Porque estão os bielorrussos nas ruas?
A resposta envolve um presidente com tiques ditatoriais, um youtuber e a Covid-19.
Não se pode falar do que está a acontecer hoje na Bielorrússia sem falar no nome de Alexander Lukashenko. É este o homem que está à frente dos destinos do país do leste europeu desde 1994 (a Bielorrússia tornou-se independente em 1991, com o fim da União Soviética). Na Europa não há outro Presidente há tantos anos no poder.
A Bielorrúsia é uma República Presidencialista, o que significa que o Chefe de Estado é também o Chefe do Governo. E esse chefe é, há 26 anos, Lukashenko. Por quanto tempo mais será Presidente é a questão que ainda não tem resposta. Mas os bielorrussos têm mostrado claramente um desejo de mudança.
O que está na origem das manifestações que, ultimamente, são todos os dias notícia naquele país é o resultado das eleições presidenciais, que ocorreram no domingo dia 9 de agosto.
Alexander Lukashenko foi declarado mais uma vez o vencedor, com 80,1% dos votos. Os bielorrussos, no entanto, não acreditam que este tenha sido o verdadeiro resultado do sufrágio. Denunciam a forma como as eleições foram levadas a cabo, falando de um processo pouco transparente. E não estão sós. Também a União Europeia e os Estados Unidos da América já vieram condenar a forma como as eleições decorreram, acusando-as de não terem sido nem livres (as pessoas sofreram pressões que as impediram de votar de acordo com as suas ideias), nem justas (os candidatos não tiveram a mesma oportunidade de apelar ao voto).
Esta não é uma situação propriamente inédita na Bielorrússia. As mesmas acusações foram já feitas em eleições anteriores. Um antigo presidente dos Estados Unidos da América, George Bush, referiu-se já em 2005 a Lukashenko como sendo “o último ditador da Europa”. Não foi por acaso. Ao longo dos anos, muitas das suas políticas assemelham-se às de um regime ditatorial: os órgãos de comunicação estatais confundem-se com órgãos de propaganda do Presidente, silenciando as vozes que estão em desacordo com as suas políticas; muitos dos seus opositores são presos; há pressões sobre os funcionários públicos para que votem em si.
O que se verificou este ano antes das eleições diz muito sobre a forma autoritária como o país tem vindo a ser conduzido. Um youtuber bielorrusso (vlogger, na verdade) ganhou grande popularidade ao viajar por todo o país para onversar com as pessoas sobre como viam a Bielorrússia, revelando um descontentamento geral com o governo, visto como corrupto. Sergei Tikhanovski, eis o seu nome, era um dos candidatos a estas eleições. Mas as autoridades prenderam-no. Outro candidato teve o mesmo fim. E um terceiro viu a sua candidatura ser impedidas por supostas irregularidades.
Face à detenção do marido, a mulher do youtuber Sergei Tikhanovski, Svetlana Tikhanovskaya, decidiu candidatar-se contra Lukashenko e teve o apoio dos restantes candidatos da oposição. Os seus comícios encheram-se de gente. Os bielorrussos mostravam-se, mais do que alguma vez na história, descontentes com o ser Presidente. A este facto não terá sido alheia a postura que Lukashenko adotou face à Covid-19 – não tomou quaisquer medidas, tendo permitido até que os jogos de futebol continuassem a ter público. O resultado foram vários milhares de infetados e várias centenas de mortes devido ao n ovo coronavírus.
Perante a sua ascensão de Svetlana Tikhanovskaya, Lukashenko continuava a mostrar a sua postura retrógrada, afirmando que uma mulher não poderia governar a Bielorrússia.
Svetlana Tikhanovskaya prometia sobretudo uma coisa: além da libertação dos presos políticos (detidos apenas por se oporem ao governo no poder), a convocação de novas eleições, livres e justas, ao fim de seis meses de tomar posse.
Os resultados das eleições deram uns improváveis 10% a Svetlana, que se recusou a aceitar tal posição. Receando também ela ser detida, a candidata abandonou o país, encontrando-se na vizinha Lituânia.
Milhares de bielorrussos decidiram sair à rua em todo o país, manifestando o seu descontentamento com os resultados. A resposta da polícia foi brutal: canhões de água, gás lacrimogéneo e balas de borracha. Pelo menos duas pessoas morreram, várias ficaram feridas e milhares foram detidas. Os protestos não se ficaram por aqui: vários trabalhadores iniciaram uma greve, num país onde as condições de vida da população se têm já vindo a degradar.
Sabendo o poder das redes sociais, entretanto o Governo bielorrusso já atuou também na frente digital: a Internet tem sido muitas vezes bloqueada de modo a dificultar a comunicação dos manifestantes.
Lukashenko já veio dizer que “nem morto” abandona o seu lugar de Presidente. Será?!