Os desenhos de Vicente para os pássaros
O estudante de Belas Artes inspirou-se numa tradição do sudeste da Índia, a arte kolam.
No estado indiano de Tamil Nadu, há uma tradição antiga: todos os dias, ao amanhecer, as donas de casa preparam uma mistura de farinha e arroz para, com ela, fazer um desenho em frente à porta da sua habitação.
“O desenho serve de alimento a cães, gatos, insetos, pássaros. É uma espécie de dádiva à natureza por tudo o que a natureza dá”, transmite Vicente Sampaio, 20 anos. Acreditam, também, que o ritual “lhes traz boa sorte e as protege do mal”, acrescenta.
Os padrões que criam chamam-se Kolam – se pesquisares por “arte kolam” no Google ficas com uma ideia da diversidade e do quão sofisticados podem ser.
A braços com um trabalho para a cadeira de Desenho, do terceiro ano do curso Artes Plásticas e Multimédia, da Faculdade de Belas Artes do Porto, Vicente recordou-se do que tinha lido sobre esta tradição.
O professor queria que os estudantes desenvolvessem um objeto a partir de peças que encontrassem. O objetivo era criar um objeto novo a partir de outros. Vicente inspirou-se na cabeceira de uma cama com motivos florais para criar o padrão que andou a desenhar em alguns jardins do Porto e Matosinhos, sob o olhar interessado de quem passava.
Desenhou o padrão primeiro em papel. Ampliou-o e voltou a desenhá-lo depois no chão, com giz. Sobre os traços riscados, colocou farinha de milho e ficou a gozar o destino da sua arte.
No jardim do Marquês, no Porto, o fim do padrão foi poético: desapareceu num ápice, comido por pássaros pouco tímidos. No jardim da Câmara de Matosinhos, o padrão de Vicente, passado para o chão com a ajuda da amiga Helena Garcia, foi levado pelo varredor das folhas secas do jardim.
Houve quem estivesse a assistir à realização dos desenhos e se indignasse com tal fim. Vicente ri-se, enquanto documenta o desaparecer da obra de arte: “faz parte do conceito, é uma arte muito efémera. Está exposta e vulnerável a tudo o que possa atrair”, comenta.
Se quiseres fazer tu também um padrão Kolam, Vicente e Helena dizem que um pacote de farinha de milho dá à vontade para fazer um desenho.