Quais as razões para a guerra entre a Rússia e a Ucrânia?
Para compreender o conflito é preciso falar da União Soviética, da NATO, da Guerra Fria e do Euromaidan.
Abordar a guerra que estalou há dias na Europa, entre a Rússia e a Ucrânia, não é possível sem a ajuda da História e da Geografia.
Começando pela primeira: a Rússia e a Ucrânia são países irmãos. A Ucrânia fez parte da União Soviética, um bloco de várias repúblicas socialistas do leste europeu, que foi liderado pela Rússia e que tinha em Moscovo a capital.
Até 1991, altura em que a União Soviética (ou, para sermos mais precisos, a União das Repúblicas Socialistas Soviéticas – URSS) se desfez, este bloco era o maior país do mundo. Com um pé na Europa e outro na Ásia, a URSS correspondia sensivelmente a um sexto da superfície terrestre.
A força de um passado comum
Se é um facto que a URSS se desfez na última década do século XX, o mesmo não se pode dizer dos laços que uniam a população das várias repúblicas socialistas que se foram independentizando (em maior ou menor grau) da Rússia.
Trata-se de populações que partilharam um passado, uma cultura e uma língua comuns. Além disso, muitas famílias são formadas por membros de dois países. Isto quer dizer que há muitos ucranianos que têm familiares russos e vice-versa.
Esta realidade não impede, no entanto, que muitos habitantes das antigas repúblicas soviéticas nutram sentimentos negativos face à Rússia, que comandou os destinos da URSS com mão de ferro.
Um país dividido
Na Ucrânia, essa divisão entre os cidadãos sempre esteve bem patente. Havia os que queriam reforçar os laços com a Rússia e, portanto, aproximar-se mais do oriente e do seu regime autoritário, mas, por outro lado, havia quem fosse mais apologista de uma aproximação à União Europeia e, portanto, ao ocidente e ao seu modo de vida mais democrático.
Focando agora as atenções na Geografia, é importante notar que a Ucrânia tem uma localização no mapa muito particular que, aliás, está gravada no seu nome. Ucrânia significa ‘fronteira’ ou ‘confim’.
A linha fronteiriça ucraniana cruza-se com a de seis países: Rússia, Bielorrússia, Polónia, Eslováquia, Hungria, Roménia e Moldávia. Além disso, o seu território é considerável (corresponde sensivelmente à área ocupada por toda a Península Ibérica), o seu solo é fértil e tem importantes reservas de carvão e de minérios de titânio (essencial para a produção de aço). Todos estes fatores tornam a Ucrânia num território muito apetecível.
Um ‘escudo’ chamado Ucrânia
Há ainda um outro dado importante, relacionado com a geoestratégia (dados geográficos importantes para a definição de um plano militar): para a Rússia, a Ucrânia significa um espaço de segurança, uma espécie de escudo, face ao resto da Europa. O presidente russo Vladimir Putin considera o Velho Continente, e o ocidente de uma forma geral, uma ameaça séria à manutenção do seu regime autoritário.
Uma boa parte da guerra a que assistimos hoje entre Rússia e Ucrânia tem precisamente aqui a sua justificação.
Retomemos a História (que – refira-se – nunca está totalmente desligada da geografia), porque importa agora recordar o que é a NATO, país de que nem a Rússia nem a Ucrânia fazem parte, mas que paira sobre todo este conflito.
A herança da Guerra Fria
A NATO (Organização do Tratado do Atlântico Norte) é uma organização internacional que surgiu depois do final da II Guerra Mundial, em 1949, e que reuniu na sua fundação uma série de estados da Europa ocidental (entre os quais Portugal), os Estados Unidos da América (EUA) e o Canadá. Com esta aliança, política e militar, os países-membros garantiam a cooperação e a defesa conjunta face a um inimigo que os pudesse atacar, nomeadamente face à URSS.
É importante ter em conta que nesses anos do pós-guerra, os dois grandes vencedores da II Guerra Mundial dividiam o mundo entre si, em duas superpotências: de um lado o ocidente, liderado pelos EUA e, do outro, a URSS, liderada pela Rússia. Ambas as partes disputavam a supremacia global (queriam assumir-se como a principal força mundial), o que poderia ter dado origem a uma nova guerra à escala planetária. Isso nunca veio a acontecer e daí este período ter ficado conhecido como ‘Guerra Fria’.
