Na ‘Fruta Feia’, “a qualidade não é julgada pela aparência”
A cooperativa, ideia de uma jovem de 34 anos, evita o desperdício de frutas e legumes com formas imperfeitas.
No Natal de 2012, Isabel Soares soube pelo tio, produtor de peras, que naquele ano metade da sua produção tinha ficado nas árvores, porque as peras não tinham o tamanho adequado para entrar no mercado.
Com formação em Engenharia do Ambiente, Isabel começou a pensar numa forma de evitar o desperdício de frutas e legumes que ficam fora do circuito comercial por não terem o aspeto considerado “normal”, em termos de cor, dimensão e forma.
UMA “IDEIA DE ORIGEM PORTUGUESA”
No ano seguinte, Isabel juntou-se a três amigos para dar resposta ao problema que faz com que, anualmente, 30% do total da produção agrícola seja desperdiçada.
Lembraram-se de criar uma cooperativa de consumo, “um mercado alternativo, local e sustentável, onde a qualidade não é julgada pela aparência e onde os consumidores se sentissem parte do projeto e do seu objetivo”, explicam.
Em 2013, a ideia ganhou o 2º lugar no concurso “Ideias de Origem Portuguesa”, promovido pela Fundação Calouste Gulbenkian e pela COTEC. Em novembro desse ano, nasceu em Lisboa o primeiro ponto de entrega da ‘Fruta Feia’.
A Cooperativa começou então a vender a produção (desperdiçada) de cinco agricultores a cem consumidores que se associaram à cooperativa e semanalmente levantam o seu cabaz.
7 PONTOS DE DISTRIBUIÇÃO NO PAÍS
Hoje, passados três anos, a ‘Fruta Feia’ tem sete pontos de distribuição: Lisboa (três), Parede, Porto, Vila Nova de Gaia e Matosinhos. A rede estende-se agora a 100 agricultores e a 1800 consumidores associados. Todas as semanas, a cooperativa evita que sete toneladas de alimentos acabem no lixo.
A equipa também cresceu. É constituída agora por sete pessoas, com percursos académicos e profissionais muito diferentes (da sociologia à ciência política, passando pelas engenharias e pela gestão ambiental). Todos são polivalentes. Tanto realizam tarefas de campo como estão a tratar do ‘back-office’ do site.
Em comum têm, ainda, o facto de acreditarem que “outro tipo de consumo é possível“. E passam a mensagem, transmitindo dados assustadores de fontes seguras.
DESPERDÍCIO DE PRODUTOS… E DE RECURSOS
Segundo a FAO, a Organização das Nações Unidas para a Alimentação e Agricultura, o desperdício alimentar nos países industrializados ascende anualmente a 1,3 mil milhões de toneladas, uma quantidade que permitiria alimentar 925 milhões de pessoas com fome.
No caso dos produtos agrícolas desperdiçá-los significa, também, desperdiçar todos os recursos que estiveram na base da sua produção: “água, terra cultivável, energia e tempo de trabalho”, recordam.
COMO FAZER PARTE?
No site da Fruta Feia podes fazer um pedido para seres consumidor associado de um dos sete pontos de distribuição existentes. Há alguns que ainda têm vagas disponíveis, outros em que terás de ficar em lista de espera.
Ser consumidor associado significa o compromisso de, todas as semanas, levantar um cabaz (que pode ter dois tamanhos: o pequeno tem entre 3 e 4 quilos e 7 variedades de frutas e hortaliças da época e fica a €3,5; o grande tem entre 6 a 8 quilos, leva 8 variedades e fica por €7).
A cooperativa pede que te inscrevas no site se estiveres interessado em ser consumidor de fruta feia, independentemente de estares perto de uma delegação. Assim, os responsáveis podem equacionar a abertura de novos núcleos.
SABIAS QUE?
A Fruta Feia assumiu um modelo que começou a surgir em Portugal no século XIX: as cooperativas de consumo. Estas surgiram, lembra a equipa que está por trás da Fruta Feia, “como a primeira forma de defesa dos consumidores no controlo de preços, qualidade e quantidade dos bens vendidos”.
“A pertença a uma cooperativa de consumo significava não apenas um interesse económico, mas também uma afirmação de consciência cívica. Era uma forma concreta e atuante de mostrar não só a oposição a uma ordem económica com que não se concordava, como uma forma eficaz de mostrar que podia haver um caminho diferente”.
A conversa de Isabel com o tio no Natal de há quatro anos acabou, assim, por dar muitos frutos. Até hoje, já evitaram o desperdício de 377 toneladas de alimentos e há cada vez mais gente a rever-se no bem-conseguido ‘slogan’ da Cooperativa: “Gente bonita come fruta feia”. E tu, és bonito?