As mulheres trabalhadoras e o 25 de Abril
Os direitos políticos e sociais das mulheres chegaram com a Revolução de 1974. A legislação criada abriu-lhes novas perspetivas no mercado de trabalho.
Por Virgínia Baptista*
Historicamente, o trabalho das mulheres está articulado com a escolarização, a maternidade e a proteção social. Como demonstrou a historiadora francesa Michelle Perrot, as mulheres sempre trabalharam (1). Contudo, o aumento progressivo das mulheres no mercado de trabalho remunerado, em Portugal, dá-se a partir do 25 de Abril com a implantação da democracia.
Em 1974, a nível nacional, as mulheres eram 25% dos/as trabalhadores/as. No entanto, as taxas de analfabetismo eram ainda muito elevadas, de 31% para as mulheres. Contudo, apesar de só uma minoria dos/as jovens entre os 18 e os 25 anos frequentarem as universidades, as raparigas representavam já 40% dos/as estudantes. Os motivos prendem-se com o estímulo das famílias para elas poderem escolher uma profissão e também pela consciência adquirida por algumas raparigas de que só pela qualificação atingiriam a emancipação económica, numa sociedade patriarcal, que ainda menorizava as mulheres.
A 25 de Abril de 1975 realizaram-se as eleições para a Assembleia Constituinte que foram pela primeira vez livres e com sufrágio universal.
A caminho da independência económica
Em 1976, a Constituição estipulou a igualdade entre todas as pessoas. No ano seguinte, pelo novo Código Civil desaparece a figura do “marido como chefe de família”, o que consagrou a igualdade da mulher na família.
A democracia permite, assim, muitos direitos às mulheres, nomeadamente para as mulheres trabalhadoras, alguns já reivindicados desde a ditadura, como por exemplo pelo Movimento Democrático das Mulheres (MDM), fundado em 1968.
Logo a partir de 1974 muitas mulheres aprenderam a ler e a escrever, para o que contribuíram as campanhas de alfabetização por todo o país, outras concluíram a 4.ª classe (no Estado Novo, teoricamente, só era obrigatório estudar até à 3.ª classe) para poderem concorrer a empregos e/ou tirarem a carta de condução. Foi assim que as mulheres adquiriram independência económica, ocuparam o espaço público das cidades e das vilas (até aí reservado aos homens), tiveram voz pública nos sindicatos, nas empresas, fábricas, nas associações de moradores/as e de trabalhadores/as e nos campos, principalmente nas Unidades Coletivas de Produção (UCP’s), com a Reforma Agrária, no sul do país (1975-1977).
Igualmente, as mulheres tomaram consciência das questões da esfera privada, até aí raramente proferidas, relacionadas com o conhecimento do corpo, das sexualidades e do planeamento familiar, de que são reflexo as denúncias sobre os assédios e as violências laborais e domésticas.
Se até 1974, maioritariamente se nascia em casa e em média cada mulher tinha 3 filhos, na atualidade, nasce-se nas maternidades e em hospitais, com os direitos que advêm do Serviço Nacional de Saúde (SNS).
Deste modo, as raparigas e as mulheres decidem sobre as suas qualificações académicas, a construção das carreiras e, na área familiar, sobre o número de filhos/as que pretendem. Algumas profissões mais qualificadas são já atualmente predominantemente femininas como a docência, a enfermagem, a medicina, a advocacia e as magistraturas. De relevar que só após o 25 de Abril as mulheres entraram em profissões que lhes estavam vedadas: magistraturas, diplomacia e Forças Armadas.
Os desafios continuam…
Em 2021, pelos Recenseamentos Gerais da População verifica-se que as mulheres são já praticamente metade da população ativa, 49,5% dos/as trabalhadores/as. Também as raparigas são maioritárias no ensino superior e entre os/as diplomados/as.
Indelevelmente, o 25 de Abril de 1974 contribuiu para a escolarização e a qualificação das mulheres, implementou o SNS para toda a população e a legislação da parentalidade beneficiou as mães trabalhadoras e os pais nos cuidados aos recém-nascidos, estimulando os homens a exercerem os serviços domésticos em casa.
Contudo, ainda na atualidade há um grande desafio imposto às mulheres no mercado de trabalho. Segundo os dados da Comissão para a Cidadania e a Igualdade de Género (CIG), em 2021, a diferença do salário médio entre homens e mulheres foi de 13,1%, desfavorável às mulheres, o que corresponde a uma diferença de 150,30 euros mensais. Igualmente, à medida que se ascende na pirâmide das empresas e instituições encontram-se menos mulheres nas chefias, devido ao denominado “teto de vidro”, ou seja, uma barreira invisível que dificulta a ascensão profissional das mulheres até aos cargos de chefias das instituições. Como explicar esta situação 50 anos após a implementação da democracia?
Apesar dos direitos adquiridos pelas mulheres, a sociedade mantém-se patriarcal e sexista. Há que derrubar as ideias que consideram o trabalho doméstico em casa ainda uma atividade feminina. Ou seja, consideramos que só quando a partilha das tarefas e cuidados, em casa, for igual entre homens e mulheres, haverá uma verdadeira emancipação das mulheres que lhes permitirá o acesso ao mercado de trabalho em igualdade com os homens.
(1) Michelle Perrot, Uma história das mulheres, Lisboa, ed. Asa, 2007, pp. 119- 147.
Foto de abertura:
As primeiras eleições livres, com sufrágio universal, em Portugal, realizaram-se a 25 de Abril de 1975, aquando da eleição da Assembleia Constituinte. Foto: Arquivo Diário de Notícias
(*) Este artigo foi escrito no âmbito da parceria entre o Laboratório de História, Territórios e Comunidades – CFE NOVA FCSH e o Jornalíssimo, com coordenação de Maria Fernanda Rollo.