Manuel Carvalho e Direção Editorial do Público mentiram aos leitores
Diretor e diretores-adjuntos ocultaram, ainda, durante dez dias o que se passava à própria redação. Em causa o plágio de Vítor Belanciano.
Por Joana Fillol
O Jornalíssimo teve acesso às atas do Conselho de Redação do jornal Público, relativas às reuniões dos dias 20 de setembro e 4 de outubro deste ano. A ata de dia 20, uma terça-feira, aconteceu dois dias depois de a leitora do Público (*) ter denunciado o plágio do jornalista Vítor Belanciano (VB) ao diretor do jornal Público, Manuel Carvalho (MC), e ao provedor do leitor do jornal, José Manuel Barata-Feyo, num email conjunto, em que incluiu também o próprio jornalista que fez o plágio.
Na ata de dia 20 de setembro, porém, nada consta acerca do plágio de Vítor Belanciano nas páginas do Público, mostrando que a redação do jornal não tinha ainda conhecimento do que se estava a passar, nem foi informada pelo diretor nessa reunião. Recorde-se que a crónica de VB contendo o plágio foi publicada no suplemento P2 do jornal Público no dia 18 de setembro e, ainda na manhã desse dia, denunciada pela leitora ao diretor, provedor e jornalista.
Se não sabes o que é um Conselho de Redação (órgão presidido pelo diretor do jornal e composto por jornalistas eleitos por toda a redação para a representarem), espreita esta página do Sindicato dos Jornalistas, onde podes ficar a perceber melhor quais são as funções deste órgão consultivo do jornal e constatar que, entre elas, está a função de “pronunciar-se sobre questões deontológicas ou outras relativas à atividade da redação”.
As atas do Conselho de Redação de que te vamos falar ao longo deste artigo são assinadas pelos jornalistas Alexandre Martins, Aline Flor, Ana Dias Cordeiro, Cláudia Carvalho Silva, Mariana Oliveira, Renata Monteiro, Sérgio Aníbal, além do próprio diretor do jornal. Do Conselho de Redação do Público faz ainda parte Inês Nadais que – lê-se logo no início da ata do dia 4 – “pediu escusa da reunião por ser editora da Cultura, onde tutela o jornalista visado”.
Ocultação do plágio aos próprios jornalistas do Público
Na ata da reunião do Conselho de Redação (CR) do jornal Público de 4 de outubro, fica a saber-se que os membros do CR só foram informados por Manuel Carvalho do caso de plágio a 28 de setembro, quarta-feira. Ou seja, dez dias após a publicação do artigo plagiado e dez dias após a receção da denúncia da leitora do Público.
Este facto revela que Manuel Carvalho e a Direção Editorial do jornal Público ocultaram deliberadamente o assunto à própria redação do jornal durante dez dias. Note-se, ainda, que o diretor só revela ao Conselho de Redação o episódio de plágio envolvendo VB, após perceber duas coisas: 1) que, após uma semana da publicação do artigo contendo o plágio e sem que a Direção Editorial tivesse feito o que lhe competia (tirar o artigo em causa do online ou, mantendo-o, colocar lá uma nota a alertar os leitores do sucedido e escrevendo no jornal um aviso a admitir que o Público errou), a denunciante do caso continuava indignada e lhe escreveu a dizer que, perante a inação do Público, iria fazer queixa formal ao provedor do leitor; 2) que a queixa que a leitora lhe prometera, por email, fazer ao provedor, apelando à intervenção desta figura, tinha sido de facto apresentada.
Ou seja, enquanto as mensagens da leitora se dirigiram apenas ao diretor do jornal, Manuel Carvalho, este nada transmitiu à redação.
Explicando melhor…
No domingo, dia 25 de setembro – ou seja, exatamente uma semana passada desde que havia escrito ao diretor do jornal, ao jornalista VB e ao provedor do leitor, a denunciar o plágio – a leitora escreveu novo email, desta vez dirigido apenas a Manuel Carvalho, expressando-lhe a sua indignação: uma semana passada sobre a denúncia do plágio, o artigo em questão continuava online como se fosse da autoria exclusiva de Vítor Belanciano e o único pedido de desculpas que tinha havido era uma nota de rodapé na crónica do jornalista, desse dia, 25 de setembro, escrita pelo próprio VB, tentando fazer crer aos leitores que, em vez de um plágio, o que se tinha passado fora um mero lapso.
