Porque é que há greve dos professores?
Em seis pontos, com a ajuda de uma professora em luta, explicamos-te o que está em causa.
Manifestações, faltas às aulas, escolas fechadas. Já serão poucos os alunos e as alunas a não saber que os professores estão em greve. A maioria até já terá sentido o impacto da luta dos “stôres”.
Há, no entanto, muitos estudantes que ainda não conhecem bem quais as razões que estão por detrás dos protestos. Alguns alunos queixam-se de os professores não lhes terem explicado as razões da greve. Outros, como Sofia, aluna do 10º ano de uma escola de Matosinhos, julgam que “poderiam ter explicado melhor”. Rita, colega de Sofia, perguntou à mãe o porquê da contestação. O que ouviu leva-a a afirmar que a luta dos professores “é justa, eles estão a lutar pelos seus direitos”. Sofia e Mariana, outra colega da mesma turma, todas com 15 anos, mesmo não sabendo tão bem os motivos, apoiam os professores. “Esforçam-se muito para nós aprendermos”, consideram. Mariana pede, ainda assim, que “a situação se resolva o mais rapidamente possível”. Nem é tanto por ela, é pelo irmão e pelo primo que são mais novos, andam na escola primária, e Mariana considera que “podem ser mais afetados no processo de aprendizagem”.
O objetivo de uma greve é mesmo esse: provocar impacto de modo a que as reivindicações, as razões que estão na origem do protesto, sejam ouvidas e quem tem o poder se apresse a encontrar soluções para elas.
Neste caso, vários sindicatos de professores têm promovido, já desde dezembro, greves. Finalidade: exigir ao Ministério da Educação – à frente do qual está o ministro João Costa – que resolva uma série de problemas que afetam a profissão de docente.
As reivindicações dos professores são várias e, por vezes, complexas. Com a ajuda de uma professora de Chaves, Isabel Batista, explicamos-te em seguida seis dos principais problemas que estão na origem desta greve. Para esta docente de espanhol (de verde na fotografia abaixo), a luta dos professores é feita também a pensar nos alunos: “se tivermos boas condições profissionais vamos estar mais motivados, ensinar melhor e dar aulas mais interessantes”.
1) A instabilidade
Há professores que dão aulas há muitos anos e continuam a andar com a “casa às costas“. Isto quer dizer que, apesar de viverem (e, por vezes, terem filhos) a viver numa determinada cidade, só conseguem encontrar trabalho numa escola longe de casa. Se a distância for curta, os professores podem fazer pequenas deslocações diárias para irem dar aulas. No entanto, a distância entre o sítio onde vivem e o sítio onde dão aulas é, por vezes, de centenas de quilómetros. Aí, não há hipótese: os professores são obrigados a alugar um quarto ou uma casa noutra cidade e a ficarem afastados da família durante toda a semana. Além da instabilidade que esta situação provoca, ela acarreta também custos acrescidos para os professores deslocados, que não têm qualquer ajuda extra para pagar viagens e alojamento.
A professora de espanhol Isabel Batista é de Chaves e, este ano, está a dar aulas em Valpaços, que fica a meia hora de distância de carro. Para ela, fazer 28 quilómetros para ir e regressar do trabalho todos os dias “não é muito”. Sobretudo depois do que já teve que passar desde que começou a exercer a profissão em 2002/2003. O mais longe que esteve de casa foi em Tomar, a 328 km de distância, mas já perdeu as contas às cidades onde teve que morar para poder dar aulas: Valongo, Maia, Esposende, Braga, Bragança, Vila Flor, Amarante, Famalicão ou Lousada são alguns dos sítios por onde passou. “Às vezes não tinha horário completo, ganhava quinhentos e poucos euros. Entre pagar casa e viagens não sobrava nada ao final do mês”, recorda.
