[VÍDEO] Eles gostam de ser jovens aqui e agora
Imaginaram perguntas a fazer a jovens e responderam eles próprios. Falaram, claro, de tecnologia e influencers.
Da esquerda para a direita na imagem: Sofia, Rita, Carolina, Mariana, Edgar e João.
Vídeo, áudio e fotografia: Anita Pimenta e Maria Daniela
Ao todo são oito a dar opinião: quatro raparigas, quatro rapazes. Sete são de Matosinhos, têm 15 anos e são colegas de turma no 10º ano, um é de Chaves, anda no 9º ano e tem 14 anos. Seis aparecem nas fotografias e no vídeo (embora uma tenha tido que sair a meio da gravação), um não aparece porque os pais não autorizam (mas ouve-se a sua voz), o estudante flaviense não esteve na conversa de grupo (mora longe), mas deu o seu testemunho por escrito (podes lê-lo no final da transcrição desta conversa).
A entrevista de grupo aconteceu na tarde de quarta-feira, 18 de janeiro, poucos dias antes de os estudantes da escola de Matosinhos onde estivemos terem uns dias de férias (o ano letivo deles organiza-se por semestres e o primeiro está a acabar). Talvez por isso, houve boa disposição (fazendo jus ao dia internacional do riso que se assinalava naquele dia) e posturas descontraídas.
Nem o facto de haver câmaras de filmar e máquinas fotográficas pela sala – estavam duas jovens de 24 e 25 anos, Anita Pimenta e Maria Daniela, mestrandas de Ciências da Comunicação, a filmarem a entrrevista para o projeto bYou da Universidade do Minho, que quer ouvir a voz dos jovens e construir um mural que os represente ( o Jornalíssimo também está associado a este projeto) – perturbou o ambiente.
A bem da verdade, diga-se que, no início da gravação, os e as entrevistadoras que foram simultaneamente os entrevistados, estavam um pouco tensos. Mas portaram-se mais ou menos como um carro que custa a arrancar, mas depois ganha velocidade: falaram, falaram, falaram… Durante mais de uma hora certamente.
Dará para perceber, mas o que passam de mão em mão parece uma caneta, mas é na realidade um microfone. Pelo menos, a função foi essa e resultou: cada um só falou quando o tinha na mão. A caneta – perdão, o microfone – só não projetava o som, mas também não era preciso. Havia um microfone daqueles compridos dos filmes, que não se vê no vídeo, mas que capturou super bem tudo o que se disse.
O vídeo acima mostra os sete colegas sobretudo já na parte em que se esqueceram da presença das câmaras, a debater sobre influencers: “Os influencers influenciam positivamente ou negativamente?”, era a pergunta. Havemos de publicar aqui no Jornalíssimo o registo audiovisual de outras partes da conversa. Para já, ficam aqueles minutos como aperitivo.
João [acabou por ser ele a assumir o papel de jornalista a maior parte do tempo, embora algumas das perguntas que faz tenham sido da autoria dos colegas] – O tema desta entrevista é sobre como é ser jovem hoje. Vocês gostam de ser jovens hoje?
Sofia [é brasileira, gesticula muito e, claro, fala português do Brasil] – Eu gosto, acho que tenho uma liberdade aceitável e com as redes sociais eu consigo me comunicar muito melhor com os meus amigos e consigo ter umas conversas em tempo real, coisa que eu não conseguiria antes.
Mariana – Eu gosto de ser jovem. É uma coisa boa. Temos que aproveitar esta fase porque depois as coisas vão ser diferentes. Nesta altura nós podemos fazer algumas coisas… [É bom] ter objetivos para depois alcançá-los e também [ter) alguns sonhos para depois conseguirmos realizá-los. Mais tarde, vamos ter outras tarefas que não temos hoje em dia e vamos se calhar andar mais ocupados. Então (é importante] aproveitar bem o tempo, aproveitar a escola o melhor possível, aprender coisas novas, que é essencial para nós também ficarmos mais informados e sermos melhores pessoas.
Edgar – Eu gosto de ser jovem nos dias de hoje, nós temos uma boa liberdade, conseguimos andar na rua sem ter problemas, é fácil comunicarmos. Só que depois também há aquele problema: com a melhoria das comunicações e das redes sociais, nós começamos a sair menos, começamos a ficar mais em casa. Por isso, se calhar no tempo dos nossos pais havia coisas mais divertidas… Só que agora é muito mais fácil, mais prático! Eles saíam muito mais do que nós. Nós agora a maior parte dos fins-de-semana ficamos por casa, a ver uma série, a jogar com os amigos. Na altura dos nossos pais eles não faziam isso. Se fosse para ver um filme iam ao cinema todos juntos, saíam de casa…
Anita [a estudante da Universidade de Minho que está a filmar a conversa, de vez em quando coloca-lhes uma questão] – E vocês gostam de ser jovens em Portugal?