Nesse mesmo email, de dia 25, a leitora transmitia também o seu descontentamento por achar que Manuel Carvalho estava a compactuar com o jornalista na tentativa de branquear um plágio. A mensagem terminava com a leitora a comunicar ao diretor que sentia o “dever cívico de não se calar” e que, dado o facto de ele, Manuel Carvalho, não ter cumprido o que lhe havia prometido na semana anterior (MC assegurara-lhe, por escrito, no dia 19 de setembro que, perante uma situação como a denunciada, o princípio do jornal era assumi-la “em público e tirar daí as devidas consequências”) iria tornar o assunto público e escrever novo email ao provedor, desta vez solicitando a José Manuel Barata-Feyo que se pronunciasse sobre o assunto.
Manuel Carvalho responde à leitora na madrugada de segunda, dia 26. Escreve-lhe: “Como deve imaginar, é difícil gerir uma falha destas, até porque em causa está um jornalista prestigiado que teve de reconhecer uma das mais graves falhas assacáveis a um jornalista: um plágio. Aquele PS do texto de hoje [referia-se à crónica de VB publicada no dia 25] é mais do que suficiente para tirar o sono a qualquer pessoa, ainda mais a um jornalista com o prestígio do Belanciano. Internamente, este lamentável exemplo está a ter as discussões que se impõem – as tais consequências que devemos tirar”.
Visto à luz das atas do CR a que o Jornalíssimo teve entretanto acesso, torna-se claro que as “discussões” a que se referia Manuel Carvalho não envolviam a própria redação. Aliás, não envolviam sequer os próprios editores do jornal Público, com exceção de Sérgio B. Gomes, editor do P2, suplemento em que o plágio foi publicado. Já lá vamos…
Um passa-culpas para o Provedor do Leitor?
Antes disso, importa ainda atentar numa outra parte deste email enviado à leitora na madrugada de 26 de setembro, em que Manuel Carvalho lhe escreve: “Em toda a sua avaliação, sublinho um ponto com o qual partilhamos a mesma surpresa: a ausência do Provedor. Eu também julgava que ele iria pegar no tema esta semana. Mas não tenho dúvidas que o retomará na próxima. Como sabe, não temos nenhum controlo sobre a agenda de matérias que ele decide abordar, ou não. Caso ele decida não seguir a sua queixa, eu próprio tratarei de levar o assunto à sua consideração.” [No email de dia 25, que motiva esta resposta de MC, a leitora transmitia ao diretor a sua surpresa por, depois da denúncia, ter ido todos os dias ver se o artigo com o plágio tinha sido retirado do online e constatar que, dia após dia, ele continuava acessível aos leitores, como se nada de errado acontecesse com aquela crónica. Dizia-lhe, ainda, que, perante esta inação do diretor (apesar de a leitora ter tido a delicadeza de, quando escreveu a MC não lhe dizer aquilo que, do seu ponto de vista, competia ao diretor fazer, nunca imaginou que – assumido o plágio por email, nas respostas que MC e VB lhe deram por escrito -, a crónica em causa não fosse de imediato suspensa), julgou que talvez o Público tivesse decidido esperar pela crónica do Provedor de sábado para dar uma justificação. E que ficou de novo surpreendida ao ver que o tema não era aí abordado. Acreditou então, que a inação da direção do Público se deveria ao facto de estar à espera de domingo para informar os leitores da grave falha deontológica cometida nas páginas do jornal por VB e faria, no espaço onde o plágio tinha sido cometido, um pedido de desculpas e a explicação do sucedido].
À luz, mais uma vez, das atas do Conselho de Redação, estas palavras do diretor do jornal Público (“…Caso ele [provedor] decida não seguir a sua queixa, eu próprio tratarei de levar o assunto à sua consideração.”) podem causar alguma estranheza.