Isabel não tem dúvidas de que a situação que ela viveu durante anos e que ainda afeta milhares de professores tem consequências também para os alunos: “Se uma pessoa está numa casa que não é a sua e que muitas vezes não tem condições, cansada das viagens aos fins-de-semana, é claro que a motivação para fazer determinados trabalhos com os alunos não é a mesma e sobra pouco tempo no fim-de-semana para preparar as aulas”.
Andar a saltar de escola em escola todos os anos (às vezes menos, já que nem sempre os professores contratados ficam na mesma escola ao longo de todo um ano letivo) também contribui para a desmotivação: “Os professores sentem que estão num lugar transitoriamente, e isso pode levar a que não deem o máximo, pensam que nem vale a pena envolverem-se em atividades que se calhar nem vão poder concluir”, nota ainda Isabel.
2) A precariedade
Precariedade é sinónimo de algo que é inseguro, pouco estável. O vocábulo pode ser empregue relativamente a várias realidades (por exemplo, para um objeto que está em risco de cair: “a caneca em cima daquela estante está num equilíbrio precário”). Nos últimos anos, a palavra tem sido muito aplicada para descrever situações profissionais instáveis, por não oferecerem a quem exerce determinados trabalhos muita segurança.
Ser precário pode significar não saber se se vai ter trabalho no mês ou no ano seguinte ou não ter direitos que os colegas que estão numa situação de maior estabilidade têm (por exemplo, direito ao mesmo salário, às mesmas condições de evolução na carreira, a férias). Muitos professores, apesar de darem aulas, por vezes, há dezenas de anos, continuam a ser precários. Isto acontece porque, apesar de todos os anos o seu trabalho ser necessário, eles continuam a ser contratados ano a ano, em vez de terem um lugar fixo (a isto chama-se “estar nos quadros”).
O caso de Isabel Batista também ajuda a perceber este problema. Apesar de ter começado a dar aulas em 2002/2003, só no ano letivo de 2018/2019 conseguiu entrar nos quadros do Ministério da Educação e encontrar lugar numa escola mais perto de casa. Ou seja, durante 16 anos tinha que renovar contrato a cada ano. Em julho ficava sempre desempregada (logo, sem receber salário) e tinha que esperar por finais de agosto para saber em que escola iria dar aulas no ano seguinte.
3) A burocracia
Esta é uma situação de que todas as professoras e professores se queixam. Mesmo aqueles que já não estão numa situação instável e precária. De uma forma resumida, a burocracia a que os professores se referem diz respeito às tarefas que as escolas os obrigam a fazer e que consideram roubar-lhes muito tempo para a atividade que lhes compete acima de tudo: ensinar. As palavras de Isabel Batista ajudam a ter uma ideia melhor do que está em causa: “Por exemplo, um diretor de turma passa horas a justificar faltas e a tratar de papelada. Esse era tempo que deveria ser dedicado à preparação de aulas e à criação de material didático para as tornar mais interessantes e motivadoras. Sem tempo de preparação, o professor chega à aula e dá só os exercícios do manual, não tem material extra”, elucida. Esta professora de língua espanhola considera que muitas das tarefas burocráticas que são exigidas aos docentes são desnecessárias e outras deveriam ser da responsabilidade do pessoal administrativo.
4) As dificuldades de progressão na carreira
Qualquer pessoa, quando inicia um trabalho, espera poder avançar na carreira. Isso pode significar várias coisas como, por exemplo, vir a ocupar cargos de maior responsabilidade. Mas há uma coisa que progredir na carreira significa quase sempre: ver aumentar o ordenado que se aufere. Em duas palavras: ganhar mais.
A progressão na carreira dos professores faz-se por escalões. Vão do um ao dez, sendo que o décimo escalão é o mais elevado e aquele que garante o melhor salário ao fim do mês. Ora, os professores também estão indignados pelas regras que estão em vigor no que toca a avançar no seu estatuto profissional.
