As leis da reforma agrária: da revolução à sua contenção

A “revolução” é a de 25 de Abril de 1974, a “contenção” é a que resulta do 25 de Novembro de 1975.

Por Constantino Piçarra * – Instituto de História Contemporânea da Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa

No âmbito do processo revolucionário que se desenvolve em Portugal no seguimento do golpe militar de 25 de Abril de 1974, os trabalhadores rurais dos campos do Sul organizam-se em sindicatos, exigindo dos proprietários agrícolas melhores salários e garantia de emprego. É do desenvolvimento da luta em torno destas reivindicações que, a partir do início do ano de 1975, ocorre um movimento de ocupações de terras no Sul do país o qual impõe ao Estado a realização da reforma agrária.

Assim, a legislação que institui a reforma agrária, da autoria do IV Governo Provisório (1)  é, desde logo, condicionada no seu desenho pela realidade existente no terreno, imposta pelos trabalhadores.

Esta legislação, assente em quatro diplomas legais (2), estabelece as normas de expropriação da grande propriedade agrícola, nacionaliza as herdades beneficiadas pelos aproveitamentos hidroagrícolas construídos pelo Estado Novo e define os requisitos necessários ao reconhecimento, por parte do Estado, das novas unidades de produção geridas coletivamente pelos trabalhadores.

É uma legislação de natureza antilatifundista e anticapitalista que visa criar uma estrutura fundiária nos campos do Sul onde o capitalismo agrário detivesse apenas 10% da terra arável, contra 25% dos pequenos e médios agricultores e 65% dos trabalhadores agrícolas, organizados em cooperativas e unidades coletivas de produção.

Da alteração da correlação de forças no plano político e militar que conduz ao 25 de Novembro de 1975 e à derrota da revolução, resulta a institucionalização da democracia ao longo do ano de 1976 e a contenção do processo revolucionário por via legislativa.

É neste quadro que surge a segunda lei da reforma agrária, na vigência do I Governo Constitucional, a Lei 77/77, mais conhecida pela “Lei Barreto” (3) que, ao contrário da primeira legislação, privilegia o sector capitalista da agricultura, numa inversão total em relação aos objetivos das leis da reforma agrária do IV Governo Provisório, uma vez que se pretende entregar ao elemento capitalista 43% da terra agrícola dos campos do Sul, ficando 25% para a pequena e média produção e 32% para a exploração coletiva dos trabalhadores.

Com a reforma agrária liquidada, processo iniciado com Lei 77/77, Portugal adere, em 1986, à Comunidade Europeia num contexto em que pouco se espera da agricultura para o desenvolvimento do país. A questão da terra, central a seguir ao 25 de Abril, perde importância e as atividades agrícolas vão-se transformando numa realidade cada vez menos produtiva, o que origina um reforço da dependência do país em relação ao estrangeiro em matéria alimentar.

(1) O IV Governo Provisório, cuja vigência decorre de 26 de Março a 8 de Agosto de 1975, data em que toma posse o V Governo Provisório, é um Governo de coligação onde estão representados o Partido Comunista Português, o Partido Socialista e o Partido Popular Democrático, mais tarde Partido Social Democrata.
(2) DL n.º 406-A/75; DL n.º 407-A/75; DL n.º 407-C/75 e DL n.º 406-B/75.
(3) Referência ao ministro da Agricultura do I Governo Constitucional, António Barreto.
 
FOTOS: 1) Trabalhadoras agrícolas da reforma agrária; 2) Trabalhadores da reforma agrária. Baleizão, concelho de Beja. Fotografia de Frieder Bauer.

(*) Este artigo foi escrito no âmbito da parceria entre o Laboratório de História do Instituto de História Contemporânea (IHC), da Faculdade de Ciências Sociais e Humanas, da Universidade Nova de Lisboa – e o Jornalíssimo, com coordenação de Ana Paula Pires, Luísa Metelo Seixas e Ricardo Castro.

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