O regicídio de 1 de fevereiro de 1908

Há 110 anos, o Terreiro do Paço foi palco de um dos episódios mais marcantes da história política do século XX português.

Por Maria Alice Samara*

Desde que o rei D. Carlos I e o seu filho, D. Luís Filipe, foram mortos no Terreiro do Paço, no primeiro dia de fevereiro de 1908, muito se escreveu sobre o atentado. Circularam teorias várias – umas implicavam diversas personalidades republicanas nos acontecimentos, outras apontavam possíveis cúmplices.

Com segurança, o que podemos afirmar é que Costa e Buíça, os regicidas, eram republicanos e pertenciam à Carbonária (uma organização secreta que lutava pelo fim da monarquia).

Nesse dia 1 de fevereiro de 1908, esperava-se em Lisboa o regresso do rei D. Carlos I, da rainha D. Amélia e de D. Luís Filipe, vindos de Vila Viçosa.

Como recordou o escritor Raul Brandão, nas suas ‘Memórias’, estava uma “(…) tarde linda, azul, morna, diáfana.” O vapor ‘D. Luís’ atracou na estação de Sul e Sueste, onde D. Manuel, membros do governo, políticos e uma parte da corte aguardavam a chegada da família real.

O ambiente político estava carregado depois da falhada “Revolta da Biblioteca” (a revolução de 28 de janeiro desse ano, que unira dissidentes progressistas e republicanos). Na sequência deste episódio, o Rei tinha assinado um decreto que foi entendido pela Lisboa republicana como uma possível condenação ao desterro dos líderes republicanos que estavam presos.

Percebe-se, assim, o comentário que a duquesa de Palmela, que esperava também a família real no Terreiro do Paço, sussurrou ao ouvido de João Franco, ao tempo presidente do Ministério (que abandonara as pretensões de governar “à inglesa”, ou seja, aprofundando a democracia, para iniciar um período de maior dureza e governando em ditadura): “Não haverá perigo?”

 

A família real subiu para o landau. D. Carlos sentou-se ao lado da rainha; à sua frente Luís Filipe, com o irmão, Manuel. Aquele que viria a ser o último rei de Portugal escreveria mais tarde nas suas ‘Notas absolutamente íntimas’, que ouviu um primeiro tiro, à laia de sinal, como se fosse o início de uma “batida às feras”.

Manuel Buiça, de longas barbas, surgiu da retaguarda, abriu as abas do capote e, com uma espingarda ‘Winchester’, fez fogo. Alfredo Costa, vindo das arcadas, aproximou-se do landau, pôs o pé no estribo e disparou.

Conta Aquilino Ribeiro que a carruagem real “(…) largou à desfilada, seguida pelas outras, tomadas de terror.” A ideia era levar a família real para o Arsenal da Marinha, onde existia um posto médico, mas D. Carlos já estava morto quando cruzou a entrada. O príncipe Luís Filipe morreu pouco depois. Atingido no braço direito, D. Manuel sobreviveu. No Terreiro do Paço, instalara-se a confusão, com a atuação violenta das forças da ordem. Costa e Buiça são mortos no local.

 

O filho mais novo de D. Carlos foi proclamado rei. O governo de João Franco caiu e o Conselho de Estado decidiu que a melhor solução era a constituição de um “governo de acalmação”, com representantes dos vários partidos monárquicos.

A “Monarquia Nova”, de D. Manuel II, não conseguiu, no entanto, suster o crescendo republicano e a 5 de outubro de 1910 a República foi implantada em Portugal.

Fotos 2 e 3: Ilustração Portuguesa, nºs 103 e 106

(*) Este artigo foi escrito no âmbito da parceria entre o Laboratório de História do Instituto de História Contemporânea (IHC), da Faculdade de Ciências Sociais e Humanas, da Universidade Nova de Lisboa – e o Jornalíssimo, com coordenação de Ana Paula Pires, Luísa Metelo Seixas, Ricardo Castro e Susana Domingues.

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