“Tenho uma paixão pela forma como podemos pensar o passado”
Violeta d’Aguiar fez a sua primeira investigação histórica no 12º ano. Hoje está a fazer o doutoramento na área. Eis o relato na primeira pessoa do percurso até aqui.
Por Violeta d’Aguiar*
Em Setembro de 2022 comecei o meu Doutoramento em História, financiado pela FCT, que se vai desenrolar entre a Faculdade de Ciências Sociais e Humanas (FCSH), da Universidade Nova de Lisboa, e a École Pratique de Paris. Numa das primeiras aulas do seminário de Problemáticas da História, dirigi-me à Professora Fernanda Rollo para lhe perguntar se se lembrava de mim. Há quase 8 anos fiz parte da primeira leva de alunos do Secundário que participaram no Laboratório de História (**), e foi aí que fiz o meu primeiro projeto de investigação. Investigação em História é agora o meu trabalho a tempo inteiro, mas lembro-me vividamente dessa primeira incursão. E a Professora também se lembrava de mim.
O convite para partilhar aqui essa experiência fez-me descobrir que ainda tinha guardada a gravação em vídeo das sessões em que apresentámos os nossos trabalhos na Biblioteca Velha do Liceu Camões. Era quase Verão. Para nós, estava quase a terminar o 12º ano e todo o percurso escolar: Como para qualquer jovem, era para mim o encerrar de um capítulo fundamental a sensação de que, a partir dali, a história poderia continuar em qualquer direção. Para nos ouvir falar das nossas pesquisas, reuniram-se os tutores do Instituto de História Contemporânea que nos haviam acompanhado, os professores do Liceu, pais, amigos e colegas.
Ora, a mim, a minha curiosidade sempre me puxou sobretudo para a Antiguidade, mas, no 12º ano, e neste projeto também, tínhamos de escolher um tema da História Contemporânea. Algumas reservas iniciais foram dissipadas à medida que o ano avançava, pelo entusiasmo contagiante com que a nossa Professora Cecília Cunha dava as suas aulas de História. E para este grande (para mim) trabalho descobri um tema que me apaixonou: os espiões que passaram por Lisboa durante a segunda guerra mundial. Estudei-o sob a orientação do Professor Pedro Fidalgo.
Agora, ao rever a minha apresentação final, surpreendeu-me o quanto tudo correspondia perfeitamente às minhas memórias desse dia: o meu entusiasmo a falar dos espiões que passaram pelos hotéis da capital, a atenção da audiência a acompanhar o meu discurso, o interesse e curiosidade demonstrados pelas questões que no final colocaram professores e colegas. Na fotografia desse dia mostro um envelope que continha uma carta escrita por uma mãe. Procurava a libertação do filho, que passou por Lisboa a caminho do asilo na América e foi retido por ser suspeito de espionagem. Lembro-me de como me cativavam detalhes como o facto de o envelope se endereçar directamente a Mr. Salazar.
Foi a fazer esta investigação que aprendi como a História se constrói a partir de documentos como esta carta. Foi também assim que aprendi como, a partir de elementos dispersos que chegam até nós do passado, se pode pensar e construir uma narrativa. E aprendi, ainda, como cada perspetiva sobre estas fontes cria uma narrativa diferente. Até aí, nunca tinha verdadeiramente compreendido como é que eram feitos os livros de História. Graças àquele trabalho, li livros de historiadores, mas também fui visitar os edifícios que eram os hotéis habitados pelos espiões, e fui em busca de documentos desses anos, que me ajudassem a compreendê-los. Na semana em que fiz 18 anos fui à Torre do Tombo pela primeira vez, até recebi os parabéns do segurança.
No ano seguinte, comecei o curso de História na Faculdade de Letras. Nesse primeiro ano estava de volta ao meu território: o mundo antigo. A cronologia não podia ser mais diferente, mas as ferramentas que tinha desenvolvido com o Laboratório de História revelaram-se de um valor inestimável. Os meus colegas não sabiam exatamente o que era uma fonte, nem como se formulava uma problemática. Quando, em grupo, tínhamos de apresentar para uma cadeira um projeto de trabalho, eles não sabiam o que devia aí constar, mas eu já tinha aprendido. E vim a descobrir mais tarde que este projeto do 12º ano foi marcante para nós, que o fizemos, mas não só. Estava já no segundo ano da Licenciatura quando uma rapariga me abordou à saída das casas de banho da biblioteca. Ela tinha sido aluna do Liceu Camões e lembrava-se de ver, anos antes, a minha apresentação sobre espiões em Lisboa e de como esse dia espicaçou a curiosidade dela pela História.
Agora, mantenho-me na História Antiga. O meu Doutoramento será sobre a Mesopotâmia no primeiro milénio a.C.. Paixão pelo mundo antigo, eu sempre tive, mas não é só isso que me traz ao Doutoramento. É também paixão pela História enquanto disciplina e pela forma como podemos pensar o passado – e essa eu descobri-a com o Laboratório de História.
Foto: D.R.
(*) Este artigo foi escrito no âmbito da parceria entre o Laboratório de História, Territórios e Comunidades – CFE NOVA FCSH e o Jornalíssimo, com coordenação de Maria Fernanda Rollo e apoio de Susana Domingues.
(**) O Laboratório de História, Territórios e Comunidades (LHTC) é um projeto colaborativo do HTC com diferentes instituições da sociedade civil, desde escolas a bibliotecas, passando por museus. Deste projeto fazem parte diferentes programas, entre os quais o Programa de Iniciação à Investigação Histórica que procura transmitir aos alunos do ensino secundária ferramentas e metodologias de investigação em História. Os/as alunos/as de algumas turmas são desafiados a trabalharem, em grupo, ao longo de um ano letivo, um tema relacionado com a história do século XX. Para desenvolverem essa pesquisa, cada grupo é orientado por investigadores do HTC.