Do lado soviético, em 1955, foi criado um acordo similar ao da NATO: o Pacto de Varsóvia, que foi extinto no mesmo ano da URSS, 1991.
‘Um por todos, todos por um’
A NATO manteve-se. De 12 países fundadores, a Organização do Tratado do Atlântico Norte evoluiu para os atuais 29 países membros. Hoje, coopera estreitamente com a União Europeia. A Organização continua a ter por objetivo resolver qualquer crise internacional que possa surgir, preferencialmente de modo pacífico. Mas se essa via da diplomacia e do diálogo, não for possível, pode implementar missões militares. A sua máxima, qual ‘Três Mosqueteiros’ de Alexandre Dumas, é que o ataque contra um dos seus estados-membros significa um ataque a todos eles e uma resposta conjunta.
Mesmo que a Ucrânia não faça ainda parte da NATO, o país vem revelando a vontade de fazer parte da Organização e é considerado um país amigo por esta. E isso é o que mais preocupa a Rússia e o presidente Putin que vê na possibilidade de ter ali mesmo ao seu lado um membro da NATO uma ameaça à sua segurança. O facto de a NATO já ter garantido que é apenas uma aliança defensiva (ou seja, o seu objetivo é exclusivamente de defesa, não tendo qualquer objetivo de ataque) não é nada que tranquilize o presidente russo. Putin afirma que nos anos 90 do século passado, a NATO lhe tinha dado garantias de que não se expandiria em direção ao leste, mas que não está a cumpri-las.
2013: a tensão intensifica-se
A insegurança de Putin tornou-se maior a partir de 2014. Nesse ano, o governo do então presidente ucraniano Viktor Yanukovytch, membro de um partido favorável à aproximação da Ucrânia à Rússia, foi derrubado. Em maio desse mesmo ano, mais de três quartos dos eleitores ucranianos que foram às urnas, escolheram Petro Poroshenko que tinha uma visão a favor de um estreitamento de laços da Ucrânia com o ocidente.
A aproximação do país ao ocidente iniciou-se um ano antes, em 2013. Em novembro, a decisão de Yanukovytch de suspender a assinatura de um acordo de associação e livre comércio entre a Ucrânia e a união Europeia, revoltou a população. Milhares de ucranianos protestaram nas ruas durante meses e houve uma centena de mortes. Este momento da história ucraniana ficou conhecido como ‘Euromaidan‘ e terminou em fevereiro de 2014 com o derrube do governo de Yanukovytch.
Os confrontos, porém, não terminaram com a queda do governo, mas passaram a estar mais concentrados nas zonas leste e sul da Ucrânia, na província de Donetsk e na Crimeia, uma república autónoma no sul da Ucrânia.
A anexação da Crimeia e a oposição internacional
Aí, uma parte da população favorável à aproximação do país à Rússia iniciou protestos. E logo em março de 2014, a Crimeia realizou um referendo, em que a população decidiu que queria ser anexada à Federação Russa. Foi isso que aconteceu, apesar de nem a Ucrânia nem a Comunidade Internacional reconhecerem esta decisão. A tensão nesses territórios prolonga-se desde então, há sete anos portanto.
Como se vê, a tensão entre a Rússia e a Ucrânia não começou ontem. Mas intensificou-se muito nas últimas semanas. A partir de novembro, a Rússia começou a colocar dezenas de milhares de militares armados e equipamento bélico ao longo da fronteira com a Ucrânia, o que dava a entender que uma invasão russa à Ucrânia poderia estar iminente.
Apesar dos esforços diplomáticos de vários líderes mundiais para que Putin não avançasse com a sua ofensiva, ela tornou-se realidade. Na madrugada do dia 24 de fevereiro as tropas russas invadiram a Ucrânia, atacando várias cidades e aeroportos. Aqueles que achavam que as guerras militares eram coisa do passado na Europa ficaram surpreendidos. Agora o mundo está de olhos postos na Ucrânia com esperança de que uma resolução diplomática para o conflito seja possível. E que a Rússia abrande as suas intenções depois de a comunidade internacional estar a impor ao país diversas sanções económicas.
Se quiseres saber mais sobre a Ucrânia lê este artigo. Aqui damos-te a conhecer o povo que habitou a península da Crimeia durante séculos e que hoje está em minoria nessa zona.