O que Manuel Carvalho está a dizer à leitora é que julgava que o provedor do leitor, José Manuel Barata-Feyo, iria abordar a questão na sua crónica de sábado, dia 24 de setembro. No entanto, na reunião de dia 20 de setembro com o Conselho de Redação, o diretor não dá qualquer conhecimento do sucedido aos jornalistas eleitos que integram aquele órgão.
Interrogações à solta
Perante estes factos, parece legítimo colocar algumas questões:
- Por que razão quereria Manuel Carvalho que a redação do Público tomasse conhecimento da gravidade do sucedido pelo provedor do leitor quando ele próprio tinha sido informado desde o início do sucedido e até teve um encontro com o Conselho de Redação depois, onde poderia ter abordado o caso?
- Por que razão, ainda, haveria Manuel Carvalho de esperar pela crónica do provedor de leitor de sábado, dia 24, para ver a questão tratada e pedir desculpa aos leitores, se a denúncia da leitora lhe tinha sido feita a ele próprio (enquanto diretor do jornal, embora com o conhecimento do provedor do leitor), e se o Livro de Estilo do Público deixa bem claro que “com a periodicidade indispensável, o espaço ‘O PÚBLICO Errou’ trará a correção dos erros ou imprecisões que tenha impresso nas suas páginas”?
- Não conhecerá Manuel Carvalho a fundo o próprio Livro de Estilo do jornal que dirige e desconhecerá que, a qualquer momento, pode fazer publicar no diário que dirige uma nota da Direção Editorial encabeçada pelas palavras “O Público errou?”
- Pensará Manuel Carvalho que a coluna do provedor do leitor é o espaço certo para a Direção Editorial (DE) comunicar aos leitores falhas deontológicas cometidas pelo jornal, mesmo quando a DE já tem conhecimento dessas falhas porque os leitores (a leitora, no caso) até optaram por comunicar o erro/crime diretamente ao diretor?
- Nem o diretor nem nenhum dos quatro diretores-adjuntos do Público pensou o mesmo que, quer a leitora, quer o provedor do leitor pensaram? Ou seja que, ao dirigir o email diretamente ao diretor do jornal, a leitora não esperava que o caso fosse tratado na coluna do provedor, mas que a direção do Público tomasse uma decisão imediata para amenizar o problema e pedisse desculpa aos leitores? [Depois de, no dia 27 de setembro à noite, a leitora ter apresentado uma queixa formal ao provedor, este respondeu-lhe: “Pensei, erradamente, que o facto de ter enviado o seu correio também ao director do jornal e ao jornalista autor do artigo me dispensava de pedir a opinião deles e, sendo o caso, a necessária admissão pública do que classifica como plágio. Com o meu pedido de desculpa pelo atraso, vou agora informar-me e não deixarei de lhe dar uma resposta.”]
Estas são questões que o Jornalíssimo fará chegar ao diretor do jornal Público e à demais Direção Editorial, juntamente com o link para este artigo, mal ele seja publicado, dando assim a toda a Direção Editorial oportunidade de resposta.
Um plágio que o tempo apagou?
Na realidade, Manuel Carvalho só comunica o plágio aos membros eleitos do Conselho de Redação depois de ver o email que a leitora endereçou ao provedor do leitor, no dia 27 de setembro pouco depois das 23 horas – email esse a que o diretor teve acesso porque a leitora teve o cuidado de o colocar em CC, ou seja, de lhe dar conhecimento. Recorda-te que o email a que há pouco nos referíamos foi enviado para Manuel Carvalho no domingo, dia 25, e este não revelou o caso a redação durante os dias 26 e 27, só o fazendo a 28 de setembro.
Nesse email enviado ao provedor do leitor no dia 27 à noite (mas, já antes, no email de resposta à mensagem de Manuel Carvalho na madrugada de dia 26), a leitora dá já conhecimento a diretor e provedor que, entretanto, tinha sabido de outro caso de plágio de Vítor Belanciano, ocorrido também no suplemento P2 do Público, em 2009. A leitora teve o cuidado de enviar a ambos o link para o artigo escrito pelo provedor do leitor do jornal Público da altura, Joaquim Vieira, em que este se debruçava sobre o caso.
