O Atlântico e a Defesa dos Açores na II Guerra Mundial
A localização privilegiada do arquipélago tornou-o desejado pelas duas partes envolvidas no conflito.
Por Sérgio Rezendes*
Associado à manutenção do equilíbrio e da dualidade ibérica, bem como à integridade do império ultramarino, Portugal viu-se forçado, durante a II Guerra Mundial, a defender a importância estratégica dos Açores.
Fronteira entre continentes, os beligerantes viam no arquipélago a possibilidade de estabelecer bases para apoio dos seus planos militares, privilegiando-o como área de charneira entre as margens do Atlântico norte.
O estacionamento de tropas alemãs junto aos Pirenéus daria o mote para assegurar a neutralidade e a soberania portuguesa no arquipélago, reforçada militarmente com tropas continentais a partir de finais de 1940, pautando-se os anos de 1941 e 1942 pela consolidação do dispositivo e 1943 por acertos e substituições.
Apoiado por ambos os lados da contenda, este reforço visava negar o uso a qualquer interveniente no conflito, e servir de reduto ao governo, ameaçado no continente pela execução da Operação Félix, na sua parte fundamental, a conquista da península Ibérica.
Ao plano de defesa de 1940, suceder-se-ia o de 1943, ordenando-se a defesa contra qualquer ameaça, reajustando-se um dispositivo militar que atingiu três quartéis-generais; 24 baterias de artilharia e três esquadrilhas de aviação, a título de mero exemplo.
O ano de 1942 seria capital pelo clímax que se vivia na Batalha do Atlântico, e a efetivação do dispositivo militar nos Açores, até que os porta-aviões de escolta americanos, entre mais motivos, afastaram os submarinos e reabastecedores alemães dos mares dos Açores.
Em 1943, quando a vitória se inclinava para os aliados, Portugal mudaria a política internacional nos Açores para uma Neutralidade Colaborante ao autorizar a instalação nas Lajes os primeiros aviões do Contingente Britânico, facultando aos ingleses o uso do aeródromo de Santana e os portos de Ponta Delgada e Horta.
O ponto alto das facilidades aos EUA seria a autorização para a construção de um aeroporto em Santa Maria, obtendo-se em contrapartida a libertação e reconhecimento da soberania em Timor. Passível de ser utilizada a partir de agosto de 1944, tornaria os Açores numa das mais importantes placas giratórias do mundo.
Em finais de 1944, iniciou-se a progressiva desmobilização das tropas.
O impacto dos soldados foi profundo e por vezes complexo, desde as obras militares aos programas radiofónicos do Emissor Regional, criado para a preparação da moral em caso de ataque e divulgação da cultura e as belezas locais.
Contudo, o contexto seria excessivamente grave para os açorianos que, isolados, padeceram de fatores de ordem externa e interna, anómalos ao país e induzidos pelo conflito: falta de matérias-primas, géneros alimentares, rarefação dos transportes, inflação, mercado negro, quebra de poder de compra e agitação social, entre outras.
Com uma mobilização ímpar, as ilhas tiveram graves dificuldades em sustentar a presença de um vasto contingente militar cuja missão era defendê-las independentemente das lacunas materiais, alimentares, humanas e financeiras.
A reconversão do dispositivo de paz para guerra, sobrecarregado pelas facilidades concedidas a estrangeiros, e a falta de sensibilidade financeira do governo agravariam ainda mais uma economia dependente do exterior, expondo as ilhas a fatores como o bloqueio económico e a guerra submarina.
Perante um Estado com poderes excecionais e autoritários, os militares e o povo conheceriam a rarefação, a insegurança e o encarecimento dos transportes, exemplos das múltiplas variáveis que assolaram o arquipélago e que fizeram da capacidade de sacrifício dos açorianos, e do entendimento entre instituições, cumplicidade.
FOTO: Lembrança da passagem do U-28 por Ponta Delgada (1937). Terminado o interregno entre as duas guerras mundiais, a presença dos U-boats no mar dos Açores voltaria a ser uma realidade. Fonte: Coleção Weitzenbaur
(*) Este artigo foi escrito no âmbito da parceria entre o Laboratório de História do Instituto de História Contemporânea (IHC), da Faculdade de Ciências Sociais e Humanas, da Universidade Nova de Lisboa – e o Jornalíssimo, com coordenação de Ana Paula Pires, Luísa Metelo Seixas e Ricardo Castro.