João – Eu gosto de ser jovem em Portugal. Se fosse jovem por exemplo em África seria muito mau, podia não ter comida.
Edgar – Eu gosto de ser jovem em Portugal. Nós vivemos num país com bastante liberdade, é um país bastante seguro e temos tudo o que precisamos para crescer.
Mariana – Eu também gosto de ser jovem em Portugal. Acho que temos liberdade suficiente, temos segurança e isso é importante. Acho que temos tudo o que é essencial para a nossa vida, que se calhar noutros países não teríamos. Noutros países se calhar as mulheres não têm tanta liberdade… Vivo num país que me dá essas condições de vida, que eu acho que são essenciais.
Carolina – Eu gosto de ser jovem em Portugal e sobretudo na Europa. Tenho curiosidade em saber como é ser jovem por exemplo em países da Europa central, porque é diferente, há uma abertura sobre certos assuntos que não há cá em Portugal. O facto de estarmos neste país, uma das coisas boas é a segurança, termos uma grande liberdade, podemos fazer várias coisas. Mas eu acho também que em países da Europa central poderíamos ver outras coisas que aqui não são tão bem exploradas. Isto engloba todo o tipo de situações… Por exemplo, nós aqui não temos tantas atividades direcionadas a nós, de lazer… Também a questão da tecnologia. [Nós] somos muito agarrados, noutros países já (…) tentam ao máximo encontrar outras atividades [pelas quais] os adolescentes também se interessem e que não têm que ser propriamente [relacionadas] com a tecnologia, com estar em redes sociais, online, e privarmo-nos da vida lá fora… porque não é bom para nós.
Sofia – Eu vim do Brasil há um ano e eu posso dizer que eu gosto de ser jovem aqui em Portugal. Tenho uma segurança maior do que eu tive lá. Não é um dos [meus) lugares favoritos, não sei se vou ficar aqui para sempre… Não sintam minha falta [risos]. Mas eu me sinto muito mais segura aqui e sinto que tenho uma liberdade muito maior e que eu posso ser quem eu sou e fazer o que eu quiser. E isso é muito bom, eu acho, porque dá liberdade de a gente ser… a gente. É um bom lugar para viver sim!
Sofia – Vocês conseguiriam viver sem tecnologia?
Inês – Eu acho que não. Eu acho que já estou viciada na tecnologia… Já não consigo passar um dia, por exemplo, sem ficar no telemóvel, para mim [isso] é um bocado difícil. No telemóvel, na televisão, qualquer coisa!
Carolina – Eu acho que também não, mas também acho que isto é uma questão de hábito. A partir do momento em que me começasse a habituar a não ter aquilo presente… Claro que enquanto nós não nos habituarmos é complicado, porque nós nascemos numa altura em que, à medida que fomos crescendo, a tecnologia já foi muito presente. Mas com o tempo talvez conseguíssemos viver sem ela.
Mariana – Não sei… Eu acho que não conseguia, porque nós nascemos numa sociedade (…) em que já estava um bocado incutida essa tecnologia. E acho que é um bocado complicado nós desligarmo-nos da tecnologia porque faz parte da nossa rotina… Quando nós não sabemos alguma coisa, o que é que nós fazemos? Vamos logo à net. Depois, se queremos saber algumas notícias, ligamos a televisão. Faz parte do nosso dia-a-dia, por isso se calhar não conseguíamos viver sem ela neste momento. Mas se eu não vivesse agora ou tivesse vivido há uns anos atrás, se calhar conseguia viver sem tecnologia. Mas agora acho que não. Acaba por ser um bocadinho difícil se nos tirarem isso.
Edgar – Neste momento, é literalmente impossível viver sem tecnologia. Se não houvesse tecnologia, neste momento, o mundo estaria parado. Não haveria comunicações, não haveria nada… Nem a sociedade estaria pronta para viver sem tecnologia neste momento! Por isso, eu não conseguiria viver sem tecnologia.