Portanto, se o Jornalíssimo não pode provar que Manuel Carvalho já tinha conhecimento do plágio de 2009 de Vítor Belanciano antes da noite de 27 de setembro (mesmo já trabalhando Manuel Carvalho no jornal em 2009 e mesmo tendo o provedor da altura dedicado uma crónica ao assunto), o Jornalíssimo tem provas de que, a partir desse dia 27 de setembro, Manuel Carvalho mente quando afirma não ter conhecimento de mais do que um plágio de Vítor Belanciano.
A insistência na negligência, mesmo sabendo que os plágios de VB são pelo menos dois
Ora, na resposta que Manuel Carvalho e a Direção Editorial (DE) do Público dão ao Provedor do Leitor, quando este os confronta com o caso de plágio (e essas respostas – assume-o o próprio jornal no texto que acrescentou, passados muitos dias, no final do artigo que contém o plágio – foram enviadas a Barata-Feyo no dia 29 de setembro), diretor e diretores-adjuntos, já não podendo negar que sabem ser pelo menos dois os casos de plágio de Belanciano no Público, insistem na tese de que se trata de negligência e não de dolo: “as explicações que o jornalista nos deu são suficientes para acreditar que o seu erro resulta mais da negligência do que do dolo”, escreveram ao provedor e são por este citados na sua crónica do dia 1 de outubro.
Um provedor do leitor que não questiona a tese de negligência
José Manuel Barata-Feyo, já sabendo também dos dois casos de Belanciano, opta por colocar-se ao lado de Manuel Carvalho e da Direção Editorial do jornal, ocultando, também ele, aos leitores do Público que este é, pelo menos, o segundo plágio do jornalista em causa. Deste modo, o provedor do leitor deixa passar, sem questionar, a justificação da DE segundo a qual o plágio de VB teria sido mais negligência do que dolo. Recorda-te que um provedor do leitor tem por missão escutar as críticas e queixas que os leitores do jornal lhe apresentam e fazer um julgamento isento depois de ouvir também as pessoas que trabalham na publicação e que foram visadas naquelas críticas ou queixas).
A dificultar, ainda, a versão de que se tratava de dolo e não de negligência, estava o facto de a leitora ter enviado o texto plagiado quer ao Diretor, quer ao Provedor, e, portanto, de estes terem já noção da dimensão do plágio em causa, com ideias, mas também frases transcritas ipsis verbis, quer do autor do artigo alvo do plágio, Sergio C. Fanjul, como de autores que Fanjul citava nesse seu artigo, Kathleen Lynch e José Carlos Sánchez.
Ao Conselho de Redação, na reunião de 4 de outubro, Manuel Carvalho admitiu aos membros eleitos daquele órgão que “quando respondemos ao Provedor já sabíamos [que era o segundo caso de plágio de Belanciano]”. Esta citação lê-se na ata, onde consta ainda que Manuel Carvalho acrescentou que não dispunha de “elementos suficientes para afirmar se foi, ou não foi, um caso de plágio” (aqui, a citação é da ata, que resume por estas palavras o que Manuel Carvalho disse).
É plágio? Não é plágio? As contradições do diretor
Tal afirmação de Manuel Carvalho pode, de novo, suscitar alguma estranheza, uma vez que o diretor, logo no primeiro email de resposta que dá à leitora, na segunda-feira, dia 19 de setembro, não nega nunca que se trate de um plágio. Pelo contrário, confirma-o nessa resposta, já que o “assunto” do email enviado pela leitora era “Denúncia de Plágio” e, nem Manuel Carvalho, nem Vítor Belanciano, o contestam. Logo, confirmam-no.
Até ao Conselho de Redação, Manuel Carvalho insiste na ideia de negligência, como se constata nesta passagem do ponto 5 da ata: “Os MERC (Membros Eleitos do Conselho de Redação) questionaram o diretor sobre o que é que o levava a concluir que o erro de VB configura um caso de negligência e não de dolo. Manuel Carvalho argumentou que o jornalista pode ter recolhido ideias de várias fontes diferentes e quando escreveu o texto não se terá apercebido de que estava a copiar outro autor”.
