Vânia Gonçalves: “Faz todo o sentido encorajar jovens raparigas para as TIC”
Engenheira informática, docente na FEUP, Vânia trouxe os ‘Girl Geek Dinners’ para Portugal. Lê a entrevista!
Quando, em 1997, entrou no curso de Engenharia Informática, Vânia Gonçalves era uma de apenas três raparigas numa turma de 50. Hoje, aos 37 anos, é docente convidada no Departamento de Engenharia Informática da Faculdade de Engenharia da Universidade do Porto (FEUP), onde estudou, e nota que a presença feminina tem vindo a aumentar. Nesta entrevista que deu ao JORNALÍSSIMO explica como se começou a interessar por computadores e porque é fascinada por informática, dá dicas a jovens que queiram seguir esta área, fala de estereótipos, de educação e, claro, dos ‘Portugal Girl Geek Dinners’.
Além de docente na FEUP, onde em breve irá defender a tese de doutoramento em ‘Media Digitais’, Vânia é também coordenadora de projetos de Investigação e Desenvolvimento na NMusic, no Porto, onde regressou depois de alguns anos lá fora – em Inglaterra (esteve na Universidade de Cambridge a fazer mestrado em ‘Technology Policy’) e na Bélgica (trabalhou no Instituto ‘Studies in Media, Information and Telecommunication’ e na ‘Vrije Universiteit Brussel’).
1) Quando soubeste que querias seguir algo relacionado com as tecnologias?
Tive o meu primeiro computador, um ‘ZX Spectrum’ aos 8 anos e, mais tarde, aos 13 anos, um ‘Apple Macintosh Classic II’. Na altura apaixonei-me logo pelos jogos, mas também por programar. Com o primeiro computador monopolizava a única televisão de casa, e com o segundo, sentia que tinha tudo para aprender o que quisesse (e ainda não havia ‘Internet’!). Mais tarde, quando tive que escolher uma área no 10º ano, apesar dos testes psicotécnicos apontarem para áreas como letras e artes, não hesitei em seguir o curso tecnológico de Informática.
2) Os teus pais acharam estranho?
Sim, muito! Até porque a tecnologia era um mistério para eles. Acho que ainda hoje têm dificuldade em perceber em que é que eu trabalho.
3) O que te fascina na informática?
A aproximação à matemática, a capacidade para resolver problemas, e estar hoje em dia tão intrinsecamente presente no que fazemos e na nossa qualidade de vida.
4) Quantas raparigas havia na tua turma, ainda te lembras?
No Curso Tecnológico de Informática éramos 4 raparigas. Na licenciatura em Engenharia Informática éramos 3 raparigas em 50 alunos, sendo que uma acabou por mudar de curso no primeiro ano. Em 2014, comemoraram-se os 20 anos do curso e concluímos que, nesse ano, o número de alunos matriculados foi de cerca de 120, e o número de raparigas aumentou para 20.
5) Hoje dás aulas no curso onde estudaste. Notas diferenças?
Sim, há maior representação feminina tanto a nível de docentes como de alunas. Como disse, o número de alunas tem aumentado significativamente.
6) Alguma vez te perguntaram se o computador que tinhas era do teu namorado?
Não! Mas em conferências técnicas já me confundiram com a empregada que servia cafés.
7) Reves-te na frase “No, this is not my boyfriend’s computer”? No sentido de as pessoas ainda olharem para a tecnologia como coisa de rapazes.
Sim, mas creio que apenas por pessoas fora da área. Na chamada ‘conversa de café’ se digo que sou Engenheira, ninguém comenta. Mas se digo que sou Engenheira Informática, passam rapidamente do momento “uau” para o momento “tenho um computador lá em casa que…”. Felizmente, por pessoas na área das TIC (Tecnologias de Informação e Comunicação) esse estereótipo está cada vez menos presente.
8) Já alguma vez te sentiste discriminada neste mundo das TIC por seres mulher?
Sim, há alguns anos, quando comecei a trabalhar. Lembro-me, por exemplo, que numa entrevista de recrutamento me questionaram e duvidaram se eu teria capacidade para pegar em equipamento de redes informáticas (às vezes pesado). Acho que não se justifica fazerem-se perguntas deste tipo e não a teriam feito certamente a um homem. Hoje em dia, do contacto que tenho com jovens mulheres profissionais, penso que se verificam cada vez menos situações desagradáveis como esta.
9) É importante que haja uma maior presença feminina nesta área? Porquê?
Sim, em primeiro lugar, é mais uma área em que não faz sentido que haja mais predisposição de homens do que mulheres. A diversidade é determinante para a igualdade de oportunidades, para a inovação, o crescimento e o desenvolvimento económico. Em segundo lugar, as previsões indicam que as necessidades de profissionais especializados nas TIC vão aumentar significativamente nos próximos anos. E, portanto, é preciso encorajar mais jovens, e necessariamente também raparigas para esta área.
