Conselho Deontológico fala em “caso isolado” de plágio no jornalismo português

Os membros do CD não responderam diretamente às questões sobre o procedimento da Direção Editorial do jornal Público e do provedor do leitor.

Por Joana Fillol

O Jornalíssimo endereçou emails a quatro entidades tentando obter a posição delas face ao caso que tem vindo a noticiar e que se iniciou com a denúncia de um plágio no jornal Público a 18 de setembro (*). Podes saber a razão pela qual é importante ouvir o que têm a dizer sobre o assunto cada uma destas entidades no artigo que já publicámos, intitulado “Quem vigia o chamado ‘Quarto Poder’, ou seja, o poder dos media e dos jornalistas?“.

Os emails foram enviados pelo Jornalísimo a 10 de outubro. A primeira resposta obtida foi a do Presidente do Conselho Deontológico (CD) do Sindicato dos Jornalistas (SJ), João Paulo Meneses.

Como explicámos na notícia “Presidente do Conselho Deontológico responde ao Jornalíssimo“, naquela mensagem, Meneses não respondia ainda a nenhuma questão colocada pelo nosso jornal. Esse email inicial enviado pelo Jornalíssimo pretendia apenas saber se o CD preferia que o nosso órgão de informação lhe remetesse as questões por escrito ou se teria disponibilidade para nos dar uma entrevista telefónica ou por Skype.

Contextualizando…

No entanto, nesse email, João Paulo Meneses adiantava já que o caso envolvendo o jornal Público não era visto pelo CD como sendo uma situação urgente e que merecesse uma tomada de posição célere (rápida) por parte do órgão a que preside. E isso já era notícia, do ponto de vista do Jornalíssimo.

Esse email, para o Jornalíssimo, tinha ainda valor-notícia pelo facto de João Paulo Meneses tentar limitar o Jornalíssimo no número de questões que poderia colocar ao Conselho Deontológico sobre este caso.

No correio eletrónico em questão, o presidente do CD avisava ainda o Jornalíssimo que as perguntas que endereçasse àquele órgão poderiam não ser respondidas num curto espaço de tempo. Na verdade, questionava se, perante essa possibilidade de a resposta ser demorada, o Jornalíssimo mantinha o interesse em colocar as questões.

Resposta rápida e sucinta

A possibilidade de ser demorada a resposta do CD ao Jornalíssimo, porém, não se verificou. Às doze perguntas enviadas na madrugada de 11 de outubro, o CD respondeu logo na tarde do dia seguinte. A 12 de outubro, portanto.

As respostas não ocupam mais do que cinco parágrafos (um deles com duas linhas apenas) e vêm assinadas desta vez pelo Conselho Deontológico (formado, além do presidente, por Carlos Camponez, jornalista free lance, tal como Meneses; Marcos Borga, jornalista da revista Visão; Susana Oliveira, jornalista da Agência Lusa e Raquel Martins, jornalista do jornal Público) e não apenas pelo seu presidente.

As primeiras quatro perguntas remetidas pelo Jornalíssimo (e que revelámos na íntegra no artigo sobre o presidente do CD a que já fizemos referência), começavam por questionar os membros daquela estrutura se tinham tido conhecimento do caso que envolvia o Público.

O CD afirma a este propósito: “Obviamente que os elementos do CD foram acompanhando, nas últimas semanas, os diversos desenvolvimentos”.

Não manifestação de opinião pública foi opção do CD

Esta era uma questão importante na medida em que nos permitia perceber se a ausência de uma tomada de posição pública por parte do CD sobre este assunto, até então, teria a ver com um desconhecimento do mesmo ou teria sido uma opção do órgão, já que o CD não necessita de qualquer queixa para se pronunciar sobre um assunto. Foi, portanto, opção do CD não se pronunciar.

E, por falar em queixa, o CD afirma não ter recebido qualquer queixa em relação a este caso.

O Jornalíssimo perguntou se não se poderia falar em censura a propósito do assunto em causa, na medida em que, como noticiámos aqui no Jornalíssimo a 4 de outubro, foram várias as redações do país que, até àquela data, tendo conhecimento do que se estava a passar, não tinham feito nenhuma notícia.

O CD recusa esse entendimento: “Se entendêssemos que poderia ter havido qualquer forma de censura por parte dos outros meios de comunicação social relativamente a este caso teríamos tomado posição”. E acrescenta de imediato: “Como bem sabe, cada meio de comunicação social fará uma avaliação diferente do que é ou não notícia”.

Entrevistas e entrevistas

Aqui abrimos um parênteses, para te explicar por que razão uma entrevista presencial (ou mesmo telefónica) tem sempre muito mais interesse e valor do que uma entrevista realizada à distância e por escrito. Num diálogo, o jornalista pode fazer perguntas a partir das respostas dadas, com maior facilidade.

