Um guia para entender a crise dos refugiados
Afastados dos seus países por diferentes razões, os refugiados estão entre as pessoas em situação mais precária à face da Terra.
Ao longo das últimas semanas, o número de pessoas que chega à Europa na esperança de obter o estatuto de refugiado ou, simplesmente, uma vida melhor, não tem parado de aumentar.
Neste guia, em forma de pergunta/resposta, explicamos-te quem são estas pessoas, de onde vêm, por que fogem, que direitos e obrigações têm, qual a diferença entre um refugiado e um migrante, entre outras questões.
O DRAMA DOS REFUGIADOS É RECENTE?
Não. Apesar de hoje estar a assumir uma grande dimensão, este não é um fenómeno recente na época contemporânea. Guerras, ajustes territoriais, crises ambientais, regimes ditatoriais têm obrigado milhares de pessoas a fugir das suas casas.
A questão dos refugiados começou a ser tratada mais seriamente depois da II Guerra Mundial. Foi nessa altura que, por decisão da Assembleia Geral das Nações Unidas, se criou um organismo especializado para tratar do problema dessas pessoas: o ultimamente tão falado ACNUR – Alto Comissariado das Nações Unidas para os Refugiados, de que António Guterres é Alto Comissário.
Nascido em finais de 1950, este organismo tem competência para gerir toda a ação internacional que vise proteger e encontrar resposta para as pessoas deslocadas em todo o mundo, salvaguardando os seus direitos e o seu bem-estar.
QUEM SÃO OS REFUGIADOS?
Para encontrar a definição de refugiado é preciso consultar a Convenção sobre o Estatuto dos Refugiados de 1951, onde ficou escrito que refugiado é uma “pessoa que receia, com razão, ser perseguida em função da sua raça, religião, nacionalidade, pertença a um determinado grupo social ou opinião política e não possa ou, em virtude daquele receio, não queira, pedir proteção do seu país”.
O estatuto foi revisto no Protocolo de 1967, eliminando limitações geográficas e temporais, uma vez que no documento inicial, só os europeus que se tinham tornado refugiados antes de 1951 podiam pedir asilo noutro país.
Os refugiados são homens, mulheres e crianças de todas as idades. Muitas vezes têm menos de 18 anos e viajam sozinhos, por sua conta e risco, na esperança de encontrar um país que os acolha. Procuram, acima de tudo, segurança, algo que os distingue dos migrantes económicos, que geralmente procuram melhores condições económicas noutro país. Ao contrário dos refugiados, os migrante económicos têm proteção no país onde nasceram.
QUE DIREITOS E DEVERES TÊM OS REFUGIADOS?
Comecemos pelos direitos. Todos os refugiados têm direito a não serem discriminados em função da sua raça, religião, sexo ou país de origem.
Um dos princípios fundamentais do Estatuto é a chamada “não-devolução” (‘non-refoulement’), segundo o qual os países não devem expulsar ou “devolver” ao país de origem um refugiado contra a vontade deste (salvo raras exceções, por exemplo, uma pessoa que tenha praticado crimes de guerra ou violado direitos humanos não tem direito ao estatuto).
No país onde estão refugiadas, estas pessoas têm direito a um emprego remunerado, a assistência médica, a habitação, a aceder à justiça, ao ensino público, a liberdade de circulação, entre outros.
E, claro, os Refugiados também têm deveres. Respeitar as leis do país que os recebeu é um deles.
QUANTOS REFUGIADOS HÁ NO MUNDO?
O número tem vindo a crescer. Em junho do ano passado, o ACNUR comunicou a existência de mais de 52 milhões de pessoas refugiadas e deslocadas no mundo – foi a primeira vez desde a II Guerra Mundial que esse número superou os 50 milhões.
Por trás deste valor escondem-se refugiados, mas também pessoas que solicitam asilo noutro país, gente que está deslocada dentro do próprio país e apátridas (pessoas que não têm nacionalidade, porque nasceram sem ela ou porque ela lhes foi retirada pelo Estado), por exemplo.
QUAIS OS PAÍSES COM O MAIOR NÚMERO DE REFUGIADOS?
No ano passado, esse triste recorde era detido pelos afegãos (2,5 milhões).
Em seguida vinham:
– sírios (2,4 milhões)
– somalis (1,1 milhões)
– sudaneses (650 mil)
– congoleses (500 mil)
– birmanos (480 mil)
– iraquianos (401 mil)
– colombianos (396 mil)
– vietnamitas (314 mil)
– eritreus (308 mil)
Neste momento, os sírios devem já liderar a tabela.
