O bullying, outra vez. O que justifica a violência juvenil?
Entrevistámos Tânia Paias, com um livro escrito sobre o tema: “A violência é algo de inato, temos de canalizá-la para formas saudáveis de expressão”.
Anteontem foi tornado público um vídeo em que um aluno da Figueira da Foz é agredido por duas jovens, na presença de um grupo de rapazes e raparigas da mesma idade. O episódio ocorreu há cerca de um ano, mas o jovem só esta semana apresentou queixa às autoridades.
Entrevistámos a psicóloga clínica Tânia Paias sobre este fenómeno, que tem vindo a investigar no âmbito da sua tese de doutoramento e sobre o qual já escreveu um livro, intitulado “Tenho medo de ir à escola”, editado no ano passado pela Esfera dos Livros.
JORNALÍSSIMO – É normal as vítimas de bullying não denunciarem ou demorarem tempo a denunciar a violência de que são alvo, como aconteceu com este caso?
TÂNIA PAIAS – Sim. Aliás, esta é uma das premissas que mais encontramos. O medo, a vergonha, fazem com que se inibam de denunciar.
J – Aqui tratou-se de violência física, mas há outras formas de bullying…
TP – Sim, e a violência psicológica é muito complexa. Aqui assistimos, para além da violência física, a uma situação de agressão psicológica, na medida em que eram uns sete ou oito jovens a cercar aquele rapaz. Ele não se sentiu amparado, defendido, pelo contrário. Sentiu-se revoltado, humilhado e, isto sim, é uma forma de violência psicológica.
J – Há dados sobre o número de jovens que são vítimas de bullying em Portugal?
TP – Sabe-se que uma em cada quatro crianças em idade escolar tem contacto com situações de bullying, quer seja no papel de vítima, agressor ou espectador.
J – E há idades em que ele é praticado com maior frequência?
TP – Sim, as idades entre os 11 e os 15 anos são as mais propensas a este tipo de atos.
J – É possível definir um perfil dos jovens que praticam violência sobre outros jovens?
TP – Qualquer pessoa, qualquer jovem tem a capacidade de ser violento em determinadas circunstâncias. Tudo depende do jogo entre a sua componente biológica e o meio envolvente. Aliás, a violência é algo inato à condição humana. O que temos que fazer é adequar a sua gestão, canalizá-la para formas saudáveis de expressão, inibindo assim um uso inapropriado da violência perante os outros.
Normalmente (quem pratica bullying) são jovens com uma maior propensão para agir, com dificuldade na gestão dos impulsos. Ou, então, jovens que possuem boas habilidades sociais e as utilizam como forma de manipulação, de obtenção de ganhos secundários. Nestes casos, trata-se de jovens que possuem dificuldade de empatizar (de se colocar no lugar dos outros).
J – E as vítimas, quem são?
TP – Qualquer jovem se pode ver envolvido numa situação de bullying durante o seu percurso escolar. Se bem que possa existir uma outra característica mais propensa para este tipo de atos – uma maior insegurança, incapacidade de expor por palavras as suas emoções, vergonha, dúvida, qualquer característica que o distinga dos demais… O que é facto é que qualquer jovem possui momentos de uma maior fragilidade e, por vezes, esta pode abrir caminho para um maior grau de vulnerabilidade.
J – O que deve fazer um jovem que seja vítima de agressões por parte dos colegas?
TP – Denunciar, denunciar, denunciar. Os jovens nunca se podem calar. Devem procurar o melhor amigo, falar com um professor de referência, falar com os pais. É claro que o que os impede é novamente a humilhação. Uma vez um jovem disse-me “Pior do que ter sido vítima de bullying, é todos saberem disso”
J – Quem assiste também tem formas de ajudar?
TP – Quem assiste tem o poder de mudar a situação. Se aquele que está a ser vítima de bullying sente que tem alguém que o apoia e faz algo para o defender, sentirá coragem para denunciar, para intervir e naturalmente para parar com esta situação.
J – Que consequências pode ter na vida de um jovem ser vítima de bullying?
TP – Nalguns casos torna-se devastador, uma vez que diminui a sua capacidade de se defender, de confiar e de se envolver com os outros de forma saudável.
J – Há terapias para ajudar a superar esse mal-estar? Em que consistem?
TP – Sim, existe terapia. Em primeiro lugar, temos que perceber quem é aquele jovem que está diante de nós, isto é, como a situação foi por si vivida. Mas, na generalidade, temos que trabalhar a confiança, a autoestima, a capacidade de confiar, a agressividade contida, o efeito trauma…
J – Casos como os da Lady Gaga, que já assumiu ter sido alvo de violência por parte dos colegas quando era estudante, são frequentes?
Foto: Jason H. Smith/Creative Commons
TP – Sim, é frequente alguns famosos revelarem que quando foram estudantes também lidaram com situações desta índole, normalmente por se considerarem diferentes nalgum aspeto durante a adolescência. Em Portugal, também temos figuras públicas que já assumiram terem sido vítimas de bullying.
Estes casos ajudam os jovens a perceber que existe uma saída e que é possível vencer, apesar de um percurso escolar atribulado. O prólogo do meu livro dedicado a esta temática (“Tenho medo de ir à escola”) é escrito por uma jovem que foi vítima de bullying e acaba com um trecho da música de Lady Gaga “Born this way”. [A cantora fundou, juntamente com a mãe, uma organização não governamental, a ‘Born this Way Foundation’, para promover o bem-estar entre os jovens e incentivá-los a criar um mundo melhor, onde a individualidade de cada um seja aceite e respeitada].
Vê o vídeo da música de 2011 que deu nome à Fundação.