“O sistema solar, apesar de imenso em si mesmo, é minúsculo”

Fascinado por Astronomia, Mário Veloso fez um planetário ao ar livre para “sentir” a imensidão do Universo.

Mário Veloso é engenheiro civil de profissão e, aos 60 anos de idade, tem no vasto currículo um número considerável de pontes. Uma delas, marca a paisagem da cidade de Chaves desde 2008.
É uma ponte pedonal – faz a ligação entre o Jardim Público e o Jardim do Tabolado, onde ficam as Termas e a buvete em que a água termal brota da terra a uma temperatura superior a 70 graus Celsius. Desenhá-la era um desafio difícil… Que estrutura erguer quando, a poucos metros de distância dali, existe uma ponte romana monumental?
Mário Veloso optou por uma ponte elegante, com um tabuleiro metálico, uma aparência leve e moderna.
A ponte flaviense tem uma torre metálica que, talvez não por acaso, aponte para o céu. E, apesar dos mais de dois mil anos que a separam da vizinha ponte romana, as duas parecem manter um harmonioso diálogo.

Mas deixemos as pontes físicas de lado. As perguntas que colocámos ao engenheiro civil foram sobre outra ponte. A ponte para a Astronomia que Mário Veloso construiu em Chaves, em paralelo com a ponte pedonal.
Em várias partes da cidade, os transeuntes deparam-se com placas metálicas, no chão, que têm o símbolo (e representam) os vários planetas do Sistema Solar.
Trata-se de um planetário único no mundo. O que o torna tão especial? Não é apenas o estar a céu aberto, é sobretudo o respeito pelas proporções a todos os níveis, como podes ler mais à frente nesta entrevista. Vamos a ela, nesta Semana Mundial do Espaço, que se celebra de 4 a 10 de outubro.

JORNALÍSSIMO – Como surgiu a ideia de fazer esta representação do Sistema Solar na cidade de Chaves?

MÁRIO VELOSO – Houve um momento, ainda jovem, em que pressenti que o Universo era imenso, como que infinito. Foi uma perceção perturbadora. Trouxe-me enorme curiosidade e vontade de aprender mais sobre o assunto, o que nessa altura era difícil porque a divulgação da ciência, que hoje é quase banal, pouco existia.
Nessa imensidão, percebi mais tarde que, por exemplo, o Sistema Solar, apesar de imenso em si mesmo, é minúsculo. E, nele, ainda mais minúscula é a Terra, assim como o Sol, ainda que este seja gigantescamente maior que a Terra. Mas mesmo a Terra, à nossa escala, a do Homem, é enorme.

J – Foram estas constatações que o motivaram a construir uma representação do Sistema Solar como a que se pode percorrer em Chaves?

MV – Interrogava-me como é que se poderia sentir as dimensões relativas destes incríveis corpos celestes inseridos na imensurável dimensão do Espaço.
A forma que me ocorreu, simples e despretensiosa, consistia em fazer uma espécie de maquete gigante representando o Sistema Solar, o cantinho do Espaço que melhor conhecemos. Mas, dadas as dimensões em jogo, teria de ser feita num espaço público, com a vantagem de poder ser “explorada” por quem quisesse partilhar a perplexidade dessa imensidão.
Era uma vontade que tinha havia já algum tempo e aguardava que surgisse uma boa oportunidade, em que a ideia encaixasse no contexto e história dum sítio, e, é claro, que também fosse aceite por quem tivesse a responsabilidade da gestão do tal sítio.

J – E essa oportunidade surgiu por volta de 2007?

MV – Aconteceu quando estava a projetar a ponte pedonal que ligaria os jardins do Tabolado e Público, e propus à Câmara Municipal de Chaves, em particular ao seu presidente à época (Alexandre Chaves), fazer-se esta espécie de planetário. Teria como mote a ponte, mas, dadas as dimensões em causa, ficaria também estendido ao longo da cidade. A proposta foi bem acolhida e a sua concretização foi assim integrada nas obras da ponte.

J – Há outros planetários do género no país ou no mundo?

MV – Há efetivamente outras representações do nosso Sistema Solar, algumas no nosso país, mas, que conheça, em nenhuma delas é respeitada simultaneamente a escala das distâncias ao Sol e a das dimensões dos planetas. E essa diferença torna-a muito especial.
Podemos representar o Sol e os planetas com dimensões relativas corretas, mas depois temos de afastá-los o suficiente para que sejam também respeitadas, à mesma escala, as distâncias entre eles.
Só assim temos a verdadeira noção das proporções, a real percepção de que as suas dimensões são mínimas e as distâncias entre eles são enormes. A percepção de que o Espaço é um imenso vazio, pontuado de onde em onde por minúsculos núcleos de matéria.
É muito diferente do que nos podem levar a crer outras representações, feitas para mostrar outros aspetos do Sistema Solar, mas falhando no aspeto percepcional das proporções.