Este excerto demonstra, também, que o diretor do Público se contradiz nas respostas que dá nesse dia ao Conselho de Redação. Antes, mas no mesmo ponto 5 da ata, diz-se que “Manuel Carvalho sublinhou que a posição do jornalista [VB] não foi de negar o erro”.
Também nas respostas que envia ao provedor do leitor e que constam da crónica de Barata-Feyo do dia 1 de outubro, Manuel Carvalho começa por narrar o sucedido e não diz em momento algum que não se trata de plágio. Barata-Feyo cita o diretor a dizer: “A Direção Editorial do PÚBLICO foi alertada pela leitora para a existência de uma situação de plágio no artigo de opinião referido. Infelizmente, confirmou-o”. Nas respostas que dá ao provedor e que são citadas por este na crónica de 1 de outubro, Manuel Carvalho fala em nome da Direção Editorial do jornal e não apenas em seu próprio nome, daí que, a partir deste momento (e como nenhum elemento da Direção Editorial veio desmentir que Manuel Carvalho falasse abusivamente também em seu nome), o Jornalíssimo deixe de falar apenas nas respostas do diretor, MC, mas de toda a DE. Para além do diretor, a DE é composta pelos diretores-adjuntos Amílcar Correia, Andreia Sanches, David Pontes e Tiago Luz Pedro.
É mentira, sim senhor
Mas, se até aqui ainda poderá haver quem considere excessivo afirmar que Manuel Carvalho e a Direção Editorial do jornal Público mentiram aos leitores, a mentira da equipa que está à frente do jornal diário fica mais do que comprovada no texto “O plágio no PÚBLICO – nota da Direção Editorial”, publicada na versão online do jornal a 10 de outubro e na versão impressa do Público no dia seguinte.
Neste texto, a Direção Editorial engana os leitores do jornal dizendo que só “neste fim-de-semana” (referia-se aos dias 8 e 9 de outubro) tinha tido conhecimento “de novas situações que configuram a prática de plágio por um dos seus jornalistas”. Esta afirmação consta do primeiro parágrafo da nota. No segundo, a Direção Editorial insiste na mentira, dizendo aos leitores que “não havia antecedentes” por parte de Vítor Belanciano. Todos tinham conhecimento desses antecedentes – pelo menos o de 2009 [a queixa que endereçámos ao provedor do leitor no dia 27 e que continha o link para o artigo de Joaquim Vieira foi reencaminhada, pelo menos logo na madrugada de dia 29 de setembro, quinta-feira, pelo próprio José Manuel Barata-Feyo para o email da Direção Editorial do Público. A leitora constatou-o num email que lhe foi endereçado pelo provedor ao responder-lhe].
A Direção Editorial vai ao ponto de acrescentar nesta mesma nota que “o que estava em causa, a possibilidade de um erro e o direito a uma segunda oportunidade, ficaram com esses casos irremediavelmente comprometidos. O que se acreditava ser uma falha deontológica incidental transformou-se num quadro de incumprimento dos deveres éticos de um jornalista”.
Alterações significativas feitas na nota da DE sem aviso nem explicações
Refira-se, a propósito, que, entretanto, essa nota editorial foi alterada na sua versão online e a Direção Editorial do jornal Público, uma vez mais, denota falta de transparência com os leitores, ao não ter colocado qualquer aviso alertando para a modificação importante que tinha sido feita ao texto, nem explicando o porquê dessa alteração aos leitores (quem lê o Público online sabe que é norma interna do jornal inserir uma nota no final dos artigos, sempre que estes são alvo de alguma alteração ou acrescento, e que nessa nota consta o dia e a hora em que o texto sofreu alterações]. No dia 12 de outubro, uma leitora do Público, Sofia Ferreira, escreveu um comentário nesse artigo online (que contém a Nota Editorial da Direção a propósito do plágio), perguntando: “a Direção Editorial do jornal pode explicar o motivo de terem editado a nota e retirado a menção ao ‘processo disciplinar’?”. Até hoje, domingo, dia 23, às 10 horas, não foi acrescentada qualquer explicação.