João – Eu acho que tudo é uma questão de hábito, como já alguém tinha dito. A tecnologia facilita muito as nossas vidas, mas eu acho que conseguíamos viver sem tecnologia. É mesmo tudo uma questão de hábito.
A. [está ao lado dos colegas, mas fora do alcance das câmaras] – Eu acho que não conseguiria viver sem tecnologia porque, por exemplo, aos sábados eu vou jogar futebol e depois não saio mais de casa. Ia ficar a olhar para o teto, sem fazer nada. Tenho que estar a fazer alguma coisa! Tipo a jogar, a falar com os amigos…
João – Próxima pergunta: acham que esta sociedade está preparada para os jovens?
Sofia – Eu acredito que em parte sim e em parte não. Tem acontecido uma grande mudança em pouco tempo, então existem dois tipos de pessoas: os adultos mais senhores, senhores donos, que são aqueles que vivem no tradicional e nas crenças e que “não, os jovens não devem ser ouvidos” [fala como se fossem esses adultos que imagina a falar]. Eu acredito que nós estamos numa revolução [e faz com as mãos um gesto a explicar que ‘revolução’ é entre aspas] em parte porque os jovens estão a começar a ser ouvidos através do nosso – dos jovens – esforço. Então grande parte das pessoas não acha que isso se enquadra. Mas tem começado a mudar aos poucos e eu acredito que grande parte não, mas que existe uma parte, que tem crescido cada vez mais, que está preparada para isso [para ouvir os jovens]. [risos]
João – Acham que os influencers influenciam os jovens positivamente ou negativamente?
Edgar – Na minha opinião, os influencers são muito específicos. Há influencers que (influenciam) positivamente e outros negativamente. Os jovens às vezes deixam-se influenciar negativamente pelos influencers porque nós somos o que vemos (…). Por exemplo… Nós estamos mal a nível de saúde mental e se nós estivermos a ver um influencer que, por exemplo, está bem, nós nem vamos se calhar reparar no ponto mau (em) que nós estamos.
Rita – Eu acho que os influencers podem influenciar positivamente porque há alguns que podem-nos motivar. Influencers em que o conteúdo deles é a escola, por exemplo, podem-nos motivar a estudar. Eu digo isto porque eu via algumas coisas que… Percebem o que eu quero dizer?!
Sofia – Eu concordo, eu te apoio…
Rita – Mas também podem influenciar negativamente como ele (o Edgar) disse, claramente. Não com estes conteúdos, não é?
Sofia – Eu acredito que é muito o que o Eddie [Edgar] disse. Depende do influencer que nós estamos falando e depende da situação em que nós estamos. Eu, por exemplo… Isto é um defeito meu… Imagina, tem uma influencer que é assim linda, incrível, ela é muito boa, faz e isso… Eu olho para aquilo (…), não é culpa dela, mas eu acabo me influenciando negativamente, porque eu acabo me comparando e dizendo “ok, eu sou assim, ela é assim, e por isso que…”Pronto, eu acabo me frustrando… Isso é um defeito meu, não sei se se enquadra nas outras pessoas… Mas eu acho que as pessoas da nossa geração têm muito isso, têm esse problema de querer se enquadrar e é muito negativo. Claro que também existem os aspetos positivos, que são quando a gente está mal e a gente tem um influencer que te ajuda a levantar. Fala: “treina assim, pá, vai ficar não sei quê, vai ficar bom”. E tipo, sei lá, é positivo, mas eu acho que grande parte é negativo pela situação em que nós acabamos por nos encontrar, devido a tantas atrocidades que tiveram [lugar), por exemplo a pandemia… Acaba por nos fazer mais mal do que bem, na minha visão.
A.– Depende muito do influencer e das pessoas. Por exemplo, até pode ser um influencer muito bom, só que se a pessoa for muito manipulável vai acabar por ser mau porque não vai ter a ideia própria (…). E depois o influencer pode ser um influencer que ajude uma pessoa ou pode ser um que só está lá a dizer… para deixar a pessoa para baixo e essas coisas.
Anita – Relativamente aos influencers, o que é que faz vocês acharem que eles vos influenciam, sendo que a maior parte deles são pessoas normais como nós. Isso comparativamente aos (outros) meios-de-comunicação em que, quem produz esse contudo, à partida, tirou um curso, estudou? Por muito que esse tipo de conteúdo por vezes seja questionável… (…)
Sofia – Eu não sei se eu entendi a pergunta… A gente vive num momento em que as pessoas querem ser aceitas. Eu acredito que é totalmente isso. E quando a gente vê uma pessoa que tem a nossa idade, que tem milhões de likes e seguidores… você fica olhando e fala “tá, é assim, mas porquê?”. Eu pelo menos enxergo “qual é a diferença?”… E é isso, exatamente isso. Tem influencers que você acaba gostando porque (têm) ideias que batem com as suas. E tem pessoas que têm a sua idade e são aceitas por se enquadrarem num padrão. É assim que eu vejo.
