Quando o agricultor e o consumidor se tratam por tu
Pedro Rocha está a tentar fazer crescer a agricultura de proximidade em Portugal. O que é isso? Ele explica.
“Local” parece ser a palavra-chave quando o assunto é agricultura de proximidade. O conceito é simples: produção local para consumo local, seguindo os princípios da agricultura biológica (sem pesticidas, químicos ou organismos geneticamente modificados).
Para falar no assunto, ninguém mais indicado do que Pedro Rocha, um jovem agricultor urbano, de 39 anos, com experiência neste terreno.
Em 2006, fundou o Projeto Raízes, assente já neste conceito, que passa por uma relação próxima entre quem produz e quem consome.
A Associação ‘Moving Cause’, de que Pedro faz parte, está a tentar implementar o movimento AMAP – Associação para a Manutenção da Agricultura de Proximidade (AMAP) em Portugal. Em inglês, o movimento é conhecido pela sigla CSA – ‘Community Supported Agriculture’.
JORNALÍSSIMO – Como funciona a agricultura de proximidade?
PEDRO ROCHA – A agricultura de proximidade é aquela que nos permite obter produtos alimentares de uma forma mais direta e próxima. De preferência, existe uma relação, também ela direta, com o próprio produtor.
Este modelo assenta num compromisso temporal que os consumidores assumem com o produtor, dando-lhe garantias de escoamento da produção – pode ser fruta, legumes, mel… Enfim, uma variedade de produtos, saídos da terra, mas também produtos transformados, como o queijo.
J – E depois esses produtos são entregues periodicamente aos consumidores?
PR – Os produtos que garantem o funcionamento frequente da agricultura de proximidade são os legumes, que as pessoas consomem todas as semanas. Se for, por exemplo, um produtor de maçãs, a entrega vai ser sazonal, tal como com o mel, o azeite ou o vinho.
J – É um regresso ao passado, portanto?
PR – Sobretudo um passo para um futuro mais sustentável. Mais proximidade promove mais humanismo na relação comercial, menos necessidade de embalagem, menos transporte, menos refrigeração. Logo, uma menor pegada ecológica.
J – O ambiente sai a ganhar…
PR – Ganha o ambiente e ganhamos todos nós.
J – Muitos dos produtos agrícolas que vemos no supermercado vêm do outro lado do mundo…
PR – É verdade. Convém ter a consciência que a maioria dos produtos alimentares viaja mais de três mil quilómetros antes de chegar ao nosso prato. Mas se muitos produtos vêm do outro lado do mundo é porque os nossos hábitos alimentares se alteraram. Hoje, comemos tomate e morangos no Inverno e isso só é possível à custa de muita energia.
É extremamente importante começar a basear a alimentação nos produtos locais e de época, como forma de reduzir as emissões de dióxido de carbono.
J – Quais são as principais vantagens para os agricultores?
PR – Na Associação para a Manutenção da Agricultura de Proximidade (AMAP), sendo um modelo socioeconómico, alternativo de relação entre consumidores e produtor, o agricultor tem a garantia de escoamento de parte ou da totalidade da sua produção. Desta forma o produtor consegue, ainda, planear melhor a sua produção e garantir um rendimento estável para a sua exploração agrícola.
J – E para os consumidores?
PR – O acesso a produtos frescos e de qualidade, isentos de químicos, saber a origem dos alimentos e a forma como são produzidos, são grandes vantagens.
J – Já há muitas AMAP em Portugal? Quantos agricultores e consumidores estarão envolvidos?
PR – O modelo de relação AMAP em Portugal é muito recente, havendo seis grupos atualmente. Mas ainda no último dia 29 de Novembro, cerca de cem pessoas estiveram reunidas em Serralves e existe grande motivação para que novos grupos surjam nos próximos tempos.
Não existem números exatos em Portugal, mas a nível europeu este movimento representa já muitas centenas de milhares de consumidores.
J – Há algum sítio que reúna os locais do país onde se pode recorrer a este modelo?
PR – Neste momento ainda não. Está agendado um encontro em Odemira para início de 2016, onde será discutida a criação de uma Rede Nacional.
J – E a nível internacional, qual é o país que mais aposta na agricultura de proximidade?
PR – A França é o país de referência onde existem milhares de grupos AMAP (cerca de dois mil, envolvendo mais de trezentos mil consumidores e produtores). Atualmente este modelo encontra-se numa fase bastante expansiva por toda a Europa e no Mundo, por se apresentar como alternativa viável para os pequenos produtores.
J – A agricultura de proximidade inscreve-se na chamada economia solidária?
PR – Inscreve-se na economia solidária e num modelo de democracia participativa, porque no modelo AMAP cada consumidor tem uma voz.
J – Podes traçar um perfil das pessoas que se interessam por este tipo de agricultura?
PR – Todas as pessoas conscientes da importância de preservar e defender uma agricultura mais sustentável, relações comerciais mais humanas. O modelo atrai as pessoas, porque na AMAP as pessoas importam. Este facto define tudo o resto. Onde as pessoas importam a agricultura é biológica. Onde as pessoas importam, todos têm uma voz e participam.