A alteração em causa é a seguinte. Na nota original, divulgada a 10 de outubro no online, e a 11 no papel, lia-se: “Face à situação, e tendo como preocupação maior a garantia de credibilidade do PÚBLICO e da sua redação e a proteção do seu compromisso com os leitores, a Direção Editorial decidiu suspender preventivamente o jornalista Vítor Belanciano. Com a integral observância dos preceitos legais, ser-lhe-á instaurado um processo disciplinar. Em devido tempo, daremos notícia das suas conclusões”. Na versão atualmente disponível, e que foi modificada pelo menos antes do início da tarde do dia 12 de outubro, altura em que Sofia Ferreira deixa o seu comentário, lê-se: “Face à situação, e tendo como preocupação maior a garantia da credibilidade do PÚBLICO e da sua redacção e a protecção do seu compromisso com os leitores, a Direcção Editorial decidiu suspender a actividade redactorial do jornalista Vítor Belanciano. Com a integral observância dos preceitos legais, serão adoptadas as demais medidas que ao caso couberem”.
No dia de ontem, sábado, 22 de outubro, o Público deu numa notícia conhecimento aos leitores de que o jornalista Vítor Belanciano tinha deixado de colaborar com o jornal na véspera, sexta-feira: “Vítor Belanciano deixa o Público”, era o título do artigo.
Um “debate interno”, mas só com alguns…
Mas a Direção Editorial não mentiu apenas nessa nota tornada pública no dia 10 de outubro. Mentiu, ainda, na nota da Direção Editorial que publicou no dia 28 de setembro na crónica em que Belanciano faz o plágio (e que pode ser lida aqui). Aí, a DE escreve, entre outras coisas que, “O PÚBLICO promoveu o indispensável debate interno sobre esta falha e extraiu daí as devidas conclusões”.
Na ata da reunião do Conselho de Redação do dia 4 de outubro, fica a saber-se que os membros eleitos deste órgão transmitiram a Manuel Carvalho a sua estranheza com essa parte da nota. Lê-se na ata que “depois de auscultada uma amostra da redação, [os Membros Eleitos do Conselho de Redação] perceberam que a questão nem sequer tinha sido discutida em reunião de editores”. A ata revela que, tal discussão, teve apenas lugar em sede da Direção Editorial, com Vítor Belanciano e com o editor do P2.
A ata de dia 4 de outubro permite ainda compreender que, se a leitora que denunciou o plágio, não tivesse reagido à crónica do provedor do leitor do dia 1 de outubro – enviando nova mensagem a Barata-Feyo a indignar-se com a forma como este tinha abordado o assunto e queixando-se de, na sua opinião, com aquele artigo, o provedor contribuir também para aquilo de que acusava o jornal (isto é, o silenciamento e branqueamento de um plágio) – não teria havido mais desenvolvimentos sobre o caso.
Recorda-te que, a 1 de outubro, ainda não tinham sido sequer suspensas as crónicas de domingo de Vítor Belanciano no P2 (algo que não veio a acontecer por decisão da direção editorial, mas do próprio jornalista. Esta versão de VB de que a suspensão da sua crónica semanal tinha partido da sua iniciativa, e não da DE, é confirmada também na ata de dia 4), nem a Direção Editorial tinha decidido “suspender preventivamente o jornalista” e instaurar-lhe um processo disciplinar (como comunicou aos leitores na nota de 10 de outubro).
Para o diretor, “o essencial” já estaria feito…
Lê-se então no ponto 4 da ata de 4 de outubro: “Perante as tomadas de posição públicas sobre este caso por parte da leitora que denunciou a situação, e as reações negativas à forma como Vítor Belanciano assumiu o erro, MC considera que nada mais há a fazer. Isto porque o essencial, que era assumir o plágio e pedir desculpa, já foi feito. Mas admitiu que a gestão do processo teve falhas. [Aqui, no original, é feito parágrafo] Acho que agora é discutir isto internamente, o mais abertamente possível. Isto é uma lição para a DE. É algo que não acontece no jornal há mais de dez anos, mas por uma questão de jurisprudência era bom que fôssemos capazes de encontrar uma resposta mais institucional caso se volte a repetir um caso destes”.
