Vamos falar de ambientes obesogénicos?
Obeso… quê?! Já explicamos. Tem a ver com obesidade, sim, e com a forma como os contextos em que vivemos a influenciam.
Opinião | Por Bruno Rodrigues Alves*
O entendimento da obesidade como doença não é consensual. A obesidade é, sobretudo, uma condição médica, encarada como doença pelos inúmeros danos que provoca, já que peso a mais é um importante fator de risco para o desenvolvimento de inúmeras doenças (cardiovasculares, osteoarticulares, respiratórias, diabetes tipo 2…) e para uma diminuição da qualidade e esperança de vida.
As notícias dão conta de um aumento exponencial da obesidade na população em geral e, particularmente, nas crianças e adolescentes. Em 2014, um relatório da Organização Mundial de Saúde mostrou que Portugal é dos países europeus com mais obesidade infantil (aos 11 anos, 32% das crianças têm peso a mais).
Mas a obesidade tem um caráter pandémico – aumenta em todas as regiões do globo –, e está entre os quatro principais fatores de risco modificáveis (ou seja, passíveis de prevenir, controlar e converter) que levam ao surgimento de doenças. Os outros são o tabagismo, o consumo abusivo de álcool, e o sedentarismo.
Por tudo isto, prevê-se que, pela primeira vez, a saúde, qualidade e esperança de vida das gerações mais jovens possam ser piores do que as da geração anterior.
Numa sociedade que idolatra a “estética corporal”, a “imposição” de um modelo estereotipado de “corpo ideal” faz com que o excesso de peso possa, ainda, conduzir a problemas de saúde mental, como os que resultam de discriminação e ‘bullying’ exercidos sobre crianças e jovens obesos.
Muito se tem falado dos estilos de vida e dos contributos que cada um pode e “deve” dar para ser saudável. Mas esta é uma visão que tem contornos disciplinares e moralizantes, podendo gerar sentimentos de culpa em quem tem excesso de peso. Além disso, o foco no individual oferece uma perspetiva limitada da questão, pois tende a retirar responsabilidade às instâncias públicas na prevenção e luta contra este problema – designadamente na gestão dos ambientes obesogénicos.
E o que são “ambientes obesogénicos”?
São contextos favorecedores de comportamentos que conduzem a um ganho de peso corporal e dificultam a adoção de estilos de vida e escolhas alimentares saudáveis, levando ao sobrepeso e à obesidade (ambos significam um peso superior ao recomendado, mas na obesidade esse peso está relacionado com excesso de gordura).
Exemplos? Desde logo, a exposição a alimentos e bebidas altamente processados, de elevada densidade energética, pobres em valor nutritivo, ricos em açúcares, sal e gorduras saturadas. Falamos de um tipo de alimentação que é altamente palatável e apetecível à maioria (‘snacks’, ‘hotdogs’, ‘pizzas’, hambúrgueres), relativamente económica, fácil e rápida de preparar e transportar e que proporciona uma sensação de saciedade e gratificação imediatas; sendo servida em porções cada vez maiores. Além disso, tem quase sempre uma estética apelativa e é promovida por um marketing agressivo. Vejamos que os anúncios publicitários à alimentação infantojuvenil vieram substituir-se aos anúncios a brinquedos, utilizando brindes, coleções, acumulação de pontos para prémios, que incrementam o consumo continuado. Também em meio escolar, o lanche adquirido na escola veio sobrepor-se à tradicional merenda preparada em casa.
Nunca como hoje a disponibilidade de comida e as oportunidades para comer (mal) foram tão grandes: existe comida por toda a parte! Este aumento da disponibilidade é acompanhado por uma “McDonaldização” da alimentação e por uma industrialização do ato de comer – cada vez mais automatizado e irrefletido.
Outros exemplos são as circunstâncias que fazem concorrência à atividade física e desportiva. Temos lazeres mais sedentários e domésticos (como ver televisão, jogar ‘playstation’, “navegar” na internet); o mundo e cultura tecnológicos facilitaram-nos a vida, com o automóvel, a televisão, o computador, o elevador, as escadas rolantes, a “fabricarem” a “vida sem esforço”. Também são exemplos os ritmos de trabalho intensos e fisicamente pouco ativos, com pausas curtas para as refeições; a insegurança das ruas, que produz maior tempo passado em casa; os tempos de deslocação entre casa e local de emprego, retirando tempo a outras eventuais atividades.
E poderíamos ainda falar sobre as cidades que temos e de como elas são pensadas e construídas – será que temos espaços verdes, parques, circuitos pedonais, ciclovias e equipamentos desportivos em número e qualidade suficientes, e de fácil acessibilidade?
Os estudos apontam que o aumento da obesidade não resulta apenas de padrões comportamentais individuais, ele é produto dos ambientes que formam esses comportamentos. Também a carga genética não é tão determinante para a obesidade como o são os fatores socio ambientais. Se a genética não será de negligenciar, é todavia na interação desta com o(s) ambiente(s) que se “jogam” as questões do peso corporal. Deste modo, o foco da Saúde Pública tem evoluído no sentido de atender à natureza multifatorial da obesidade e, ainda, mais às influências socio ambientais do que às causas individuais da mesma.
O excesso de peso é, no entanto, uma problemática que deve extravasar o setor da saúde, exigindo uma abordagem de vários setores. No fundo, trata-se de integrar a saúde em todas as políticas: educativas; laborais; de urbanismo e ordenamento do território; de transportes e mobilidade; de infância e juventude; desportivas; culturais e de lazer. Crucial, também, será sensibilizar e envolver os decisores políticos, bem como a indústria alimentar e a comunicação social.
Assim, atribuir-se ao elevado consumo calórico e à inatividade física as únicas causas para o aumento desta problemática, não permite um enquadramento real e completo da questão.
A frase “somos o que comemos” é, portanto, simplista e redutora. Nem sempre comemos o que queremos ou sabemos “dever querer”. É necessário atender a condicionamentos como a cultura, as relações sociais, o tempo e o espaço nos quais nos movemos. Existem fatores que moldam as escolhas e comportamentos das pessoas e influenciam a capacidade de cada um “produzir” a saúde individual; e que se situam para além do âmbito da informação e do conhecimento do cidadão, isto é, nem sempre aquilo que sabemos se traduz no que fazemos (ou “poderíamos” e “deveríamos fazer”).
Posto isto, frequentemente comemos ‘o que somos’ ou ‘o que nos permitem ser’…
(*) Sociólogo