Em busca da autossuficiência alimentar: Portugal e as campanhas de produção dos anos trinta

Com a I Guerra Mundial e as crises subsequentes foram vários os países europeus que recorreram a políticas protecionistas.

Por Inês José*

A I Guerra Mundial foi responsável pelo emergir de novas preocupações relacionadas com a alimentação. A desarticulação dos habituais circuitos de distribuição impediu a exportação e a importação de géneros alimentícios básicos, e os vários governos, intervindo diretamente no domínio económico, recorreram a diversos mecanismos de controlo e regulação da produção e distribuição de alimentos, visando atenuar os impactos da escassez alimentar.

À experiência destes anos somaram-se os efeitos das sucessivas crises que se seguiram ao término do conflito (com destaque para a que foi desencadeada pelo crash da bolsa de Wall Street em outubro de 1929) e que contribuíram, em parte, para que vários países europeus enveredassem pelo caminho do protecionismo, enquadrado por um acentuar do intervencionismo estatal nas esferas económica e social. No plano das subsistências, essa opção refletiu-se na emergência de discursos defensores da autossuficiência alimentar, que fizeram caminho no caso das ditaduras europeias. Um exemplo da aplicação destas ideias foi a iniciativa de Benito Mussolini, que logrou lançar, no ano de 1925, a intitulada Battaglia del Grano.

Em Portugal, a autossuficiência alimentar foi uma das bandeiras da Ditadura Militar, e, posteriormente, do Estado Novo. Se é certo que a proteção concedida durante a década de 1930 à grande exploração latifundiária teve em vista conseguir o equilíbrio dos interesses da agricultura, da indústria e do comércio, necessário à institucionalização do novo regime, as várias iniciativas de incentivo à produção dos “produtos da terra” não deixaram de ter no horizonte a conquista da autossuficiência alimentar, conquista que permitiria diminuir a tradicional dependência externa do país nesta matéria e evitar situações de escassez de géneros alimentícios.

Inspirada pelo exemplo do italiano, a Ditadura Militar logrou lançar, em agosto de 1929, a Campanha do Trigo, cujo primeiro objetivo era o de promover o aumento da produção deste cereal, tornando-a compatível com as necessidades de consumo, e evitando, assim, a saída de divisas para a sua importação.

Henrique Linhares de Lima (1876-1953), à data Ministro da Agricultura, esperava que daí a alguns anos se pudesse afirmar que Portugal não precisava de recorrer ao estrangeiro para se abastecer em géneros ou em matérias-primas necessárias à sua produção. Mas cedo reconheceu que a campanha pela autossuficiência alimentar se deveria estender a outros géneros e culturas (1). Em julho de 1930, a Campanha do Trigo passou a denominar-se Campanha da Produção Agrícola, alargando a intervenção estatal ao aperfeiçoamento da vini-viticultura, da olivicultura e da pomicultura, visando ainda o desenvolvimento da pecuária nacional através da promoção da cultura das forraginosas. Na década de 1930, as “campanhas” sucederam-se, estendendo-se ao vinho, ao arroz, à fruta e ao azeite. E, extravasando o campo da produção agrícola, à pesca do bacalhau.

A experiência da Primeira Guerra Mundial, como mais tarde afirmaria Rafael Duque, tinha tornado “mais viva a necessidade de cada um viver dos seus próprios recursos”, necessidade que, aos olhos dos governantes portugueses, se tornaria ainda mais premente na presença de um novo conflito (2). A Segunda Guerra Mundial obrigaria a um repensar de todas estas questões.

(1) Henrique Linhares de Lima, «Saudação à Lavoura», in Campanha do Trigo (1929-1930), Folheto nº1, Lisboa, Serviço de Publicidade Agrícola do Ministério da Agricultura, 1930

(2) Rafael Duque, As Subsistências e a População, Lisboa, 1940, pp. 15-17

Fotos:

1) Cartazes de propaganda da Campanha Nacional do Trigo (1929). Imagem cedida pelo ANTT – Cota/Referência: PT/TT/EPJS/SF/001-001/0015/1511D

2) “Fornecimento de géneros alimentícios distribuídos e tabelados pelo Governo num armazém na Junqueira da Assistência 5 de Dezembro” (1918). Arquivo Municipal de Lisboa, Coleção Joshua Benoliel, PT/AMLSB/CMLSBAH/PCSP/004/JBN/001443: http://arquivomunicipal2.cm-lisboa.pt/xarqdigitalizacaocontent/PaginaDocumento.aspx?DocumentoID=254720&AplicacaoID=1&Pagina=1&Linha=1&Coluna=1

3) Em 1928 circulou pelo país o Comboio do Trigo, uma exposição móvel de trigos, sementes, adubos, maquinaria e alfaias agrícolas. Destinava-se a dar a conhecer aos lavradores os elementos necessários à intensificação da produção agrícola. Foto: “Um aspeto do Comboio do Trigo (Vendo-se as máquinas agrícolas montadas num vagão” (1928). Imagem cedida pelo ANTT – Cota/Referência: PT/TT/EPJS/SF/001-001/0010/1122C

(*) Este artigo foi escrito no âmbito da parceria entre o Laboratório de História do Instituto de História Contemporânea (IHC), da Faculdade de Ciências Sociais e Humanas, da Universidade Nova de Lisboa – e o Jornalíssimo, com coordenação de Ana Paula Pires, Luísa Metelo Seixas, Ricardo Castro e Susana Domingues.

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