Imagem de uma praça na Lagoa, em São Miguel, em que se vê uma tabuleta a dizer "Câmara Municipal"

No concelho açoriano de Lagoa o feminino só chegou ao poder local em 1993

Por Jacinta Carreiro*
Em 1976, ainda no rescaldo da Revolução do 25 de abril, foi consagrado o sufrágio universal, dando às mulheres a possibilidade de uma participação ativa na política e de fazerem ouvir a sua voz, invisibilizada durante muito tempo pelas políticas governamentais que caracterizaram a História de Portugal.

O concelho de Lagoa, na ilha de São Miguel, nos Açores, apresentou um percurso paulatino na integração da mulher no poder local: devido ao legado de uma predominância do género masculino na atividade política, só em 1993 uma mulher é eleita.

No arquipélago dos Açores, porém, o feminino nas vereações começou antes: em 1985, Santa Cruz da Graciosa e Horta já tinham mulheres em cargos de governação. Mas foi preciso esperar até 2009 para um concelho açoriano apresentar na vereação mais mulheres do que homens (três contra dois): Vila Franca do Campo. Tal deveu-se à promulgação da Lei n.º 169/99, de 18 de setembro. Nela se determina que os concelhos com 10 mil votantes ou menos sejam eleitos quatro vereadores, além do presidente da Câmara.

Um estudo realizado na Lagoa – onde em 2011 havia 4,7% de analfabetos – revela como a evolução da mentalidade dos residentes ajudou muito à envolvência da mulher na política. Inquéritos realizados junto de 135 pessoas mostraram uma grande recetividade e defesa do papel ativo da mulher no poder local. A mentalidade de abertura não se traduziu somente nas lides políticas. Segundo Cristina Calisto, presidente da Câmara Municipal de Lagoa: “as instituições sociais e culturais do concelho são também maioritariamente lideradas por mulheres.” (1)

Curiosamente, o concelho de Lagoa não acompanhou a tendência nacional de serem partidos de esquerda a levar as primeiras mulheres à vereação. Foi o PPD (atual PSD) que, embora paulatinamente, foi integrando mulheres nas listas candidatas, especialmente nas autárquicas. O PPD foi um dos partidos que mais chamou a atenção no pós-25 de Abril nos Açores: com João Bosco Mota Amaral, presidente do primeiro Governo Regional dos Açores, como figura de destaque, o partido foi um dos que mais lutou na Assembleia Constituinte pela aprovação do regime autonómico do arquipélago. Isto não significa que tenha sido o único a implementar uma política de integração do feminino.

Em 1993 (2) foi então eleita a primeira mulher vereadora na Lagoa. Pelo PPD, justamente. Maria do Carmo Matos Lima estava em segundo lugar na lista candidata à Câmara Municipal, o que revela bem esse papel que as mulheres vinham conquistando.

Slogan de Campanha do PSD nas autárquicas de 1993 “Ganhar o Futuro” | Fonte: Aquivo Pessoal de Maria do Carmo Matos Lima.

Contudo, a candidata – a única a ser eleita apesar de outros partidos, como a CDU terem apresentado mulheres nas suas listas (3) – não chegou a ocupar o lugar, tendo apresentado de imediato a sua demissão por motivos que eram – e ainda são – comuns ao género feminino: a vida familiar e a figura da mulher como “fada do lar”. Como a própria Maria do Carmo Matos Lima conta: “O meu marido deu-me a escolher entre a família e a política, pois o meu filho era muito doente em criança e precisava de estar sempre em tratamento com umas vacinas que vinham de França e eu tinha de ajudar o meu marido com a sua loja de ferragens, não chegando eu própria a tirar frutos do curso intensivo de jornalismo que fiz.” (4)

Carta dirigida ao Presidente da Câmara Municipal de Lagoa, por parte de Maria do Carmo Matos Lima, renunciando ao seu mandato a 29/12/1993 | Fonte: Aquivo Pessoal de Maria do Carmo Matos Lima.

