Dentes do siso: uma história da evolução humana dentro da nossa boca

A alteração dos nossos hábitos alimentares pode explicar o desaparecimento dos sisos. A dentista Inês Guerra Pereira põe a história destes dentes a descoberto.

Basta olhar para a célebre sequência de imagens que mostra a evolução do Homo sapiens para recordar que estamos num processo de constante evolução. Será que os dentes do siso escolheram o nosso tempo para sair de cena? O ‘nosso tempo’ é uma força de expressão, pois estes processos demoram milhares de anos. Entrevistámos a dentista Inês Guerra Pereira sobre esta ‘espécie feroz’ que são os dentes do siso, cujo desaparecimento não parece deixar ninguém incomodado.

JORNALÍSSIMO: Pelo facto de haver hoje pessoas a quem os terceiros molares não chegam a nascer, pode dizer-se que os sisos são dentes em vias de extinção?

INÊS GUERRA PEREIRA: Os terceiros molares podem estar presentes mas não erupcionados (dentes inclusos) ou podem mesmo não existir (agenesia). Neste último caso, a ausência dos sisos pode representar uma evolução da espécie humana ao longo dos séculos. Devido a uma redução do tamanho dos maxilares, estes dentes foram ficando inclusos, de geração em geração, até deixar mesmo de existir o gérmen dentário. Como resultado, os evolucionistas classificam os terceiros molares como órgãos vestigiais, ou seja, ficaram sem função devido à evolução.

J: Por que é os sisos ficam, tantas vezes, inclusos?

IGP: Existem várias teorias que explicam a inclusão dos terceiros molares. A teoria filogenética tem como ponto de partida a evolução da espécie humana. A par de uma redução do tamanho dos maxilares, ocorre um aumento gradual da massa encefálica, o que contribui para que a manutenção do número e tamanho dos dentes esteja dificultada. Desta forma, como resultado do processo evolutivo das espécies, que se vão adaptando aos diferentes modos de vida, a inclusão dos dentes acontece com mais frequência.

Outra teoria é a nutricional, que se baseia numa regressão do volume dos maxilares ao longo dos séculos, fundamentalmente em virtude da alteração dos hábitos alimentares. Os novos hábitos determinam um menor uso do sistema estomatognático (o conjunto de órgãos e tecidos que nos permitem comer, mastigar e deglutir, por exemplo). Os nossos antepassados, com uma alimentação à base de folhas, raízes, frutas e carnes, exigiam mais poder de mastigação, ao contrário da dieta moderna que, com alimentos mais macios, tornou os dentes do siso desnecessários. A perda desta função mastigatória não estimula o crescimento ósseo e, logo, há perda de espaço por diminuição dos maxilares, o que leva a que estes dentes fiquem inclusos.

J: Há alguma razão para os sisos nascerem mais tarde do que os outros dentes?

IGP: O desenvolvimento dos dentes, desde os dentes decíduos (a que geralmente chamamos dentes de leite) até aos dentes definitivos, ocorre de uma forma organizada ao longo dos anos, com o primeiro molar em erupção por volta dos seis anos e o segundo molar em erupção por volta dos 12 anos de idade.

Os dentes do siso começam a formar-se aproximadamente aos 10 anos de idade, são o último conjunto de molares na cronologia da erupção dentária. Surgem, geralmente, entre os 17 e os 25 anos.

Por esta razão, estes dentes são os que mais frequentemente ficam inclusos.

Uma vez que esta é a idade em que as pessoas se tornam mais ‘sábias’, o conjunto de terceiros molares foi apelidado de ‘dentes do siso.’ (Se fores espreitar ao dicionário, vês que siso significa juízo, bom senso, tino, prudência)

J: E os problemas que quase sempre os sisos causam ao nascer, a que se devem?

IGP: A falta de espaço, associada, ou não, a fatores genéticos, pode modificar a anatomia e posição destes dentes e originar complicações, como cáries ou outros problemas com as raízes dos dentes vizinhos. Além disso, se estes dentes erupcionam parcialmente pode ocorrer acumulação de resíduos alimentares, especificamente no tecido gengival que os rodeia. Isso aliado à dificuldade de higienização (nem sempre é fácil chegar com a escova a estes dentes), pode levar ao crescimento bacteriano e, eventualmente, a inflamações e infeções graves.

Neste vídeo, podes ver de forma animada uma intervenção para extrair um dente do siso.

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