“O Ramadão não é simplesmente jejum”

Este mês é de sacrifícios e reflexão para a comunidade muçulmana. Fomos à Mesquita do Porto saber mais sobre um dos pilares do Islamismo.

O principal ponto de encontro da comunidade muçulmana do Porto fica para os lados de Campanhã. É uma mesquita improvisada, numa velha casa da Rua do Heroísmo.

Não daríamos por ela não fossem três homens – envergando um ‘taqiyah’ na cabeça e vestidos com ‘jalabiyah’ (aquela veste comprida que lhes cobre todo o corpo) – estarem a sair naquele momento. A oração da tarde, uma das cinco do dia (seis na altura do Ramadão), acabara há instantes.

Não levamos lenço para tapar braços, cabelos e deixar apenas o rosto à mostra, como seria aconselhável para uma mulher que vai entrar numa Mesquita, mesmo não sendo muçulmana. Registamos a observação para uma ocasião futura, mas aceitamos o convite que nos é feito para entrar.

O que primeiro salta à vista é uma série de prateleiras dispostas à direita, logo à entrada. Há sapatos em todas elas e também as nossas sapatilhas ficarão lá durante o tempo em que conversaremos com o líder do Centro Cultural Islâmico do Porto, Abdul Rehman Mangá, e com um jovem brasileiro recentemente convertido ao Islamismo, Adam, de 22 anos (na foto de abertura, apontando para os relógios parados nas horas de oração).

17 HORAS SEM COMER OU BEBER

“O Ramadão não é simplesmente jejum. É jejum por um motivo”, começa por nos dizer Adam, enquanto os nossos pés caminham descalços sobre tapetes de uma tonalidade vermelha que cobrem todo o chão da Mesquita.

É no chão, sagrado, que os muçulmanos fazem as orações e, não há, por isso, qualquer cadeira ou sofá. Para nos sentarmos, somos levados para o piso inferior, onde a conversa será acompanhada por um cheiro apetitoso que vem da cozinha.

Provavelmente prepara-se uma refeição para os fiéis comerem depois do sol se pôr. O jejum dura desde duas horas antes da alvorada até ao cair da noite. “Este ano, são 17 horas por dia, durante todo o mês, sem comer, sem beber, sem fumar, sem tocar na nossa mulher”, prossegue o nosso jovem interlocutor, brasileiro da Baía, a viver atualmente em Guimarães. “Quando o Ramadão calha no inverno é mais simples, há menos horas de sol”, comenta.

O Ramadão é o nono mês do calendário islâmico. Como os muçulmanos se regem pelo calendário lunar (com menos 12 dias em relação ao gregoriano), a sua data varia de ano para ano. Este ano, o Ramadão começou na última quinta, dia 18, e prolonga-se até 17 de julho. Durante esse tempo, os muçulmanos reservam o tempo de jejum “para recordar Deus, lendo o Livro Sagrado, as tradições do profeta Maomé”. Adam conta que mesmo a televisão e as redes sociais são postas de lado “para focar o tempo na oração a Deus”.

DEUS HÁ SÒ UM E SANTOS NÃO HÁ

O xeique Abdul Mangá junta-se à conversa: “Sim, o corpo ressente-se, quando fazemos jejum lembramos, também, os que não têm nada para comer e passam gravíssimas situações de fome”.

Adam já o tinha dito e o xeique reforça que “o Ramadão é o quarto pilar do Islamismo e só pode ser entendido no conjunto”. Pacientemente, o líder muçulmano explica-nos os restantes quatro pilares. “O primeiro é a fé e o segundo é a oração. Os dois estão muito ligados, não pode fazer-se oração sem fé islâmica. Nós acreditamos que não há outra divindade se não Deus (Alá significa, justamente, “O Deus”).

Para os muçulmanos, não há santos: “O diálogo é entre nós e Deus, sem intermediários. Em oração estamos em diálogo permanente com Deus, desligamos do mundo”.

As preces podem ser feitas em qualquer língua, mas a oração é sempre em árabe. Abdul Mangá garante que é fácil aprender, apesar de aos nossos ouvidos soar bem complicado. Como ‘Zakat’, o nome do terceiro pilar do Islamismo, que pedimos para nos soletrarem. É a purificação da riqueza – todos os muçulmanos são obrigados a dar 2,5 por cento das poupanças que conseguem juntar no final de um ano.

UM JEJUM COM EXCEÇÕES

O quarto pilar é, então, o Ramadão. Abdul Mangá e Adam estão de acordo: ambos dizem que é impossível explicar o seu significado. Não escondem que é um período difícil, exigente, “mas a nossa alma fica satisfeita, sentimo-nos aliviados do pecado” – transmite o líder muçulmano tentando, ainda assim, expressar o inefável, o que as palavras não podem explicar, mas que o seu desabafo sentido transmite: “Dá muita paz e tranquilidade para o nosso espírito”.

Quem está doente, não é obrigado a fazer jejum. Debilitar a saúde iria contra a vontade de Alá. Por isso, quem está nessas circunstâncias deve alimentar um pobre durante o Ramadão, dando-lhe, pelo menos, três euros e meio por dia. Já uma grávida ou uma mãe que esteja a amamentar pode adiar esse período de jejum para quando terminar a gestação ou o período de aleitamento. Tal como alguém que tenha uma doença passageira.

Durante o Ramadão, às cinco orações diárias, soma-se mais uma, a ‘Tarawi’, uma oração suplementar que dura cerca de uma hora e acontece por volta das vinte e duas horas, quando o sol já se pôs e os muçulmanos já puderam fazer uma refeição. Ao longo dos 30 dias, nessa oração, é recitado todo o Alcorão.

Quando o Ramadão chega ao fim, há uma festa, chamada ‘Idulfitr’. Reúne-se família e amigos, num momento de solidariedade e fraternidade, onde há comida em abundância – uma espécie do que é o Natal para os católicos. Visitam-se as pessoas queridas, recordam-se os mortos.

QUOTAS PARA IR A MECA

E falta ainda um pilar, o quinto, cujas imagens correm, todos os anos, os noticiários do mundo – a célebre Peregrinação a Meca, em que os muçulmanos cumprem uma série de rituais para reviver todas as tribulações, todos os problemas, que o Profeta Abraão sofreu.

A peregrinação dura cinco dias e todos aqueles que têm possibilidades económicas, devem fazê-la pelo menos uma vez na vida. Como o espaço é limitado, hoje são estabelecidas quotas: por ano, cada país tem um número limite de muçulmanos que pode deslocar-se a Meca nesta altura para fazer a peregrinação.

Portugal não tem limite. Estima-se que haja apenas 50 mil muçulmanos a viverem no país e a distância de Meca faz com que muito poucos seguidores do Islão possam visitar a cidade sagrada.

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