A Censura – um pilar do Estado ditatorial salazarista

«Portugal era e é um país doente. É indispensável, para seu repouso, poupá-lo; não se deve gritar inutilmente no quarto de um doente».

Por Luís Farinha (*) – Diretor do Museu do Aljube Resistência e Liberdade

A declaração de Salazar que abre este artigo foi retirada de uma entrevista a Max Fisher, reproduzida em ‘O Século’ a 23 de março de 1937.

A par das polícias políticas e dos tribunais de exceção, a censura – que começou por ser dirigida à imprensa e depois se estendeu a todos os meios de opinião pública -, constituiu um dos três pilares fundamentais de repressão da expressão livre e do debate que ocorre, por norma, nas sociedades liberais e democráticas.

Ao contrário do que pode depreender-se da afirmação de Oliveira Salazar na entrevista a Max Fisher (vide epígrafe), a Censura não foi nunca o remédio que o Ditador se propunha administrar, de forma paternalista, ao «país doente». Ao invés, a Censura foi sempre uma odiosa prática de controlo do pensamento livre e de todas as formas de expressão política e artística – em suma, de todas as formas de afirmação cultural da sociedade portuguesa. De resto, o Ditador tinha disso plena consciência quando, em entrevista a António Ferro, em 1933, afirmava: “[…]o jornal é o alimento espiritual do povo e deve ser fiscalizado como todos os alimentos. Compreendo que essa fiscalização irrite os jornalistas, porque não é feita por eles, porque se entrega esse policiamento à censura que também pode ser apaixonada, por ser humana, e que significará, sempre, para quem escreve, opressão e despotismo.” (António Ferro, Salazar – O homem e a obra, Lisboa, ENP, 1933, p. 48).

          

Primeiro número do Diário de Lisboa com menção à Censura, 24.6.1926. Arquivo da Fundação Mário Soares

Nos últimos anos da I República, a censura aplicou-se à imprensa de forma excecional, embora se tenha banalizado a sua aplicação no período de decadência que ocorreu no regime liberal a seguir à I Guerra Mundial. Com a Ditadura Militar, a Censura instalou-se como prática corrente, numa primeira fase com base na aplicação de legislação avulsa, e depois de 1933 de forma constitucionalizada.

A sua institucionalização ocorreu de forma governamental, como se deduz desta instrução enviada aos jornais em 21 de junho de 1926, de acordo com uma decisão do Conselho de Ministros: “Sr. Director do jornal…Por ordem superior, levo ao conhecimento de V. Exa. que, a partir de hoje, é estabelecida a censura à imprensa, não sendo permitida a saída de qualquer jornal sem que quatro exemplares do mesmo sejam presentes no Comando da Guarda Nacional Republicana, para aquele fim. Saúde e Fraternidade. Lisboa, 22 de Junho de 1926».

No dia 24 de junho de 1926, os jornais passaram a incluir, a toda a extensão da primeira página a célebre indicação ‘Este jornal foi visado pela comissão de censura’, que só viria a desaparecer no dia 25 de abril de 1974, após a Revolução dos Cravos.

           

O Reviralho, jornal clandestino da oposição republicana, c.  1927. Arquivo da Fundação Mário Soares.

No início, instalou-se no Quartel do Carmo, em Lisboa – sob orientação do Ministério da Guerra -, de onde emanavam as circulares que orientavam a atividade dos censores por todo o país, na sua grande maioria militares. Em 22 de setembro de 1928, já em plena Ditadura Nacional, o coronel Prata Dias comandava a então criada Direção Geral dos Serviços de Censura à Imprensa.

Em junho de 1933, era criada a Direção dos Serviços de Censura, um organismo centralizado e dependente do Ministério do Interior, que superentendia sobre 3 zonas e 29 delegações espalhadas por todo o país.

A 14 de Maio de 1936 a Direção Geral dos Serviços de Censura controlava a saída de novos periódicos e a circulação de livros, com a finalidade de «impedir a perversão da opinião pública» e anular os fatores de «desorientação» dos portugueses.

          

Jornal República, 25.4.2974, com a menção «Este jornal não foi visado pela Comissão de Censura», Coleção do autor

Por estes anos, foram criados novos organismos especializados, dirigidos a outros órgãos de comunicação, como a rádio, bem como novas direções especializadas de censura. Mas, fora algumas reformas orgânicas, a Censura iria manter-se desta forma até 1974.

Hoje somos incapazes de avaliar, na devida proporção, os efeitos perniciosos deste mecanismo repressivo da Ditadura: conhecemos muitos cortes do «lápis-azul», sabemos de dezenas de prisões de jornalistas e falências de órgãos de comunicação que não conseguiram sobreviver às multas e aos encerramentos forçados, mas nunca conseguiremos avaliar a dimensão dos efeitos perniciosos da autocensura, provocada pelo medo, e muito menos aquilo que ficou por dizer, por informar e por debater. 

FOTO DE ABERTURA: Letra de Fado censurada. Reportório de Mário Silva. Arquivo do Museu do Fado

(*) Este artigo foi escrito no âmbito da parceria entre o Laboratório de História do Instituto de História Contemporânea (IHC), da Faculdade de Ciências Sociais e Humanas, da Universidade Nova de Lisboa – e o Jornalíssimo, com coordenação de Ana Paula Pires, Luísa Metelo Seixas e Ricardo Castro.

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