Em julho passado, o ACNUR anunciou que a população síria refugiada na sequência da guerra civil tinha alcançado os quatro milhões, sem contar os 7,6 milhões de pessoas deslocadas dentro das próprias fronteiras sírias. A soma dos dois números corresponde a mais de metade da população síria obrigada a deixar as suas casas.
E QUAIS OS PAÍSES QUE MAIS REFUGIADOS RECEBEM?
Segundo os mesmos dados divulgados em junho de 2014, o país que mais Refugiados acolheu foi o Paquistão (1,6 milhões) e o Líbano (cerca de 730 mil).
É curioso ver que só cinco por cento dos sírios estão refugiados na Europa (não considerando a euroasiática Turquia). Os outros 95 por cento encontram-se a viver em apenas cinco países vizinhos. São eles: o Líbano, a Jordânia, o Iraque, o Egito e a Turquia.
A Amnistia Internacional destaca que, só na Turquia, o número de refugiados sírios (cerca de 1,6 milhões) é mais de dez vezes superior ao de novos pedidos de asilo sírios recebidos por países da União Europeia nos últimos três anos. O Reino Unido, por exemplo, tem menos de cinco mil Refugiados sírios e o rico Qatar não recebeu um único.
TODOS VÃO TER OPORTUNIDADE DE REFAZER A SUA VIDA NOUTRO PAÍS?
A resposta é um redondo não. Já para não falar nos muitos milhares que morrem durante a viagem em busca de uma vida melhor.
Muitos passarão anos em campos de refugiados (só uma minoria tem a sorte de ficar num campo em que tenha acesso a escolarização, por exemplo) até regressarem aos seus países, outros viverão a dura condição de ilegais, alguns juntar-se-ão a familiares que estão já nos locais para onde se dirigem, dividindo casas sem o mínimo de conforto.
Só uma minoria terá acesso ao chamado “reassentamento“, que acontece quando um país “proporciona aos refugiados proteção jurídica e física, incluindo acesso a direitos civis, políticos, económicos, sociais e culturais sob as mesmas bases dos seus cidadãos nacionais”, como explica o ACNUR. Neste caso, os países devem permitir aos refugiados obter a nacionalidade.
Há poucos países com programas de reassentamento. No topo mundial surgem os Estados Unidos. Se olharmos só para a Europa, esse título é detido pelos países nórdicos.
Por serem considerados “especialmente vulneráveis”, os sobreviventes de tortura são os que mais beneficiam deste tipo de programa do ACNUR, tal como pessoas que tenham graves necessidades médicas e mulheres e crianças que corram risco de sofrer violência sexual.
MAS ENTRAR ILEGALMENTE NUM PAÍS NÂO DÁ DIREITO A PRISÃO?
Em princípio sim, mas com os refugiados tal não é suposto acontecer. O ACNUR lembra que “uma pessoa é um refugiado independentemente de já lhe ter sido ou não concedido esse estatuto por meio de um processo legal (…)” e que um refugiado tem direito a um asilo seguro, beneficiando das mesmas condições de “qualquer outro estrangeiro a residir legalmente no país, incluindo direitos fundamentais que são inerentes a todos os indivíduos”.
Sabias que, de acordo com o direito internacional, o comandante de um navio tem a obrigação de salvar qualquer pessoa que esteja em perigo no mar? É verdade e o ACNUR recomenda que, mesmo os passageiros clandestinos que sejam apanhados a viajar num navio, devem ter direito a desembarcar no porto seguinte, para aí solicitarem o estatuto de refugiado.
Por tudo isto, dá para entender que a questão dos refugiados é um tema muito difícil e complexo, para o qual o Mundo precisa de continuar a encontrar respostas, soluções. Apesar dos passos já dados, do trabalho da ACNUR e de uma série de instituições governamentais e não-governamentais, muito tem de ser feito para que todos os seres humanos tenham, de facto, direito a uma vida digna.
Se te interessas por este tema, sugerimos-te que leias esta entrevista com Ana Rita Gil, especialista em Direitos Humanos dos Imigrantes, um artigo sobre algo que pode parecer óbvio e talvez não seja assim tanto – o que é a solidariedade – e, ainda, as páginas do ACNUR e da Amnistia Internacional na Internet.