10) As estatísticas mostram que elas ainda são uma minoria em cargos com poder de decisão?
Sim, creio que sim. As mulheres são uma minoria em cargos com poder de decisão tanto nesta área como noutras.
11) Estudaste e trabalhaste em, pelo menos, três países: Portugal, Inglaterra e Bélgica? Consegues ver diferenças na relação entre mulheres e tecnologias de país para país?
Sim, verifiquei que há mais mulheres profissionais e alunas na área das TIC, mas as lacunas verificam-se igualmente. Os estereótipos são os mesmos e a necessidade de inspirar mais jovens raparigas pelo gosto pelas tecnologias é igualmente premente. Diria que, pelo menos na Inglaterra e na Bélgica, as iniciativas privadas e governamentais especialmente focadas nas raparigas e em Ciência, Tecnologia, Engenharia e Matemática (em Inglês, ‘STEM’) já se iniciaram há vários anos e começam agora a dar os primeiros resultados. Em Portugal, ainda precisamos de uma iniciativa marcada pelo apoio do Estado para que a consciencialização seja mais difusa, porque claramente as iniciativas privadas e voluntárias têm pouca voz.
12) Como te lembraste de trazer, em 2010, o ‘Girl Geek Dinner’ para Portugal?
Conhecia os eventos em Bruxelas, sempre esgotados e com mais de 80-100 mulheres a participar. Na altura não havia nenhuma comunidade ou eventos semelhantes em Portugal, que unissem mulheres e o gosto por tecnologia. Comecei por organizar os eventos cá, enquanto ainda vivia em Bruxelas e às vezes era difícil motivar mulheres a participarem. Curiosamente, sempre fui muito apoiada e encorajada a continuar com estes eventos por homens na área das TIC.
13) Seis anos depois, que balanço fazes?
Penso que se tem desbravado muito caminho! Há agora em Portugal uma grande escolha de comunidades na área tecnológica e focadas no ‘networking’, e também exclusivamente para mulheres. As raparigas e mulheres já perceberam que faz todo o sentido participar neste tipo de comunidades e eventos, tanto para o seu desenvolvimento pessoal como profissional. E da parte das empresas há cada vez mais interesse em apoiar estas iniciativas.
14) O que pode esperar quem for ao ‘Girl Geek Dinner’ do próximo sábado, 30 de Abril, no Porto?
Como habitualmente, duas palestras. Desta vez por duas mulheres (nem sempre são mulheres a apresentar!), com uma apresentação mais técnica e outra mais focada no desenvolvimento profissional e pessoal. Depois vai ser de manhã e ter almoço! E desta vez, vamos conhecer por dentro a bit | Sonae, que apoia este encontro também a nível logístico, isto é, nos proporcionará também um almoço leve. Conhecer as empresas por dentro tem sido um fator determinante no aumento da participação de mulheres nestes eventos, para futuras oportunidades de estágio ou emprego.
15) Os homens são bem-vindos?
Sim, sempre, para apresentar ou participar! Mas desde que não sejam em maior número que nós. A ideia é mesmo distinguirmo-nos das conferências técnicas que habitualmente têm um número significativamente maior de homens do que de mulheres.
16) A celebração deste dia internacional continua a fazer sentido?
Sim, faz todo o sentido continuar a encorajar jovens raparigas para as TIC e para a economia digital. Mesmo que não optem por uma carreira nesta área, é importante fortalecer a abordagem educativa para que se acabe com a ideia de que os ‘computadores não são para raparigas’. E quem diz computadores, diz legos ou matemática. A mudança passa primeiro pela educação em casa, tanto para rapazes como para raparigas, e depois na escola para acabar com este tipo de estereótipos.
17) Que conselhos darias a uma jovem que esteja a ponderar seguir esta área?
Acreditar sempre no que se gosta, apesar das dificuldades ou das dúvidas. E se tem dúvidas, há muitas atividades ou comunidades com que se pode envolver para as esclarecer. Por exemplo, estão disponíveis na Web muitos recursos e ferramentas para aprender a programar, como o Scratch ou o Tynker. A comunidade CoderDojo tem vários núcleos de norte a sul de Portugal para aprender a programar de uma forma gratuita. Há também o programa internacional de mentoria Learn IT, Girl especialmente para raparigas aprenderem uma linguagem de programação com o apoio de outra mulher. E porque não, participar nos nossos encontros, assistir às nossas palestras e conhecer outras jovens mulheres que gostam de tecnologia?
18) E, só para terminar, afinal o que é exatamente um/uma ‘geek’?
Ah isso… já experimentaste procurar na ‘Wikipedia’? (risos) Uma ‘geek’ é certamente fanática por tecnologia, gosta imenso do que faz, de aprender, e claro que também gosta de coisas normais como ver séries ou ler. Há quem diga que as ‘geeks’ têm poucas capacidades sociais, de se expressar ou fazer amigos, mas isso é um mito que não tem qualquer sentido. A prova são os nossos encontros de ‘Geek Girls’.
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