Homens e saúde: um prognóstico reservado
A saúde masculina tem estado em segundo plano, apesar das taxas de mortalidade serem superiores nos homens. Em todas as idades.
Opinião | Por Bruno Rodrigues Alves *
É um facto: os homens gozam de mais privilégios, influência e poder. Mas isso não corresponde, no entanto, a uma maior esperança de vida ou a melhores indicadores de saúde, comparativamente às mulheres.
A saúde masculina tem sido secundarizada.
Apesar de todas as evidências mostrarem que as taxas de mortalidade são superiores nos homens, em todas as faixas etárias, a maioria das campanhas de saúde destina-se ou à população em geral ou à saúde da mulher.
Esta realidade não acompanha indústrias, como as de suplementos, fitness, cosméticos ou publicações (revistas sobretudo), cada vez mais dirigidas ao público masculino.
Apesar de tudo, nos últimos anos, tem-se evoluído de uma visão de saúde masculina mais restrita – centrada, sobretudo, no foro urológico e sexual/reprodutivo – para uma visão mais integral (que olha para o homem como um todo). Mas são ainda poucos os países que, como o Brasil, dispõem de programas específicos, destinados à saúde masculina.
É verdade que os homens reúnem uma série de circunstâncias que contribuem para que corram maiores riscos em termos de saúde.
Eles, mais do que elas, tendem a estar sujeitos a ambientes suscetíveis de gerarem danos para a saúde. Sejam esses ambientes físicos (como o setor da construção civil ou o mineiro) ou sociais (por exemplo na pressão dos grupos de pares – na escola, no trabalho, no lazer – para a adoção de comportamentos menos saudáveis).
Mas há mais. Persiste, também, no homem uma certa sensação de invulnerabilidade (o “só acontece aos outros”), que o faz envolver-se em riscos maiores.
Além disso, o sexo masculino é mais propenso a ser consumidor de álcool, tabaco e drogas ilícitas (em maiores quantidades e por mais anos) e a adotar comportamentos perigosos: na condução, no uso de violência, nos comportamentos sexuais, entre outros.
Aqui, deve ser dada especial atenção à transição da adolescência para a idade adulta. Nesta altura, aumenta a vulnerabilidade a contextos de risco acrescido: não esqueçamos que entre os adolescentes rapazes é frequente alguma “competição” face ao perigo. Pelo que os rapazes são maiores vítimas de causas externas que poem em risco a sua saúde e a sua vida, como acidentes ou atos violentos.
O rol de circunstâncias ainda não terminou. Falta falar nos estereótipos de género, transmitidos intergeracionalmente tanto a rapazes como a raparigas.
Tem-se observado uma estreita relação entre estes estereótipos e a saúde masculina. Por exemplo, do homem espera-se força, autossuficiência, (auto)controlo, vitalidade, resistência, ousadia, temeridade….
Neste contexto, a queixa, a dor, a doença, são vistas como debilidades. Não será por isso de estranhar que o homem não goste particularmente de ir ao médico e manifeste algum “incómodo” em lidar com a posição relativamente passiva e dependente de doente. E que reprima emoções.
Todos estes estereótipos moldam o sistema de crenças masculino e desembocam em resistência à mudança. A título de exemplo, no contexto laboral isso traduz-se numa maior renitência à adoção de medidas de proteção e segurança (logo, em mais acidentes de trabalho) e na desvalorização de situações de desgaste psicossocial ou relacionadas com a saúde mental.
O homem é, assim, alvo de uma dupla vitimização – dos piores indicadores de saúde e dos estereótipos que o oprimem e condicionam.
É necessário trabalhar a “emancipação” masculina, “libertar” os homens de condicionamentos de género, desmistificar imagens estereotipadas de “masculinidade” e mitos próprios de “super-heróis”.
O que dissemos até aqui leva a uma certa inércia e negligência do homem face à sua saúde. E isso vê-se numa série de comportamentos: não valoriza sintomas, adere pouco a práticas preventivas, desvaloriza rastreios e autoexames, esquece cuidados de saúde primários e vai ao médico muitas vezes apenas em situações-limite.
Os homens manifestam, também, desconhecimento face a muitas doenças, mesmo as específicas à condição de homem. E envolvem-se pouco em programas de saúde.
Resultado: o subdiagnóstico e a deteção tardia de doenças são mais frequentes, levando a piores prognósticos e a pior qualidade de vida (além de aumentarem os custos económicos associados aos tratamentos).
Tudo isto tem solução.
É preciso, desde logo, sensibilizar e mobilizar o homem para a importância da deteção precoce. Os serviços de saúde têm de pensar em estratégias que captem a atenção do universo masculino e estabelecer parcerias com escolas e universidades.
O papel da escola como agente promotor de saúde tem de ser reforçado. Locais de trabalho, clubes desportivos, ginásios, associações e espaços noturnos podem ser envolvidos neste trabalho, em que os media, com campanhas de informação e sensibilização, podem assumir um importante papel. Destacando, nomeadamente, iniciativas positivas, como o movimento ‘Movember’, que tem chamado a atenção para a saúde masculina.
É importante não esquecer que a forma como os homens encaram a sua saúde interfere, também, na saúde de mulheres e crianças. E que, quando falamos em igualdade de género, falamos também de equidade na atenção e oportunidades de participação dos homens na “construção” da sua saúde.
É pois urgente colocar na agenda a saúde masculina. A bem de tod@s.
(*) sociólogo