J – Nota-se que é um apaixonado por Astronomia…

MV – Sim. A questão (ou questões) de fundo é sempre a mesma. Quem somos? De onde viemos? Há um propósito em estarmos aqui? O que será o futuro? Etc… Estas questões têm movido a Humanidade desde que existe, construíram as bases das religiões, da filosofia, e são terreno fértil para todas as disciplinas que nos levam a progressivos avanços no conhecimento científico. Avanços que acontecem de forma incrivelmente acelerada nos nossos dias.
A Astronomia é uma dessas disciplinas, talvez a que mais nos tem impulsionado nessa procura de respostas.
Mas a Astronomia, andando já no passado de mão dada com a Matemática, é hoje cada vez menos uma disciplina independente. Tudo no Universo se relaciona numa dualidade Matéria–Energia, e as físicas do macro e microcosmos. E as “matemáticas”, que são um dos principais instrumentos para o seu estudo, constituem um corpo científico cada vez mais integrado e vasto.
Como tal, digamos que uma compreensão ampla do que é o Universo fica restringida às equipas que se dedicam à sua investigação e estudo.
O conhecimento que partilham connosco, não cientistas, as suas descobertas e novas visões sobre o Universo, dão-nos a possibilidade de complementar o que efetivamente vemos, a olho nu (um céu com sua a imensa e incrível tapeçaria de estrelas numa noite escura…), com as explicações que nos trazem, o que vem ainda exponenciar o sentimento esmagador que já tínhamos de como tudo é extraordinário, maravilhoso.

J – O Planetário que fez na cidade de Chaves é uma amostra de toda essa imensidão do Universo, ao representar o Sistema Solar…

MV – Mas os limites do Sistema Solar vão muito para além dos nossos conhecidos planetas. E se continuássemos a sua representação, e a das estrelas que nos estão mais próximas, onde se localizariam?
O nosso “planetário” teria o cinturão de ‘Kuiper’ (com mais de 100 mil pequenos corpos celestes) e a nuvem de ‘Oort’ (nuvem esférica de pequenos objetos, que pode ser a fonte dos cometas de longo período) estender-se-iam muito para além de Chaves, e de Portugal, iriam até Moscovo. E a Heliosfera (região periférica do Sol, preenchida pelo vento solar) teria um raio algures até ao Dubai.
Quanto a estrelas, as mais próximas de nós, e seus planetas, o sistema triplo ‘Alpha Centauri’, ficariam representadas em Sydney, na Austrália. A estrela ‘Sirius’, a mais brilhante no céu, ficaria a uma distância mais ou menos equivalente a dar uma volta completa à Terra e teria um diâmetro de 1600mm.

J – E, para terminar, pode explicar-nos o que está representado exatamente na gravação do banco de pedra ao lado da Ponte Pedonal e do Sol?

MV –Há várias coisas representadas no banco, que já foi “batizado” banco das matemáticas. O banco em si, tem uma função, pois serve, para alguém que queira, sentar-se nele. E, se ficar curioso, ao mesmo tempo refletir no que nele está representado.
É sobretudo um elemento de composição arquitetónica que complementa a obra da ponte, e, digamos, uma escultura cuja conceção dá pistas sobre vários aspetos que estiveram presentes no projeto.

J – E que aspetos são esses?

MV – Um desses aspetos tem a ver com a métrica/proporções usada na composição de elementos da ponte (não metálicos). O banco tem 7 blocos com as dimensões de 0.6m de lado, sensivelmente 2 pés (2×0.30m), e em geral as dimensões usadas na ponte são múltiplas de 0.30m. As rampas têm 2.1m de largura e forradas a pedras de 0.30m, as escadas 1.8m com degraus de 0.30m, etc. O grande triângulo que constitui a praça Sul tem 18,0m de base por 27,0m de altura e é forrado com pedras quadradas de 0.60m de lado. Se se reparar, um triângulo destas proporções está representado sobre o quarto e metade do quinto bloco.
Por outro lado, as gravações no banco representam um confronto entre a matemática e a geometria, ou seja, a resolução de operações aritméticas simples por via de construções geométricas também simples. Pretende ser um incentivo para a compreensão dos conceitos abstratos que estão por de trás das ferramentas matemáticas que foram sendo criadas ao longo dos tempos, e que não podemos esquecer que surgiram porque tiveram como objetivo resolver problemas concretos.
Por exemplo, tomando como unidade o lado do quadrado que é a face superior dos blocos, nos 3 primeiros está representada a determinação geométrica das raízes quadradas dos números naturais de 2 a 10. Nos quarto e quinto é representada a determinação das fracções de 1 sobre os números 2 a 7, ou seja,1/2, 1/3….1/7. Nos últimos dois blocos é feita a representação do que seria uma “espiral logarítmica” se os segmentos rectos fossem troços curvos. Esta representação é muito particular, pois o comprimento dos troços rectos cresce numa proporção geométrica, e os que estão representados em forma contínua somam o número π, em metros.
Também nos quarto e quinto blocos está representada a determinação do chamado “número de ouro”, aproximadamente igual a 1.618, que tanto entusiasmou muitos criadores em várias artes ao longo dos tempos. É apenas uma curiosidade, pois trata-se de um número que não tem interesse matemático.

 

J -Há alguma razão para que os vários planetas não estejam identificados no local?

MV –Na realidade os planetas estão identificados. Por razões de composição gráfica/estética, de simplicidade, optou-se por usar apenas os símbolos astronómicos dos planetas representados. O que, acredito, também suscitará, aos que fiquem intrigados, a curiosidade que os levará à procura, por exemplo na Internet, dos significados desses símbolos. E nessa procura irão, de certeza, descobrir muitas mais coisas que acharão muito interessantes.
Devo chamar à atenção de que o que representa cada planeta é o pequeno círculo, de alguns milímetros de diâmetro, que fica no centro dos símbolos, ou da placa em que estão inscritos, e não a circunferência do próprio símbolo.

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