O Tratado de Versalhes e a sua receção pelos portugueses
No centenário do Tratado de Versalhes recordamos as suas linhas e a adversidade entre Republicanos.
Por Soraia Milene Carvalho (*) – soraiamilenecarvalho@campus.ul.pt
Em Janeiro de 1919, sob o signo de uma ordem internacional sem antecedentes, resultante do final da I Guerra Mundial, encetou-se a Conferência da Paz em Paris. Nela reuniram-se os representantes dos países Aliados, vencedores do conflito, para negociarem os termos da reorganização europeia e mundial no pós-guerra. No decurso dessa Conferência – os trabalhos terminaram em 1920 – foi assinado o Tratado de Versalhes, a 28 de junho de 1919. Também designado por Tratado de Paz, o documento era constituído por duas partes, a saber, a primeira respeitante à criação da Sociedade das Nações, e a segunda, formada por 15 partes, relativa às cláusulas políticas, económicas, militares e territoriais aplicadas à Alemanha.
Em Portugal, evidenciavam-se discussões inflamadas sobre a participação do país no conflito e os benefícios dessa decisão no pós-guerra; porém, a presença nacional na Conferência de Paz era considerada fundamental para a afirmação do regime português.
O Pacto da Sociedade das Nações (SDN), a primeira parte do Tratado de Versalhes, visava a criação de uma Organização Internacional, com esse mesmo nome, capaz de preservar a paz entre os Estados mundiais, servindo de árbitro às questões da diplomacia internacional. A SDN assentava no princípio da autodeterminação dos povos e da superação dos conflitos entre Estados através do debate na Assembleia da Organização, onde qualquer Estado-membro tinha a palavra.
Os outros capítulos do Tratado de Versalhes referiam-se à análise das fronteiras da Alemanha; às cláusulas políticas para a Europa no pós-guerra; aos direitos e interesses alemães na Europa e além do Velho Continente; aos prisioneiros de guerra e às campas de militares; às penalidades e reparações devidas às potências vitoriosas; às cláusulas financeiras e económicas impostas pelos Estados vencedores.
O Tratado de Versalhes previa, por outro lado, a constituição do BIT (Bureau International du Travail) ou OIT (Organização Internacional do Trabalho). Na última parte do Tratado de Versalhes, constava o Protocolo assinado pela Alemanha, a 10 de Janeiro de 1920 e o de 28 de Junho de 1919, firmado pelos vencedores. Afonso Costa e Augusto Soares assinaram por Portugal.
Portugal, membro fundador da SDN, tardou a ratificar o Tratado, devido à instabilidade política interna: no parlamento, o documento despertava grande polémica, na sequência da controvérsia sobre a participação portuguesa na Grande Guerra. Em Novembro de 1926, Portugal criava a Secretaria Portuguesa da Sociedade das Nações, no Ministério dos Negócios Estrangeiros, com o objetivo de fortalecer a presença nacional da SDN. Bettencourt Rodrigues, o ministro dos Negócios Estrangeiros da época, procurava assim responder às necessidades de funcionamento da instituição e às pressões do diretor do BIT sobre a falta de comparência dos portugueses na Assembleia daquele organismo.
Antecessora da Organização das Nações Unidas (ONU), a Sociedade das Nações deixou-lhe um legado inequívoco, estabelecendo-se a ligação entre ambas pelo contributo da primeira para uma paz mundial, nomeadamente em matéria respeitante à solidariedade entre os Estados, mas também em domínios específicos como as condições de trabalho, a agricultura, o comércio, entre outros.
No entanto, muitas foram as dificuldades com que a SDN se confrontou entre 1919 e 20 de Abril de 1946, data em que foi oficialmente declarada extinta: as tensões crescentes na Europa, fruto das consequências da Grande Guerra, o impacto da crise de 1929 e a Grande Depressão dos Anos 30, entre outros, revelaram-se fatores impeditivos para a concretização de paz duradoura no mundo.
Fontes
Câmara dos Deputados, Sessão n.º 58, 30 de Março de 1920.
Treaty of Peace with Germany (Treaty of Versailles), 28 de Junho de 1919 – 10 de Janeiro de 1920.
Bibliografia
BORGES, João Vieira, «Do Armistício a Versalhes – Uma Nova Ordem Internacional», in AFONSO, Aniceto; GOMES, Carlos de Matos (coord.), Portugal e a Grande Guerra: 1914-1918, QuidNovi, Matosinhos, 2010.
CARVALHO, Soraia Milene Marques, A Sociedade das Nações: Europa, Portugal e Agricultura, Tese de Mestrado, Orientadora: Prof.ª Doutora Teresa Nunes, Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa, 2018.
The Editors of Encyclopaedia Britannica, “Albert Thomas – French Statesman”, Encyclopaedia Britannica, Article History, 1998. Disponível online [última consulta a 19 de Março de 2019]: https://www.britannica.com/biography/Albert-Thomas
(*) Mestre em História, especialidade em História Moderna e Contemporânea pela Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa. Investigadora do CH-UL. Este artigo foi escrito no âmbito da parceria entre o Laboratório de História do Instituto de História Contemporânea (IHC), da Faculdade de Ciências Sociais e Humanas, da Universidade Nova de Lisboa – e o Jornalíssimo, com coordenação de Ana Paula Pires, Luísa Metelo Seixas, Ricardo Castro e Susana Domingues.