“Quero ajudar os refugiados a contar a história que estão a viver”
O fotojornalista francês Reza dá máquinas e formação em fotografia a crianças e jovens a viver em campos de refugiados.
O interesse de Reza pelos refugiados não é de ontem, tem 35 anos, os mesmos que a sua carreira profissional. É fotojornalista, nasceu o Irão e, ele próprio, se viu obrigado a abandonar o país natal para poder exercer a profissão em liberdade.
Fotografou sobretudo em cenários de guerra e de conflito e, foi aí, que se apercebeu de que os refugiados são uma “das comunidades mais vulneráveis” que existem.
Com o patrocínio do ACNUR, o Alto Comissariado das Nações Unidas para os Refugiados, está a desenvolver o projeto ‘Exile Voices’ (Vozes do Exílio), para dar formação em fotografia a miúdos que vivem em campos de refugiados.
O trabalho de alguns dos seus alunos está exposto nas margens do Sena, em Paris, na exposição ‘Rêve d’Humanité’ (Sonho da Humanidade) até 12 de outubro e tem despertado o interesse da imprensa mundial.
Ao JORNALÍSSIMO, Reza contou como este projeto, e outros semelhantes por ele realizados no passado, já mudou vidas.
As fotografias que ilustram o artigo foram tiradas por jovens sírios formados por Reza, a viver num campo de refugiados no Iraque. Podes ler mais sobre eles e ver outras fotografias aqui.
JORNALÍSSIMO – Poderá a arte ajudar a solucionar os problemas do mundo?
REZA – A arte tem esta capacidade de criar laços entre as culturas, entre os indivíduos, de uma forma muito profunda e muito emotiva.
A arte tem a possibilidade de mostrar a vida de outro ângulo, sobretudo de nos fazer refletir, de nos fazer sair do nosso quotidiano.
Tudo isto só nos pode levar a melhorar o nosso olhar em relação à sociedade, às outras culturas, às outras comunidades.
Muitos problemas do mundo são certamente de ignorância e de desconhecimento de uns e outros. Neste caso, a arte pode ajudar.
J – O trabalho que desenvolveu com estes jovens sírios a viver num campo de refugiados no Iraque pode mudar a vida deles… Que papel desempenhou a fotografia na vida destas crianças e jovens?
R – A partir do momento em que nós aprendemos uma técnica, sobretudo nestas idades, dos dez aos 15 anos, temos a capacidade de continuar a aprofundar os nossos conhecimentos e até de fazer dessa técnica uma profissão.
Este projeto (‘Exile Voices’) que lançámos para crianças que estão em campos de refugiados no Iraque, no Afeganistão, no Ruanda, em Marrocos, na Jordânia ou em subúrbios de países europeus, como em França ou em Itália, ajudou-as muito.
Por um lado, ajudou-as a melhorar as suas capacidades individuais, a sua cultura geral. Mas, ao dominarem uma técnica, ajudou-as também a terem uma ocupação. A algumas ajudou-as mesmo a terem uma profissão.
J – Isso já aconteceu?
R – Sim. Estou a pensar no exemplo de um jovem que nós formámos no Afeganistão, em Cabul, já em 2001, e que se tornou fotógrafo profissional. Chama-se Massoud Hossaini, foi nosso aluno e é diretor de fotografia da ‘Agence France Presse’ no Afeganistão. Em 2012, venceu o mais importante prémio de fotografia, o ‘Pulitzer’.
Mas há muitos mais exemplos. Temos outros alunos que receberam diferentes prémios, como o ‘The Picture of the Year’ ou o ‘World Press Photo’, entre outros, o que mostra bem a importância deste tipo de formação e educação.
J – Os jovens que participam neste projeto têm as suas próprias máquinas fotográficas?
R – O conceito e o método de trabalho que emprego é sempre o de garantir que as crianças têm, desde o início, a sua própria máquina fotográfica. O equipamento que damos é igual para todos.
No campo de refugiados sírios no Iraque, em que estamos a trabalhar desde 2013, os vinte alunos receberam mais de 60 máquinas.