As greves têm sido convocadas por vários sindicatos. Um deles é o Sindicato de Todos os Profissionais da Educação (S.TO.P.), que fez um folheto para transmitir aos pais as razões dos protestos. Para explicar esta questão da progressão, o sindicato coloca as seguintes questões: “Imagine que o seu filho, apesar de merecer Excelente, só tinha um Bom, porque só havia 1 avaliação de Excelente para atribuir?” e “Imagine que o seu filho merecia transitar de ano, mas teria de ficar retido, pois não havia vaga na turma do ano seguinte”.
Trata-se de uma questão que pretende retratar o que se passa com os professores para passarem sobretudo aos 5º e 7º escalões da carreira docente. Conseguirem-no não depende apenas de terem feito um bom trabalho. Os professores até podem ter sido avaliados com a nota máxima, no entanto, o Ministério da Educação estabeleceu há já alguns anos um número de vagas para esse escalão. Quando há mais candidatos a esses escalões do que lugares disponíveis (algo que acontece todos os anos), só alguns professores podem transitar de escalão.
5) O tempo de serviço que não é contado
Certamente já viste os professores a exibirem cartazes onde se lê: “9 anos, 4 meses e 2 dias”. Que tempo é este? Corresponde ao período em que, no total, a carreira dos professores esteve congelada entre 2005 e 2017. Durante aqueles mais de nove anos, nenhum professor pôde evoluir na carreira e, portanto, ganhar mais. Para passar de escalão, um dos requisitos que se tem de preencher é ter um determinado tempo de serviço (a contagem do número de dias que se esteve a trabalhar). Mais uma vez, Isabel Batista ajuda-nos a entender o que está aqui em causa: “Aqueles quase nove anos e meio foi tempo em que nós, professores, estivemos a trabalhar, mas o Ministério não nos conta a maior parte desse tempo de serviço. Reconheceu para esse efeito dois anos e tal, mas continua sem reconhecer 6 anos, 6 meses e 3 dias daquele período. É como se não tivéssemos trabalhado, quando trabalhámos”. Um exemplo: alguém que tenha começado a trabalhar em 2004 deveria hoje contar cerca de 18 anos de trabalho. Em vez desses 18 anos, são-lhe reconhecidos apenas perto de 11 anos e meio. Ora esses 6 anos e pouco, sublinha Isabel, correspondem ao tempo exigido para avançar pelo menos um escalão. “Não contar esse tempo é humilhante”, desabafa a professora.
6) O valor dos salários
Outra queixa dos professores relaciona-se com o facto de não verem aumentados nos seus salários há mais de 15 anos. Apesar do aumento da inflação ao longo deste tempo, os ordenados dos docentes não subiram. Como continuaram a receber o mesmo, mas o custo de vida aumentou, os professores queixam-se de estarem hoje a ganhar menos por igual trabalho.
Apesar de continuar a haver reuniões entre os sindicatos que representam os professores e o ministro da Educação João Costa, e de este já ter cedido em alguns pontos das reivindicações dos professores, a classe docente continua insatisfeita. Os professores continuam a achar que o Ministério da Educação tem que ceder muito mais para ir ao encontro das reivindicações apresentadas. É por isso que estas greves ainda não têm fim à vista e que as negociações entre Sindicatos e Ministério continuam. Se quiseres conhecer melhor o ponto de vista do Ministério da Educação, podes ver aqui a entrevista que João Costa deu ao jornalista da RTP Vítor Gonçalves, no programa “Grande Entrevista” da RTP3, na passado dia 18 de janeiro.
Quanto a Isabel Batista, ainda não baixou os braços. Esteve na grande manifestação que houve em Lisboa no passado dia 14 de janeiro – ela e vários colegas de escolas de Chaves juntaram-se e alugaram um autocarro para poderem participar no protesto que reuniu na capital milhares de professores de todo o país. Na entrevista que nos deu por telefone, Isabel diz estar a pensar voltar a Lisboa para as novas manifestações que já estão marcadas para os dias 28 deste mês e 11 de fevereiro. “Quantos mais formos mais fazemos ver à população que estamos unidos a lutar pelos nossos direitos”, comenta.
Foto de abertura: FENPROF (Federação Nacional de Professores)/Facebook