Por exemplo, neste caso, se a entrevista ao CD ou a um seu representante tivesse sido feita por telefone, o Jornalíssimo teria questionado o CD se, nesta polémica iniciada com a denúncia de um plágio no jornal Público, não seria de estranhar que a tal “avaliação do que é ou não notícia” tivesse sido feita de igual forma por todos os meios de informação noticiosa contactados pelo Jornalíssimo. Isto é, todos terão considerado que o sucedido não tinha interesse para ser noticiado, ou, tendo podido até considerar que esse interesse existia (o Jornalíssimo não pode, obviamente, saber o que pensaram), optaram por não o tornar notícia, impossibilitando assim que o caso se tornasse do conhecimento dos seus leitores, ouvintes ou telespectadores.

Recordamos-te que foram 13 as redações contactadas pela leitora: Agência Lusa, RTP, RDP (estas duas detidas a cem por cento pelo Estado português, sendo portanto as chamadas estações de serviço público; a primeira – a agência Lusa – detida pelo Estado em pouco mais de 50% do seu capital), JN, DN, TVI, CNN, SIC, CMTV, Observador, Expresso, revista Sábado e revista Visão.

“Caso isolado”?

Parece justificar também o facto de o CD não se ter pronunciado publicamente sobre o caso, o que os seus membros escrevem ainda na nota que enviaram ao Jornalíssimo: “Consideramos que se trata, em primeiro lugar, de um caso isolado (relativamente ao jornalismo português em geral) e, depois, uma questão entre o Público, os seus jornalistas e os seus leitores – que podem e devem interessar-se das mais diversas formas, como aliás aconteceu pela investigação feita por si” (este ‘si’ regere-se à jornalista que escreve este artigo).

Ao contrário do que o CD afirma, este caso de plágio não é – e isso já foi tornado público há vários dias – um “caso isolado”. Logo quando a leitora que denunciou o plágio tornou o assunto público no seu mural de Facebook, transmitiu que este era já, pelo menos, o segundo caso de plágio no jornal Público, envolvendo o jornalista Vítor Belanciano. E facilitou o link para quem quisesse poder aceder a uma crónica do provedor do leitor do jornal Público de 2009, Joaquim Vieira, em que se dava conta desse outro caso de plágio. Entretanto, além destes dois, mais casos de plágio do jornalista em causa nas páginas do jornal Público foram conhecidos. Ver o artigo “Mais casos de plágio vêm à tona após denúncia de leitora do Público”.

Neste artigo, fica a perceber-se que os casos de plágio no jornalismo português poderão não envolver só um jornal e um jornalista do mesmo, mas mais jornalistas e mais jornais ou revistas portugueses a publicarem textos plagiados nas suas páginas.

Antes, o CD havia já considerado – sempre nesta mesma nota – que, à data em que escrevia (quarta, 12 de outubro), “o caso de plágio em apreço está devidamente esclarecido quer pela simultaneamente leitora, cidadã e jornalista do Jornalíssimo quer pela posição da Direção Editorial do Público quer ainda pelo próprio jornalista, autor das situações denunciadas”.

(Um aparte: se leste o artigo em que te contámos quais as questões que enviámos ao CD, deve ter-te soado familiar a expressão “simultaneamente leitora, cidadã e jornalista”. Apesar de o CD na sua nota a citar sem a colocar entre aspas, na verdade essa descrição fazia parte da pergunta enviada por nós àquela estrutura. A questão número 6 era a seguinte: “Perante a informação divulgada por toda esta investigação realizada pela simultaneamente leitora, cidadã e jornalista do Jornalíssimo, considera o CD que há razões de preocupação com o cumprimento das obrigações deontológicas, que competem a jornais e jornalistas, por alguns órgãos de informação nacionais?”.)

É, no entanto, importante realçar que a primeira frase da nota remetida ao Jornalíssimo pela CD começa recordando que “A posição do CD sobre o plágio no jornalismo é exatamente aquela que consta do Código Deontológico: ‘2.O jornalista deve combater a censura e o sensacionalismo e considerar a acusação sem provas e o plágio como graves falhas profissionais’ (sublinhamos as últimas palavras, para que não fiquem quaisquer dúvidas)”, lê-se.

O que ficou por responder na nota do CD enviada ao Jornalíssimo

Chegados aqui, já te transmitimos praticamente tudo o que o CD escreveu em resposta ao Jornalíssimo. Para tal, falta apenas citar esta frase que remata a mensagem: “Queremos ainda acrescentar que o CD não comenta, por princípio, decisões de outros órgãos de autorregulação”.

O Jornalíssimo supõe que, com esta frase final, o CD responde já – ou evita responder diretamente ou, ainda, considera que não lhe cabe pronunciar-se sobre – as questões 7 e 8, que interpelavam aquele órgão independente do Sindicato dos Jornalistas a manifestar uma posição sobre as duas crónicas que o Provedor do leitor do Público, José Manuel Barata-Feyo, dedicou ao assunto.

Se a entrevista tivesse sido realizada por telefone ou por zoom, o Jornalíssimo teria insistido também que o CD se pronunciasse mais a fundo sobre as questões 10, 11 e 12.

Que questões eram essas?

10) Estabelecendo o ponto 5 do Código Deontológico do Jornalista (CDJ) que “O jornalista deve assumir a responsabilidade por todos os seus trabalhos e atos profissionais, assim como promover a pronta retificação das informações que se revelem inexatas ou falsas” e, sendo a Direção Editorial do Público composta por jornalistas, considera o CD que a DE agiu em conformidade com o CDJ?

11) Estando escrito no próprio Livro de Estilo do jornal Público que
“O PÚBLICO-jornal não pode ignorar o PÚBLICO-sujeito da notícia por mais delicado que seja o assunto em causa”. E, também, que “Com a periodicidade indispensável, o espaço ‘O PÚBLICO Errou’ trará a correção dos erros ou imprecisões que tenha impresso nas suas páginas”. E, ainda, que “O PÚBLICO deve ter como preocupação ser leal para com os seus leitores”, o Jornalíssimo gostaria que o CD se pronunciasse sobre o facto de a DE do jornal Público ter esperado para esclarecer os seus leitores do ocorrido na crónica do Provedor do Leitor em vez de dar imediatamente conhecimento do caso aos leitores do próprio jornal?

12) O Jornalíssimo sabe de fonte segura (e tem provas) de que a DE tentou silenciar o caso mesmo internamente, não dando conhecimento dele durante largos dias, nem à generalidade dos jornalistas, nem sequer aos editores. Que comentário tem o CD a fazer sobre este procedimento da DE?

Estas três questões, o Jornalíssimo considera não estarem claramente respondidas pelo CD.

No entanto, como já tivemos oportunidade de te explicar no artigo “Presidente do Conselho Deontológico responde ao Jornalíssimo”, da mesma maneira que “existe o direito de perguntar, também existe o direito dos entrevistados a não responder. Apesar de que, uma não resposta é também uma resposta. Todos os jornalistas o sabem bem. Daí que se o/a jornalista fizer uma pergunta incómoda e não a vir respondida pelo entrevistado, ele/ela tem o dever de comunicar essa informação ao leitor, se for algo de relevante para a história.”

O Jornalíssimo considera que o não pronunciamento claro do Conselho Deontológico sobre estas três questões é uma informação relevante para ti, enquanto leitor/a, para que possas formar a tua opinião, o teu juízo sobre este caso. Como tal, deixa aqui essa nota.

Mas todo este assunto não foi já noticiado pelos media?

Alguns jornais publicaram, de facto, algumas notícias sobre este caso. No entanto, o Jornalíssimo está a preparar um artigo em que te dá a entender melhor por que razão a maioria dessas notícias poderia ter ido bem mais longe na explicação do que se está a passar em torno deste caso. Quase todas as notícias até agora divulgadas dão apenas conta de que o Direção Editorial do Público emitiu no dia 10 uma nota, na qual informava que decidira suspender o trabalho de Vítor Belanciano na sequência do conhecimento de mais do que um caso de plágio por parte do jornalista. Algumas notícias, contam a história da denúncia inicial feita pela leitora, mas não revelam desenvolvimentos essenciais para que os leitores, ouvintes e telespectadores possam formular a sua opinião de uma forma bem informada e esclarecida, do ponto de vista do Jornalíssimo.

Entretanto, a Direção do Sindicato dos Jornalistas já enviou uma lacónica mensagem ao Jornaslíssimo e a Comissão da Carteira Profissional de Jornalista respondeu às questões que lhe remetemos. Daremos conta de ambas as mensagens que nos fizeram chegar por email em breve. Até ao momento, das quatro entidades que contactámos, apenas a Entidade Reguladora para a Comunicação não respondeu ainda ao Jornalíssimo.

Note-se que, até este momento (passa pouco das 17h30 de domingo, dia 16), no site do Sindicato dos Jornalistas (SJ) não há qualquer notícia a informar quem o visite sobreeste assunto e, mesmo na parte do site do SJ reservada às notícias do Conselho Deontológico (Print screen acima), não se encontra qualquer referência ao assunto.

Fotos: Joana Fillol/Jornalíssimo

(*) Esse plágio foi denunciado pela leitora Joana Fillol, que é também a diretora e única jornalista do jornal digital para crianças e jovens, Jornalíssimo. Por ter estado diretamente envolvida no episódio, uma vez que foi ela quem denunciou o caso e insistiu com o jornal Público para que este tomasse as medidas que o Código Deontológico do Jornalista e o próprio Livro de Estilo preveem, tentou que outros jornalistas e redações nacionais do país pegassem na história que, a seu ver, tinha valor-notícia, ou seja, deveria ser noticiado, por se tratar de uma questão relacionada com a liberdade de imprensa e com os códigos de ética e deontologia que regem o jornalismo. Vendo que todas as redações e os jornalistas que contactou não manifestaram interesse em noticiar o caso, e por ela considerar que este tema é de interesse público, decidiu que seguiria a sua missão como jornalista, contando o que se estava a passar no jornal que fundou em 2015. Deu logo conta desta situação aos leitores no primeiro artigo que escreveu sobre este caso, a 4 de outubro de 2022: Redações calam escândalo no jornalismo português.

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