Começámos por dar-lhes uma câmara fotográfica própria para iniciação, ao final de dois meses demos-lhes outra e voltámos a oferecer-lhes uma máquina, mais avançada, no final do primeiro ano. Hoje, cada um deles tem, portanto, três máquinas fotográficas para trabalhar.
Não seria justo que fosse de outra maneira. É fundamental que cada criança tenha o seu próprio equipamento.
J – Será que estas imagens que eles captaram e que estão agora expostas em Paris (nas margens do Sena, junto ao Museu de Orsay), podem fazer mais para sensibilizar o mundo sobre o que é ser refugiado do que mil reportagens jornalísticas?
R – Fazem-no de um modo diferente. Nesta exposição ‘Rêve d’Humanité’ estão também imagens de um fotógrafo profissional do Dubai, Ali Bin Thalith, e ainda as minhas fotografias de refugiados, mas foi por as fotografias dos campos de refugiados vistos pelo olhar das crianças que a imprensa mundial mostrou grande entusiasmo.
É esta a diferença, é uma outra forma de olhar. As reportagens fotográficas que existem são feitas por fotógrafos profissionais, que andam de um lugar para outro.
O que eu estou a fazer com estes jovens em todo o mundo é ajudar a que possam ser eles próprios a contar a história que estão a viver.
E é por isso que a fotografia destas crianças é tão diferente da dos profissionais da imagem.
É muito, muito diferente. E sensibiliza de forma diferente também. As pessoas gostaram muito mais de ver as fotografias de campos de refugiados feitas pelas crianças do que pelos adultos.
J – Que comentários ouviu sobre a exposição ‘Rêve d’ Humanité’?
R – Visitei várias vezes a exposição de forma anónima para poder ouvir o que as pessoas diziam sem saber que era eu quem estava ali.
Todas as pessoas, sem exceção – de diferentes culturas, tanto os turistas, como os parisienses – não falavam de outra coisa senão de como estas fotografias as estavam a tocar e de como esta nova visão era importante.
Houve também muitas pessoas que viram as fotografias pela Internet e nos escreveram a felicitar por esta forma diferente de olhar.
J – E os miúdos que tiraram as fotografias, como reagiram?
R – Voltámos há dois meses ao campo de refugiados e reunimos todas as crianças e jovens que participaram e as suas famílias. Fizemos um evento para os felicitar e para entregar os certificados de participação.
A mãe de um dos participantes disse algo que nos tocou muito. Disse que, com o projeto de formação das crianças, conseguimos levar sorrisos para o campo e fazer com que as crianças se tenham esquecido de que eram refugiadas.
Portanto, não é emocionante só para quem vê as fotografias, mas para toda a gente que está envolvida no projeto.
J – O que o faz interessar-se tanto pelo tema dos refugiados?
R – Mahatma Gandhi é uma figura histórica que me inspira muito e há uma frase dele que me tocou e me inspirou de forma especial. Ele dizia que todos os dias, sempre que começamos um novo projeto na vida, devemos pensar nos seres humanos mais vulneráveis que conhecemos e questionar-nos: “o que eu vou fazer vai ajudar ou não estes indivíduos, estes povos vulneráveis?”.
Ou seja, é importante que aquilo que fazemos tenha sempre uma ligação com a Humanidade, traga sempre qualquer coisa à Humanidade.
Nestes últimos 35 anos em que trabalhei em zonas de guerra, de conflitos e problemas sociais, dei-me conta que uma das comunidades mais vulneráveis é precisamente a dos refugiados.
Os refugiados são como cada uma das pessoas que vai ler esta entrevista, como você, como eu, como os nossos vizinhos. São pessoas que, num determinado momento da sua vida, são obrigadas a deixar tudo – as suas lembranças, as suas memórias, as suas casas, as suas escolas, as suas universidades, as suas lojas, até as suas famílias – e fugir, e ir para outra parte.
Ser refugiado é isto. É por isso que são pessoas vulneráveis e é por isso que eu quero levar luz aos campos de refugiados com o meu trabalho. Dar formação a crianças refugiadas e ajudar a que o mundo compreenda esta situação.