É importante aprender Latim e Grego?

Falámos com o Professor Mário Martins, do Liceu Camões, em Lisboa, sobre a importância de estudar línguas e culturas clássicas.

Se fosses aluno de Mário Martins saberias que o Latim não é uma língua morta. O professor de Português e Latim no Liceu Camões, em Lisboa (uma das poucas escolas a nível nacional em que o ensino da língua clássica se mantém), rejeita vigorosamente tal afirmação. Costuma dizer que “há latim à solta em cada momento”, mas só quem está atento e conhece a língua se apercebe.

Há 20 anos a ensinar Latim (já lecionou também Grego), o professor defende que a aprendizagem das línguas e culturas clássicas deveria ser obrigatória.

Vê por isso com um “agrado” apenas “comedido” a nova disciplina “Introdução à Cultura e Língua Clássicas”, apresentada pelo Ministério da Educação e Ciência (MEC) na semana passada.

JORNALÍSSIMO – Se tivesse de enumerar três razões para um jovem escolher as disciplinas de Latim e Grego, quais seriam?


MÁRIO MARTINS – Três em um: a importância de conhecer o nosso passado para melhor conhecer o presente e preparar o futuro.

J – Pode explicar melhor?
MM – O futuro faz-se do passado e se há algo que temos de fazer sempre é não perder a memória (patrimonial, cultural, linguística) e as raízes que nos trazem ao presente. Diria mesmo que é um caso de dever público.
Em Portugal, nos últimos 20-30 anos, e no que às línguas clássicas diz respeito, foi-se fazendo o inverso.

J – Esta medida do MEC para promover o ensino do Latim e do Grego no ensino básico vai alterar essa tendência?
MM – A nova componente “Introdução à Cultura e Línguas Clássicas” (ICLC) é um passo para inverter o que se tem vindo a fazer.
A onda que está no ar é que os alunos do ensino básico passam a aprender Latim e Grego. É redondamente mentira! Trata-se de uma disciplina de oferta complementar (no caso do 1.º ou 2.º ciclos) ou oferta de escola (no 3.º ciclo).
Esperemos que tenha a aceitação e o carinho das escolas, dos pais e dos encarregados de educação. Estou convencido que os alunos – sobretudo no 2.º e 3.º ciclos, onde me parece ter mais sentido a implementação de ICLC- a vão querer, caso as escolas e agrupamentos a ofereçam. Sei que há agrupamentos de escolas que a vão ter no 5º e no 9º anos, para todos os alunos. É excelente!

J – O Latim e o Grego podem ser uma mais-valia para um aluno encontrar emprego no futuro?
MM – Sem dúvida: dá competências linguísticas, culturais e humanas imprescindíveis a qualquer pessoa. Latim é sinónimo de rigor, estudo, método, saber/conhecimento, capacidade de análise e de síntese do mundo, fonte de valores e ideias de vida para todos vivermos felizes.

J – Há a ideia de que o Latim é um língua morta. É verdade?
MM – Não! Rejeito tal afirmação. A expressão (infeliz) decorre tão só do facto de ser uma língua que não é falada regularmente entre nós e na maior parte do mundo. Mas em Inglaterra, na Alemanha e na Finlândia, há muitos casos de latim falado, de latim coloquial hoje. Por exemplo, na rádio nacional finlandesa há a rubrica ‘Nuntii Latini‘, toda ela em latim clássico.

J – O facto de por cá estas línguas terem perdido força revela algo sobre o país e sobre o nosso sistema de ensino?
MM – Claro que revela. Desde sempre o Latim e o Grego foram vistos como línguas de elite, matérias dificílimas, ao alcance só de alguns. Mas pergunto: a Matemática, a Biologia e a Genética também não são de elite, vistas por este prisma? Eu só conheço aquilo que posso ou quero saber.
Estamos a falar das línguas basilares da nossa identidade. Não se pode esquecer a matriz da nossa civilização. A cultura clássica, via Latim e Grego, inspira-nos sempre. Isto é elitismo?
Como defende Young, todo o “conhecimento poderoso” é, por natureza, elitista e acrescenta alguma coisa às origens. Este “elitismo para todos” é que deve ser a preocupação de todos os intervenientes no processo educativo – alunos, pais, professores, escolas, Ministérios da Educação, Governo, etc. Esta sim é uma caminhada no sentido da igualdade de oportunidades.

J – Acha então que a medida tomada pelo MEC deveria ir mais além?
MM – Eu defendo que o estudo das línguas e culturas clássicas deveria ser obrigatório no ensino obrigatório, no 9º ou no 12º anos. Para todos, sem exceção.
Como refere Georges Steiner, no livro “Elogio da Transmissão”, “a humanidade é herdeira de uma civilização. Todos os educadores têm obrigação moral de assegurar que o conhecimento poderoso se mantenha vivo, seja transmitido, criticado e atualizado para ser útil às pessoas e à sociedade”. Acredito que é por aqui o futuro já hoje. Estamos sempre a tempo de começar ou recomeçar a caminhada.

J – E a que atribui esta falta de alunos interessados na aprendizagem do Latim e do Grego?
MM – À falta de oferta curricular pelas escolas; à falta de coragem de muitas direções de escolas e agrupamentos para, pelo menos, disponibilizar a possibilidade de abrir a opção Latim e/ou Grego (se ela não aparece como oferta, ninguém se lembrará dela também); à falta de informação clara e transparente sobre a utilidade destas áreas do saber. Além disso, há o tal “estigma” de que saber Latim e Grego é elitista.

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