A 4 de outubro, do que ficou em ata, percebe-se que, tal como já havia referido à leitora por email, para Manuel Carvalho o que tinham dito ao provedor era já considerado punição suficiente para o jornalista em causa. A ata cita o diretor dizendo: “O nosso dever é institucional, mas há uma parte pessoal que conta. (…) A resposta que iríamos dar ao Provedor [refere-se à resposta que a Direção Editorial dera ao Provedor e que constou da crónica de Barata-Feyo do dia 1 de outubro] era suficientemente penosa e punitiva, o que excluía a necessidade de o afastar [Vítor Belanciano] da sua crónica, mesmo sendo esta decisão suscetível de contestação. A exposição a uma situação de plágio com aquela gravidade e aquela dimensão era já algo penoso e castigador para o jornalista que dispensava essa segunda solução (de suspender a crónica) [estes últimos parênteses são retos no texto original]”.
Recorde-se que, na já várias vezes referida nota da Direção Editorial sobre o plágio de dia 10 de outubro, Manuel Carvalho, Amílcar Correia, Andreia Sanches, David Pontes e Tiago Luz Pedro escrevem que “O PÚBLICO é, e pretende continuar a ser, uma referência do jornalismo português em matéria de ética e deontologia. (…) Temos por hábito reconhecer as nossas falhas e erros com total abertura e transparência. Quem escrutina, tem o dever de conviver bem com o escrutínio. Essa é uma das nossas forças”.
Será?
O Jornalíssimo vai enviar ainda durante o início da tarde deste domingo o link para este artigo à Direção Editorial do Público, colocando três questões:
- Se há algo neste artigo que Manuel Carvalho e a Direção Editorial queiram contestar;
- Se, perante os factos aqui relatados, o diretor, bem como toda a Direção Editorial, sentem que têm condições e a credibilidade necessária para continuarem a ocupar os cargos que ocupam?
- O Jornalíssimo questionará, ainda a Direção Editorial do jornal sobre se, no caso de acharem que continuam a ter condições para se manterem à frente do jornal Público, não sentem que a forma como geriram todo este processo revela, ela própria , erros éticos e deontológicos por parte dos elementos que compõem a Direção Editorial do jornal e se, ao manterem-se no cargo, não estão, com isso, a contribuir para uma possível descredibilização do Público e do trabalho que nele todos os dias é realizado.
Reações divulgadas em breve
Recordamos os leitores do Jornalíssimo, tal como já o fizemos no artigo Conselho Deontológico fala em “caso isolado” de plágio no jornalismo português, que, neste momento, já temos as respostas de todas as entidades a quem pedimos que se pronunciassem:
- A do Conselho Deontológico do Sindicato dos Jornalistas (que já pode ser lida aqui);
- A do Sindicato dos Jornalistas (uma resposta lacónica) chegou ao email do Jornalíssimo no dia 13 de outubro às 16h56;
- A da Comissão da Carteira Profissional dos Jornalistas foi recebida no dia 13 de outubro às 17h53;
- Por fim, a resposta da ERC foi recebida no dia 20 de outubro às 10h50.
O Jornalíssimo pede desculpa por ainda não ter conseguido escrever artigos com estas respostas, mas promete fazê-lo o mais brevemente possível.
Recordamos-te que o Jornalíssimo tem apenas uma jornalista que trabalha, neste momento, a tempo inteiro no seu projeto de doutoramento sobre Crianças, Jovens e Notícias, para o qual recebe uma bolsa da Fundação para a Ciência e Tecnologia, e que o trabalho que desenvolve para o Jornalíssimo é feito nos seus tempos livres.