Edgar – (…) Nós estamos numa sociedade que fala muito da aceitação, todos querem ser aceites na sociedade. Mas primeiro é preciso auto aceitarmo-nos, claro. Mas se nós queremos ser aceites pela sociedade, eu não posso ser uma pessoa que não faz nada da vida. Eu tenho que ir atrás dos meus objetivos.
Sofia – Mas é difícil você ir atrás dos seus objetivos. (…) Às vezes eu não tenho forças para combater contra aquilo que eu penso. A autoaceitação não é um processo tão simples – para umas pessoas pode ser (…).
Edgar – Mas, por exemplo, uma pessoa para se autoaceitar, se a sociedade o aceitar é muito mais fácil.
Anita – Mas o que é que te faz importares-te com o que a sociedade acha de ti?
Edgar – Uma pessoa não tem uma mentalidade totalmente blindada. Neste caso, é óbvio que críticas e isso tudo vão chegar a afetar. Então, se eu não for aceite pela sociedade, vou estar a ser criticado. E mesmo que eu possa ter uma das melhores mentalidades, vai sempre afetar alguma coisa, o que vai prejudicar o meu processo de autoaceitação, na minha opinião.
Sofia – Exatamente. Mas a sociedade para ela te aceitar, ela impõe padrões. É assim que eu acho. Por exemplo: você tem que ser magra, você tem que ter cabelo liso, você tem que ser assim… Para eu me aceitar, eu tenho que sentir que sou aceite pelas pessoas. Isso digo eu, Sofia. E como que eu vou me aceitar se eu não me encaixo nos padrões? (…) [Imagina que] eu não sou aceite pela sociedade e nem a Internet me aceita, digamos assim. Estou eu por eu mesma. Como eu saio da situação? Você não consegue fazer uma mudança tão grande sozinho… Quando você está mal, você precisa de alguém que te ajude a levantar. Não é assim: “eu vou levantar” (e estala os dedos). Não é muito simples…
Edgar – Depende da pessoa, aí está, depende da mentalidade da pessoa… (…) A maior parte dos influencers são ricos, trabalham pouco para o que recebem. Por exemplo, em teoria um influencers trabalha oito horas, pode haver pessoas que fazem trabalhos muito mais, não digo difíceis, mas exaustivos para o corpo – muita mais carga horária, muito mais cansaço – e nem recebem metade (…).
Sofia – Mas se você reparar, os influencers pagam tanto pela autoaceitação, mas eles não se aceitam a ponto de se tornarem os padrões. Se você reparar, todos eles são os padrões…
Edgar – É isso, eles fazem os padrões da sociedade. O topo é que faz os padrões, na minha opinião.
Sofia – Mas essa mentalidade não vem agora dos influencers, isso vem de antes. Então eles tiveram que trabalhar para se encaixar ali também. É isso que eu estou querendo dizer.
Edgar – Podes conseguir mudar os padrões, tens é que ter capacidade de ter impacto. Tens que conseguir ter impacto. Como é que um jovem consegue ser ouvido nos dias de hoje? Ele tem uma capacidade, consegue ser ouvido na sociedade de hoje em dia. Uma pessoa para chegar ao topo não precisa responder aos padrões todos. Basta só ter impacto na sociedade. Se tiver impacto na sociedade já vai conseguir mudar mentalidades aos poucos, para melhor ou para pior. Mas de qualquer maneira está a ser aceite aos poucos pelas pessoas. É esse o meu ponto de vista.
Como prometido no início deste texto, deixamos agora o testemunho do jovem flaviense de 14 anos, Pedro, que refletiu sobre o período da vida que está a viver. O ponto de vista dele introduz outra questão mais na conversa sobre a juventude. Pedro fala nas coisas boas da idade, mas também nas múltiplas pressões que a sociedade parece exercer sobre a sua geração. Tal como os colegas de Matosinhos, cuja conversa ele não ouviu, na sua reflexão também entra o papel da tecnologia, que ele olha também pesando os dois lados da balança: