Podemos mesmo ser congelados e acordar no futuro?
O que é a criogenia? Que garantias oferece? Quantas pessoas estão a aguardar por uma segunda vida?
Uma jovem britânica de 14 anos que sofria de um cancro raro e sabia que ia morrer, pediu à Justiça inglesa autorização para que o seu corpo fosse criopreservado.
Na carta que escreveu ao Juiz, a jovem disse acreditar que a criogenia lhe daria a possibilidade de ser tratada e acordada, mesmo que daqui a centenas de anos.
O pedido foi atendido pelo Juiz e o corpo desta adolescente londrina foi enviado para os Estados Unidos, onde estão duas das três empresas de criogenia existentes no mundo, a Alcor e a Cryonics. Há também uma na Rússia.
O que é a criogenia?
Já ouviste certamente falar em criopreservação de embriões humanos e de células estaminais do cordão umbilical, conservando-os a baixas temperaturas para poderem ser utilizados mais tarde (no caso das células estaminais, para tratamento de doenças, por exemplo).
Ora, a criogenia é um processo idêntico, mas aplicado a todo o corpo humano. De uma forma simples, consiste em, logo a seguir à morte de uma pessoa, colocar o seu corpo, primeiro a uma temperatura próxima dos 0° C e, depois, já no local onde o corpo vai ficar no “congelador” à espera de uma ressuscitação futura, a – 196° C, mergulhado em nitrogénio líquido em grandes cilindros que são partilhados por alguns corpos.
Pelo meio, o sangue do cadáver vai ser bombeado para fora do corpo e vão ser injetadas substâncias químicas, com o intuito de proteger as células enquanto o corpo permanecer congelado.
Há garantias de sucesso?
Nenhuma das empresas que realiza este serviço pode dar essas garantias. Até ao momento, nenhum humano criopreservado foi “acordado”, nem sequer nenhum mamífero.
Tanto a Alcor como a Cryonics transmitem a crença de que o desenvolvimento médico e tecnológico (nomeadamente a nanotecnologia e a biologia molecular) irão permitir, um dia, trazer os corpos criopreservados de volta à vida, curando-os não apenas das doenças que eventualmente levaram à morte, como dos danos provocados pelo próprio processo de criogenia a que foram submetidos.
À luz dos conhecimentos científicos atuais, esta possibilidade não passa de ficção. Quem percebe do assunto levanta uma série de problemas a este processo.
Uma delas é que o congelamento do líquido no interior das células cria cristais de gelo que podem danificar seriamente as membranas celulares. Para contornar este problema, na criogenia, aplica-se um processo conhecido por vitrificação, usando substâncias químicas capazes de impedir que tal aconteça. A vitrificação é bem-sucedida quando estão em causa insetos ou pequenos tecidos.
O problema é que o corpo é composto por vários tipos de células e cada uma delas necessitaria de uma “receita” diferente para ser congelada e descongelada sem sofrer alterações.
Mesmo assim…
Mesmo assim, apesar de não haver garantias, já muitas pessoas compraram “bilhete” para esta viagem gelada rumo ao futuro. Neste momento, só nos Estados Unidos, a partir dos dados disponibilizados pelas próprias empresas, há pelo menos 293 pessoas congeladas – 145 na Cryonics e 148 na Alcor. Esta última, oferece mesmo estatísticas do género dos “pacientes” (como chama às pessoas que estão congeladas nos seus cilindros): 104 são homens e 39 mulheres. Já a Cryonics revela, também, o número de animais de estimação que tem criopreservados: 125.
Os números não se ficam por aqui. Esta hipótese de vir a conhecer o mundo daqui a uns anos é algo elitista. Há preços diferentes de criopreservação (uma das empresas permite que se opte por conservar o corpo inteiro ou apenas o cérebro, talvez para ser depois incorporado num robô), mas o preço mais em conta não fica por menos de 28 mil dólares (cerca de €26.500).
Há, também, quem opte por ir pagando o serviço em vida, com quotas mensais ou anuais, na qualidade de membros (sendo que há descontos se mais do que um familiar aderir). Tanto a Alcor como a Cryonics têm mais de 1000 membros, de vários países do mundo, incluindo Portugal (quatro).
Mortos? Não, legalmente mortos
James Bedford, um norte-americano, foi o primeiro ser humano a ser congelado, em 1967, quando morreu com 73 anos. Para as empresas, no entanto, ele não está morto. É, antes, como todos os companheiros de frio, um “paciente”.
Para a Alcor e a Cryonics alguém que está criopreservado e pode ser ressuscitado não está morto. É traçada uma distinção entre “morte” e “morte legal”. É só depois desta última, que os procedimentos de criopreservação podem ser iniciados, quando o coração deixa de bater e a respiração para.
Aliás, os procedimentos têm de ser iniciados poucos minutos após este momento. A circulação sanguínea e a respiração são restauradas artificialmente, de modo a manter as células do corpo e cérebro vivas durante as primeiras etapas do processo de criopreservação.
Dá-nos a tua opinião sobre a criogenia! Escreve-nos para info@jornalissimo.com até ao próximo dia 30 de novembro. Gostavas de ser criopreservado? Imaginas-te a acordar daqui a muitos séculos, num mundo em que não conheces ninguém? Achas que a ciência vai ser capaz de dar uma segunda vida a estes corpos? Este processo levanta-te questões éticas?