As sete vidas de uma Constituição

Aprovada em Abril de 1976, a Constituição da República Portuguesa foi sete vezes revista ao longo da sua atribulada existência.

Por Ricardo Noronha* – Instituto de História Contemporânea da Universidade Nova de Lisboa

Assinalam-se neste ano de 2016 os 40 anos da Constituição da Republica Portuguesa. Aprovada a 2 de Abril de 1976, teve o voto contra dos 16 deputados do CDS e os votos favoráveis dos deputados do PS, PPD, PCP, MDP-CDE e UDP.

Combinando um ordenamento liberal dos direitos individuais com uma secção económica em que predominavam princípios coletivistas, o texto original propunha-se “assegurar a transição para o socialismo mediante a criação de condições para o exercício democrático do poder pelas classes trabalhadoras”. Adicionalmente, reservava a um organismo político-militar (o Conselho da Revolução) funções fiscalizadoras do poder legislativo e executivo, na sequência do papel fundamental desempenhado pelo Movimento das Forças Armadas no derrube da ditadura.

As duas primeiras revisões foram claramente as mais significativas.

Em 1982, com os votos favoráveis do PS, do PSD e do CDS, foi extinto o Conselho da Revolução (cujas funções passaram a ser desempenhadas por um Tribunal Constitucional nomeado pela Assembleia da República), alterados alguns artigos relativos à planificação económica (tornando-a menos imperativa) e limitados alguns poderes presidenciais.

Em 1989, com os votos dos mesmos partidos, foram suprimidos e/ou alterados os artigos que consideravam “irreversíveis” as nacionalizações efetuadas após o 25 de Abril, ou que enfatizavam a “transição para o socialismo”, sinalizando a viragem para uma economia de mercado.

As mudanças posteriores vieram consagrar princípios legislativos resultantes da subscrição de tratados internacionais, no quadro da integração europeia.

Tanto as origens do texto constitucional como as sucessivas querelas em torno da sua interpretação podem ser reconduzidas ao processo revolucionário de 1974-75, durante o qual os principais sectores da actividade económica foram nacionalizados e mais de um milhão de hectares expropriados, no âmbito da reforma agrária.

Mas não se deve, igualmente, perder de vista os 48 anos de repressão e censura que o precederam, a miséria e as desigualdades que caracterizavam a sociedade portuguesa quando, no dia 25 de Abril de 1974, o Movimento das Forças Armadas derrubou a mais longa ditadura da Europa.

Estarão, porventura, aí as melhores pistas para compreender porque é que o texto aprovado pela Assembleia Constituinte reiterou enfaticamente o objetivo de transformar Portugal numa “sociedade sem classes” e atribuiu ao Estado a incumbência de reduzir as desigualdades sociais, estabelecendo condições de dignidade mínimas, imprescindíveis ao exercício da democracia.

FOTO:  Woody Hibbard/Creative Commons (livros) e Wikimedia Commons (Parlamento)

(*) Este artigo foi escrito no âmbito da parceria entre o Laboratório de História – do Instituto de História Contemporânea (IHC), da Faculdade de Ciências Sociais e Humanas, da Universidade Nova de Lisboa – e o Jornalíssimo, com coordenação de Ana Paula Pires, Luísa Metelo Seixas e Ricardo Castro.

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