De Roma a Lisboa: os tratados europeus
Quantos foram? Quando foram assinados? Em que consistiram? Fica a saber tudo em mais um artigo da rubrica ‘História e Europa’.
Por Fátima Pacheco* – ISCAP, CIIDH – Universidade do Minho
O sonho de unir a Europa: Romanos, Carolíngeos, Napoleónicos e Nazis viram as suas ambições desfeitas pela límpida certeza que a força não une os povos. Exausta e sucumbida nos seus escombros, após as sangrentas guerras que dilaceraram o velho continente, a Europa parecia sem futuro. Porém, a vontade de que o barbarismo jamais descesse sobre nós fez com que os Estados se organizassem para se reconstruirem a nível económico, político e militar.
O Tratado de Paris, de 1951: a Comunidade Europeia do Carvão e do Aço (CECA) foi o tempo da esperança. Em Maio de 1951, o primeiro-ministro francês Robert Schuman propôs instituir uma Comunidade que colocaria a produção do carvão e do aço – indústrias de base – sob a gestão e controlo supranacional de uma Autoridade Comum. O projeto viabilizava o arranque económico, resolvia as quezílias franco-alemãs e desbloqueava o processo da reconstrução europeia. A CECA, primeira comunidade europeia, ligava os países do Benelux (Bélgica, Países Baixos e Luxemburgo), França, Alemanha e Itália, no seio de um projeto comum que trilhava o caminho do federalismo funcional. Ou seja, ambicionava lançar “(…) os primeiros fundamentos de uma comunidade mais larga e mais profunda (…)” entre os europeus. O Tratado entrou em vigor em 1952.
Os Tratados de Roma, de 1957: a Comunidade Económica Europeia (CEE) e a CEEA foram a hora do mercado. O Tratado de Roma, assinado em 1957, criou a CEE. No mesmo dia, foi instituída a Comunidade da Energia Atómica, que se cingia ao sector da energia nuclear a utilizar para fins pacíficos. Ambos os tratados entraram em vigor em 1958. A CEE estabelecia uma União Aduaneira com vista a criar um Mercado Comum europeu, assente nas quatro liberdades (mercadorias, pessoas, serviços e capitais). O seu funcionamento implicava políticas comuns comunitárias e a harmonização de políticas nacionais.
As Comunidades foram-se alargando sucessivamente. O primeiro alargamento recebeu o Reino Unido, a Irlanda e a Dinamarca (1973), o segundo a Grécia (1981), o terceiro Portugal e Espanha (1986), o quarto a Áustria, Finlândia e Suécia (1995), o quinto a República Checa, Chipre, Eslováquia, Eslovénia, Estónia, Hungria, Letónia, Lituânia, Malta e Polónia (2004), a que se juntaram a Bulgária e a Roménia (2007), e, finalmente a Croácia (2013). Atualmente estão pendentes negociações para a adesão de novos membros (Turquia, Albânia, Macedónia, Montenegro, e Sérvia), e para a retirada do Reino Unido (Brexit).
O Ato Único Europeu, de 1986, continuou a dinâmica da integração. Este tratado introduziu alterações que passaram pelo respeito pela democracia, pela coesão económica e social, pela cooperação política e pela transfiguração do Mercado Comum em Mercado Interno, definido como “um espaço sem fronteiras internas, no qual a livre circulação das mercadorias, das pessoas, dos serviços e dos capitais” ficava assegurada. Este tratado entrou em vigor em 1987.
O Tratado de Maastricht, de 1992 foi um avanço na integração política. Este tratado criou a União Europeia (U.E.) e entrou em vigor em 1993. A nova UE sustentava-se numa estrutura tripartida: um primeiro pilar fundava-se nas Comunidades Europeias, e estabelecia a União Económica e Monetária (UEM) e a moeda única (Euro), o Sistema Europeu de Bancos Centrais (SEBC) e o Banco Central Europeu (BCE). Foram, também, consagrados os direitos de cidadania e a proteção dos direitos fundamentais. No segundo e terceiro pilar surgiram a Política Europeia de Segurança Comum (PESC) e a Cooperação na Justiça e assuntos internos (CJAI), novos domínios de cariz intergovernamental.
O Tratado de Amesterdão, de 1997, viabilizou o avanço na humanização da União. O novo tratado iniciou a aproximação dos pilares. Entre as várias alterações introduzidas destacou-se o reforço do fundamento democrático e o Estado de Direito, a incorporação do Acordo Social e do acervo Schengen bem como a introdução da flexibilidade. O tratado entrou em vigor em 1999.
Uma Europa alargada foi o essencial do Tratado de Nice, de 2001.O alargamento a leste ultimou uma profunda reforma institucional. A “negociação do voto” era muito importante pois é no sistema de decisão que os Estados “ganham ou perdem” mais protagonismo nos desígnios da Europa. O novo tratado entrou em vigor em 2003. Esta revisão, entre outras inovações, reforçou a defesa dos princípios da União, criou estruturas operacionais de gestão de crise (por exemplo, Comité Militar), uma unidade de juízes europeus (Eurojust), e viu proclamada a Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia (CDFUE).
Finalmente, o Tratado de Lisboa, de 2007 foi o renascimento da esperança. Após os referendos negativos sobre o “Tratado que Estabelecia uma Constituição para a Europa” (TECE), em 2005, a Europa mergulhara em crise. Após uma pausa de dois anos para reflexão, a Europa viu surgir um novo Tratado Reformador, assinado em Lisboa (Mosteiro dos Jerónimos), despido de linguagem de natureza constitucional. Doravante conhecido por Tratado de Lisboa, entrou em vigor em 2009. A UE adquiriu uma estrutura unitária, sucedendo às Comunidades (CEE deixou de existir) juntando o que Maastricht separara! A nova União surgiu vinculada aos direitos fundamentais (onde se incluem os previstos na Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia), aos valores europeus e conhece uma ampliação de objetivos (políticos, económicos, sociais, ambientais), além de novas políticas para a sua implementação. Trata-se de uma União de Estados e de cidadãos em prol da construção de um futuro comum, assente numa identidade europeia! Por outro lado, trata-se de uma União de Direito, pois as suas regras aplicam-se diretamente aos cidadãos e gozam de preferência de aplicação relativamente ao direito interno incompatível.
A Europa não se fez de um só golpe mas, como por feitiço, regressou à sua substância e à sua genialidade: a ideia da Europa! Oxalá este sonho nunca deixe de ser sonhado, porque pela primeira vez na história o homem pôs fim à barbárie e traçou o seu destino, no respeito de um Direito comum a todos nós.
(*) A rubrica “História e Europa” é publicada ao dia 20 de cada mês e dedicada às ideias e aos protagonistas do projeto europeu. Resulta de uma parceria entre o Instituto de História Contemporânea da Universidade de Lisboa (IHC – UNL) e o Jornalíssimo e tem a coordenação científica de Isabel Baltazar e Alice Cunha, doutoradas em História pelo IHC-UNL.