Na história nem sempre há pontos finais. Há sobretudo reticências…
Muitos dizem que a queda do Muro de Berlim, há 30 anos, pôs fim à Guerra Fria. Mas será que ela terminou mesmo nesse momento?
Por Rui Lopes *
Após se terem aliado na 2ª Guerra Mundial, os Estados Unidos da América (EUA) e a União Soviética (incluindo a atual Rússia) entraram em conflito ao tentar expandir os seus sistemas político-económicos (ou seja, as suas versões de capitalismo e comunismo) para o resto do mundo. Desenvolveram armas nucleares cada vez mais poderosas, gerando um ambiente de pânico. Diz-se que a guerra foi ‘fria’ pois estas duas superpotências não se atacaram diretamente, mas o conflito entre elas custou a vida de milhões de pessoas. Isto porque travaram guerras indiretas, cada uma lutando contra os aliados da outra (por exemplo, os EUA no Vietname e a União Soviética no Afeganistão). Incentivaram também grupos noutros países a impor violentamente os seus sistemas, apoiando guerrilhas, golpes de estado e ditaduras.
A Europa dividiu-se entre o Bloco Ocidental e o Bloco de Leste, alinhados, respetivamente, com os EUA e a União Soviética, sendo a Alemanha, ela própria, dividida em dois países. Embora ficasse no meio da Alemanha de Leste, Berlim foi também dividida, por isso muita gente ia para a zona ocidental dessa cidade para fugir à ditadura em vigor no resto do país. Em 1961, o governo da Alemanha de Leste mandou construir o Muro de Berlim para impedir os seus cidadãos de mudar de zona. Foi um símbolo tão importante da Guerra Fria que, quando várias pessoas na Europa de Leste se revoltaram contra a forma autoritária de comunismo dos seus regimes e fizeram uma vaga de revoluções (que culminou com o colapso da própria União Soviética), o momento mais famoso deu-se em novembro de 1989, com o derrube do Muro de Berlim.
No entanto, a Guerra Fria não se resume aos eventos no leste europeu. Mesmo após a queda do Muro, continuaram a existir muitas armas nucleares, bem como guerrilhas e ditaduras que tinham sido promovidas pelas superpotências nas décadas anteriores, sobretudo nos estados descolonizados. Para além disso, as tentativas, em cada bloco, de enaltecer o seu sistema e sabotar o rival através de propaganda e espionagem tiveram um impacto profundo na sociedade, na tecnologia e na cultura, refletindo tanto o clima de competição (por exemplo, através da criação de satélites espaciais) como a vontade de superar essa competição (a música rock apelava a jovens rebeldes dos dois lados, o jogo de computador soviético Tetris despertou grande interesse no Ocidente), inspirando géneros de ficção (histórias de espiões, mundos pós-apocalípticos ou super-heróis com poderes nucleares) que continuam a ser bastante populares. Muito do que ouvimos hoje em dia sobre os EUA, a Rússia, o capitalismo, o comunismo ou as armas nucleares continua a repetir ideias vindas da Guerra Fria. Na história, nem sempre há pontos finais. Há sobretudo reticências…
(*) Este artigo foi escrito no âmbito da parceria entre o Laboratório de História do Instituto de História Contemporânea (IHC), da Faculdade de Ciências Sociais e Humanas, da Universidade Nova de Lisboa – e o Jornalíssimo, com coordenação de Maria Fernanda Rollo, Luísa Metelo Seixas, Ricardo Castro e Susana Domingues.