. Acabámos por modelar tudo com a motosserra e à mão livre.

A motosserra é a principal ferramenta para construir as suites.

J – Quanto tempo tiveram para trabalhar no Hotel?

VS – Chegámos à Suécia na noite do dia 30 de Novembro e regressámos a Portugal na madrugada do dia 15 de Dezembro. No primeiro dia houve uma pequena introdução, sobretudo acerca da segurança no trabalho com a motosserra. Na parte da tarde já estávamos a trabalhar na suite.

Como referi, perdemos algum tempo no início por falta da experiência. Tentámos recuperar ao longo do tempo. Acabámos às quatro da madrugada da manhã do dia 15. Quase perdemos o nosso táxi para o aeroporto que estava as 4h45 à nossa espera!

J – Chegaram a dormir alguma noite num dos quartos do Hotel? Como foi a experiência?

VS – Todos os criadores, em geral equipas de duas pessoas, tiveram o direito de dormir a noite de 14 para 15 na sua suite. Mas, devido ao facto de termos trabalhado até ao último minuto, não tivemos este prazer.

As pessoas, nós dois amigos, o elemento, o local e o objetivo foram repletos de novidade e descoberta. Foram quinze dias de conhecimento acelerado, com algumas experiências muito positivas, como a presença de Auroras Boreais, o cumprimento de tradições suecas e, acima de tudo, o intercâmbio com artistas de origens diferentes com um objetivo comum: apresentar a maior exposição de Arte no Pólo Norte

Neste link encontras mais imagens das suites que estão à disposição dos hóspedes este ano.

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