O “viés de confirmação” e a teoria do HIV como um vírus inócuo

Como humanos, tendemos a apegar-nos a opiniões, a valorizar informação que confirme o nosso ponto de vista e a desvalorizar informação contrária.

Opinião | Por Giancarlo Pace – coordenador do projeto Key 1.0. (*)

A teoria de que o HIV é um vírus inócuo, que não merece a nossa atenção, nasceu nos Estados Unidos e tem, entre os seus defensores, um cientista da área considerado pelos próprios colegas uma pessoa extraordinariamente brilhante: Peter Duesberg. Na Internet, existe informação suficiente para perceber que Peter Duesberg mente e manipula, por exemplo neste artigo em inglês da wikipédia

O apego emocional às opiniões é uma tendência humana generalizada e extremamente forte nas pessoas que não se apercebem dele e dos perigos que traz. Por exemplo, quem começa a acreditar nas teorias do Duesberg, porque foi persuadido pelo seu livro “Inventing the AIDS Virus”, procura e interpreta nova informação acerca do assunto de acordo com aquilo que se designa por “viés confirmatório”.

Este viés confirmatório faz com que, por um lado, examinemos principalmente informação que confirme o nosso atual ponto de vista e a aceitemos sem pensar muito; por outro lado, torna-nos extremamente relutantes face à informação que nos obriga a questionarmo-nos.

Mal encontremos um pequeno defeito irrelevante na informação indesejada, um pequena mancha no currículo de uma pessoa que nos está a impingir um facto óbvio mas desconfortável, sentimos uma mistura de alívio e raiva que nos confirma que estamos certos e que qualquer outra opinião é má ou estúpida.

Obviamente, deixamos passar falhas parecidas, ou bem piores, quando se trata de informação tranquilizadora. Enfim, o viés confirmatório evita a pessoas inteligentes chegar à intuição dolorosa de que estão enganadas acerca de assuntos sensíveis.

Não estou a gozar com um grupo de pessoas com quem não concordo. Estou a descrever como funciona a mente humana, inclusive a minha e a de todas as pessoas que conheço o suficiente para poder julgar. Sabermos que funcionamos assim, ajuda-nos a tomar as contramedidas necessárias, que são bastante eficazes.

As teorias do Duesberg saíram dos EUA e espalharam-se pelo mundo, utilizando principalmente a Internet.

Reparem que a Internet é o mesmo canal onde se encontra facilmente a informação suficiente para poder entender prontamente que Duesberg não nos está a contar bem a verdade.

Mas, até o presidente de um país grande e importante como a África do Sul, Thabo Mbeki, o primeiro sucessor de Nelson Mandela, convenceu-se das teorias de Duesberg e governou de acordo com elas, sem encontrar suficiente resistência popular, causando assim a morte desnecessária de mais de 300 mil pessoas. Nenhum elo desta cadeia de acontecimentos seria possível sem o “viés de confirmação”.

(*) O projeto Key 1.0. é financiado pelo programa INTEGRA – Ciência para a Inclusão, da Ciência Viva, e tem como objetivo promover a inclusão social de migrantes e refugiados através da ciência e da aprendizagem pela discussão na escola. Podes saber mais no blogue do projeto, em Keysosoracismo.wordpress.com.

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