Os Desfiles da Vitória
O fim da I Guerra Mundial foi comemorado com pompa e circunstância pelos portugueses em paradas históricas tanto cá como no estrangeiro.
Por Margarida Portela (*)
Depois de um conflito sangrento e sem precedentes, por fim, a 11 de Novembro de 1918, terminava a I Guerra Mundial. Assinado o Armistício em Rethondes, era tempo de percorrer os trilhos da paz. Era necessário preparar o pós-guerra. E, nesse contexto, se pensaram as cerimónias de evocação do términus do maior conflito bélico até então experienciado.
Portugal, que recebera da Grã-Bretanha um pedido de início do processo de repatriamento dos seus contingentes, ansiava igualmente por um lugar à mesa das negociações de paz. E, como todos os intervenientes, agora vitoriosos, solicita a permanência de uma representação militar em França, que, de futuro, pudesse estar presente nos desfiles da vitória. A motivação advinha do facto de, em Novembro de 1918, ter decorrido em Londres um desfile de vitoriosos. O Governo Português esperava, pois, que os seus representantes pudessem futuramente tomar parte em eventos similares.
Para tal, foi necessário contornar o peso e as dificuldades introduzidas pelos Britânicos, sendo imperativo nacional coordenar, junto do War Office, a criação de um contingente de forças expedicionárias que pudesse vir a participar nas futuras comemorações. Tais expectativas foram tornadas realidade nos primeiros meses de 1919.
Portugal no mais emblemático dos desfiles
Depois de um complexo processo de designação das formações militares que desfilariam por Portugal, os militares portugueses far-se-iam representar nos desfiles da Vitória organizados em Londres (19 de Julho) e Bruxelas (22 de Julho) de 1919. E, em França, tomariam igualmente parte da mais emblemática das celebrações: o Desfile da Vitória em Paris.
Para tal tinha sido escolhido o dia 14 de Julho de 1919, associando-se a evocação do triunfo na I Guerra Mundial às evocações anuais da queda da Bastilha. Frente a uma tribuna presidencial, com convidados de honra, marcharam veteranos, mutilados de guerra e bandas militares francesas. E, logo depois, as tropas das várias nações Aliadas, que desceram assim os Campos Elísios, marchando entre o Arco do Triunfo e a Place de La Concorde.
Eram onze as representações militares. Encabeçadas pelos EUA, seguiram-se belgas, britânicos, checos, gregos, italianos, japoneses, portugueses, romenos, sérvios e polacos. Bento Esteves Roma, membro do contingente português recorda: «Na testa, o valente major Ribeiro de Carvalho; a seguir, as bandeiras verde-rubras, cantantes nas suas cores; e depois, os nossos soldados cheios de garbo e aspeto guerreiro!».
Comemorações também em Lisboa e pelo país
À mesma hora, Portugal exultava, nesse que foi feriado nacional. Os preparativos tinham sido iniciados com a constituição da Comissão Organizadora dos festejos, a 9 de Julho de 1919. As festividades tiveram início às oito horas da manhã, com uma salva de 21 tiros, a cargo dos navios portugueses e estrangeiros fundeados no Tejo. Houve ainda o embandeiramento em navios, fortalezas e edifícios públicos, bem como a ornamentação de janelas com colchas e flores.
Às nove saíram as tropas dos quartéis, dirigindo-se pelas rua até ao ponto de encontro, estabelecido na Avenida da República. Formou-se parada entre a praça Duque de Saldanha e o Campo Pequeno, dali saindo o primeiro contingente, de marinheiros americanos, convidados pelo Governo Português para a abertura do desfile. Às dez e meia da manhã, o Estado-maior passou revista às tropas e, meia hora depois, assim fizeram também o Presidente da República, o Presidente do Ministério e o Ministro da Guerra. Posto isso, as altas dignidades foram tomar o seu lugar na varanda do Teatro Nacional, destinada ao chefe de Estado, Governo, Corpo Diplomático e demais entidades oficiais. A guarda de honra ficou entregue a trinta mutilados de guerra.
Ao meio-dia dar-se-ia início à Parada da Paz, com os contingentes militares, guiados pelas tropas americanas, a descerem a Avenida da Liberdade. O desfile incluía contingentes da GNR e da Guarda Fiscal, da Armada e demais corpos militares de Lisboa. Restauradores, Rossio e Largo de Camões viram passar unidades do Corpo Expedicionário Português, pessoal dos serviços de saúde da Sociedade da Cruz Vermelha Portuguesa, mutilados portugueses e soldados condecorados com a Cruz de Guerra. Às quinze horas ocorreu um grande festival no Jardim da Estrela e, pelas dezoito horas, uma festa militar no Jardim Zoológico. Mais tarde, deu-se início a um banquete de gala no Teatro de S. Carlos e, para finalizar a noite, um espetáculo de fogo-de-artifício sobre o Tejo, que muito agradou à população lisboeta.
Também no Porto teve lugar um solene cortejo, de grande êxito e presença popular. Organizado pela Junta Patriótica do Norte, terminaria o mesmo no Palácio de Cristal, onde, após o discurso do Ministro do Trabalho, foram saudados diversos expedicionários portugueses, ali presentes. E outras festas e desfiles, de escala mais reduzida, foram organizados pelo país, surgindo referências e reportagens jornalísticas que enfatizam a alegria dos populares em lugares como Peso da Régua, Évora, Nisa, Castanheira de Pera, Funchal, entre tantos outros.
(*) Este artigo foi escrito no âmbito da parceria entre o Laboratório de História, Territórios e Comunidades – CFE NOVA FCSH (https://htc.fcsh.unl.pt) e o Jornalíssimo, com coordenação de Maria Fernanda Rollo.