A nova nota ‘tech’ e táctil da Austrália
Serão assim as notas do futuro? Esta, acabada de lançar, simplifica a vida a cegos e dificulta a contrafação.
Em matéria de notas, a Austrália merece um 20. Foi o primeiro país do mundo a introduzir as notas impressas em polímeros (um tipo de plástico), inovação seguida depois por muitos outros países.
Este mês, o Banco da Austrália (‘Reserve Bank of Australia’) voltou a inovar e a dar mais um passo importante no sentido de combater a falsificação de notas (o dinheiro é cada vez mais virtual, mas este é um problema que persiste – em Portugal, no ano passado, foram apreendidas quase 9000 notas contrafeitas…).
A novíssima nota de 5 dólares do país entrou em circulação no dia 1 de setembro e tem particularidades que complicam (e muito) a vida aos falsificadores.
A tecnologia avançada que foi usada na sua produção permite efeitos fantásticos, que batem aos pontos os hologramas que estamos habituados a ter dentro da carteira.
PÁSSAROS QUE VOAM E NÚMEROS QUE SE INVERTEM
Quando se inclina a nota vê-se um pássaro a bater asas e outro a movimentar a cabeça com reflexos de luz; o número 5 aparece de frente, depois desaparece e volta a aparecer na posição inversa (espreita o vídeo no final deste artigo para perceberes melhor aquilo que aqui dizemos). Além disso, a nova nota tem, também, partes transparentes e pontos tácteis.
Este último aspeto é bem mais do que um detalhe extra que dificulta a contrafação. A componente tátil está já a ter um impacto direto na vida de 360 mil australianos…
A nota foi inspirada em elementos que revelam a história e cultura australianas – a Rainha de Inglaterra é também Chefe de estado da Austrália, uma ex-colónia britânica; o Parlamento de Camberra, a capital do país; o ‘Eastern Spinebill’ é uma ave autóctone do país e o ‘Yellow Prickly Moses’, um arbusto caraterístico. Foto: Lightwell Studio/Facebook
Alguma vez pensaste como pode um cego saber qual o valor da nota que tem na mão?… Esse ponto táctil da nota de 5 dólares australiana vai facilitar o processo à população do país com dificuldades de visão. E tudo graças a um adolescente de Sidney, hoje com 15 anos.
A REIVINDICAÇÃO DE UM JOVEM CEGO
No Natal de 2012, Connor McLeod ,cego desde a nascença, recebeu um envelope com dinheiro e ficou revoltado por não perceber o valor. Pouco depois, em 2013, apresentou uma queixa à Comissão de Direitos Humanos da Austrália e lançou uma petição ‘online’ para que o país criasse “dinheiro acessível“, cujo valor fosse imediatamente percebido por todos os cidadãos.
Connor McLeod (com o quadro na mão) já recebeu dois prémios pelo trabalho que fez | Foto: Vision Austrália/Facebook
A petição obteve mais de 50 mil assinaturas e o apoio de uma organização sem fins lucrativos que representa a população invisual (a ‘Vision Australia’, que já tinha tentado o mesmo, mas sem sucesso).
A atitude de Connor McLeod teve o poder de sensibilizar as autoridades responsáveis e agora, mais de três anos depois, há uma solução para o problema, que não tem fronteiras.
E EM PORTUGAL?
José Mário Albino é cego e não tinha ouvido ainda falar acerca da nova nota australiana. Psicólogo na delegação de Coimbra da ACAPO (Associação de Cegos e Amblíopes de Portugal) acha que a leitura táctil das notas “pode fazer toda a diferença” no dia-a-dia de quem não vê, ou vê com dificuldade.
Alguns cegos, como ele, conseguem já distinguir o valor das notas orientando-se, por exemplo, pelo tamanho de cada uma (que, caso não te tenhas apercebido, é variável – quanto maior o valor maior a nota), mas há muitas pessoas com deficiência visual a serem forçadas a recorrer a objetos, como um gabarito (uma placa de plástico que lhes permite saber qual o tamanho da nota e a partir daí conhecer o numerário), para realizar esse gesto banal.
José Mário recorda que quando o Euro foi lançado “houve uma grande preocupação em adaptar os vários numerários a pessoas com deficiência visual”, diferenciando-os também por cores (é por elas que se guiam as pessoas que têm uma visão reduzida).
O psicólogo da ACAPO (Associação de Cegos e Amblíopes de Portugal) gostaria que a Europa analisasse esta solução “altamente inclusiva”, mas frisa a importância de que sejam realizados testes com o público a quem esta possibilidade se destina. “Na ACAPO temos um lema, ‘nada para nós sem nós'” conta. E acrescenta a sua razão de ser: “muitas soluções são boas na teoria, mas nem sempre são implementadas da melhor forma. E se forem mal implementadas, até estorvam”. José Mário exemplifica com a rotulagem obrigatória em braile nas caixas de medicamentos – “em muitos casos, o relevo não cumpre as regras básicas e não permite a leitura”.
TÁCTIL E RESISTENTE
Já alguns países experimentaram emitir notas com marcas tácteis em relevo, mas a solução acabou por se revelar ineficaz, pois elas danificavam-se rapidamente e deixavam de cumprir a função.
O ‘Reserve Bank of Australia’ garante que a tecnologia usada na nova nota garante que o campo tátil não se altera com a circulação. E a “ACAPO” australiana, que foi convidada a participar em todo o processo, confirma a satisfação com a nova nota de cinco dólares, onde figuram símbolos que espelham a realidade do país.