Só em 2005 a Lagoa tem, efetivamente, uma mulher na vereação: Mariana da Purificação Vieira Rodrigues Viveiros, também militante do PPD, já se tinha candidatado em 1997 e já era conhecedora da orgânica municipal, por ter sido técnica na Câmara de Lagoa. Única mulher entre sete vereadores, não se deixa temer: tem papel ativo nas reuniões camarárias e pede a legislação das autarquias locais (5).

Em 2009, volta a haver uma mulher nas vereações lagoenses, desta vez eleita pelo PS: Elisabete Pacheco Tavares, licenciada em gestão de empresas (com ela, a Lei da Paridade, aprovada em 2006, é posta em prática no âmbito de eleições autárquicas). Porém, tendo sido logo nomeada para presidente do Conselho de Administração da Empresa Municipal de Lagoa, 100% detida pela Câmara Municipal de Lagoa, é obrigada a renunciar ao cargo.

Não logo, mas as eleições de 2013 vão significar a chegada de uma mulher – Cristina Calisto – à presidência da Câmara Municipal de Lagoa. Eleita como vice-presidente nessas eleições, a militante do PS assume o lugar de presidente dois anos depois, em 2015, quando João António Ferreira Ponte anuncia a sua saída para aceitar um lugar que lhe é proposto pelo Governo Regional dos Açores.

As eleições de 2013 já seriam de qualquer forma um marco, com um total de três mulheres (além de Calisto, também Elisabete Pacheco Tavares e Graça Araújo) a serem eleitas para cargos de vereação, juntamente com quatro homens.

Em 2015, há outra mudança a registar: a entrada da vereadora independente Susana Goulart Costa para substituir um vereador em falta leva a que, pela primeira vez, o concelho de Lagoa apresente mais mulheres nas vereações do que homens. A Lei da Paridade tem, portanto, dado frutos até hoje, mantendo-se Calisto na presidência do município.

Entre 1993 e 2013, as principais características das vereadoras lagoenses foram: a predominância de instrução superior e o facto de a maioria das vereadoras já conhecer a orgânica camarária e toda a coluna vertebral da política local.
Apesar das dificuldades inerentes à mulher como protagonista da vida familiar, é notória uma transição da imagem da mulher de “Protagonista Doméstica” para, também, “Protagonista Política.”

(*) FCSH da Universidade dos Açores e HTC-CFE-NOVA FCSH. Este artigo foi escrito no âmbito da parceria entre o Laboratório de História, Territórios e Comunidades – CFE NOVA FCSH e o Jornalíssimo, com coordenação de Maria Fernanda Rollo.

Imagem de abertura: Sarunas Burdulis/Creative Commons

(1) Entrevista realizada a Cristina Calisto, atual presidente da Câmara Municipal de Lagoa, a 2/05/2022.
(2) As eleições para as autárquicas realizaram-se a 12 de dezembro de 1993, realizando-se a primeira reunião do novo executivo a 5/01/1994, segundo a ata nº1/1994. Disponível no Arquivo Municipal de Lagoa (consultado a 21/05/2022).
(3) Edital da Lista Candidata à Câmara Municipal de Lagoa, Açores (1993).
(4) Entrevista realizada a Maria do Carmo Matos Lima a 20/05/2022.
(5) Ata nº 26/2005. Disponível no Arquivo
Municipal de Lagoa (consultado a 21/05/2022).

Outras referências bibliográficas
SREA (azores.gov.pt) (consultado a 6/03/2024).
SAGNIER, L.,et al. (2019). As mulheres em Portugal, hoje: quem são, o que pensam e como se sentem. Fundação Manuel Francisco dos Santos. Disponível em https://www.ffms.pt/publicacoes/grupoestudos/3584/as-mulheres-em-portugal-hoje
PIRES, A. P., et al. (2019). Mulheres e eleições. Edições Almedina.

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