Foto: Jornalíssimo – Fotografia às caras dos elementos que compõem a Direção Editorial do Público tirada a partir de recortes do próprio jornal, a que foi acrescentada uma imagem de Tiago Luz Pedro retirada do site do jornal Público, por não ter sido possível encontrar uma fotografia deste diretor-adjunto no jornal, de modo a ser recortada também. É por essa razão que a fotografia deste elemento da Direção Editorial do Público surge com mais brilho do que as restantes. O Jornalíssimo conseguiu colocar a foto de Tiago Luz Pedro num fundo semelhante ao dos colegas da Direção, mas não foi capaz de lhe retirar brilho, por não ter competências e um programa de fotografia à altura. Pelo facto, pedimos desculpas, uma vez que o ideal seria que nenhuma fotografia se destacasse das demais.
O Jornalíssimo sugere-te que leias o Código Deontológico do Jornalista com atenção. Em seguida, à luz do que até aqui te contámos sobre a forma como a Direção Editorial do Público lidou com este caso, tenta encontrar quais os pontos – dos 11 que compõem este documento de referência para a prática jornalística -, o diretor e os diretores-adjuntos do jornal Público poderão eventualmente ter violado.
Sugestão de resposta:
Os pontos do Código Deontológico que se poderia argumentar terem sido violados seriam os seguintes (tendo em conta que todos os membros da Direção Editorial são jornalistas e possuem Carteira Profissional):
- O ponto 1 estabelece na sua parte inicial: “O jornalista deve relatar os factos com rigor e exatidão e interpretá-los com honestidade”. O presente artigo revela que a Direção Editorial parece ter falhado a este nível com os leitores do jornal que dirige, omitindo factos essenciais e, mesmo, mentindo;
- O ponto 2, segundo o qual “O jornalista deve (…) considerar (…) o plágio como grave(s) falta(s) profissionais” pode também ser visto como não tendo sido devidamente acautelado pela Direção Editorial. Poderias ter pensado neste ponto, na medida em que diretor e diretores-adjuntos demoraram dez dias, desde que tiveram conhecimento do plágio, a publicar uma nota a dar conta do sucedido no artigo de Vítor Belanciano que o continha. Ao demorar todo este tempo sem tomar qualquer outra medida (por exemplo, escrevendo no jornal uma nota ‘O Público errou’ e tirando o plágio da edição online), talvez seja legítimo afirmar que diretor e diretores-adjuntos do Público não tenham considerado que este plágio configurava uma “grave falta” profissional;
- Esta parte do ponto 2, relaciona-se também com o estabelecido no ponto 5, onde se postula que “O jornalista deve assumir a responsabilidade por todos os seus trabalhos e atos profissionais, assim como promover a pronta retificação das informações que se revelem inexatas ou falsas”. Não tendo sido o plágio em causa cometido por qualquer um dos membros da Direção Editorial do jornal Público, a verdade é que, dado o cargo que ocupam no jornal e dado o que está estabelecido no Livro de Estilo do Público, competia-lhes terem sido muito mais rápidos a tomar medidas face ao sucedido e a retificarem o erro.
(*) Esse plágio foi denunciado pela leitora Joana Fillol, que é também a diretora e única jornalista do jornal digital para crianças e jovens, Jornalíssimo. Por ter estado diretamente envolvida no episódio, uma vez que foi ela quem denunciou o caso e insistiu com o jornal Público para que este tomasse as medidas que o Código Deontológico do Jornalista e o próprio Livro de Estilo preveem, tentou que outros jornalistas e redações nacionais do país pegassem na história que, a seu ver, tinha valor-notícia, ou seja, deveria ser noticiada, por se tratar de uma questão relacionada com a liberdade de imprensa e com os códigos de ética e deontologia que regem o jornalismo. Vendo que todas as redações e os jornalistas que contactou não manifestaram interesse em noticiar o caso, e por ela considerar que este tema é de interesse público, decidiu que seguiria a sua missão como jornalista, contando o que se estava a passar no jornal que fundou em 2015. Deu logo conta desta situação aos leitores no primeiro artigo que escreveu sobre este caso, a 4 de outubro de 2022: Redações calam escândalo no jornalismo português.