Fotografia: ver os outros a ver
Fátima Carvalho vê as exposições através do olhar (e da postura, e das emoções) dos visitantes.
O que se vê quando se vê os outros a ver uma exposição de artes plásticas? É a esta pergunta que as fotografias de Fátima Carvalho parecem responder.
Ela vê o que normalmente não vemos quando vamos a uma galeria, a um museu, a uma casa das artes. Vê-nos a nós, espectadores, num momento de contemplação da obra. Ou, mais do que isso, num momento de interação com a obra.
Fátima afasta-se das paredes para ter uma segunda leitura do que está exposto, uma visão do conjunto.
Assim, constrói, ela própria, uma obra sobre a obra; um quadro sobre outro quadro; uma visão sobre outra visão.
E nesse diálogo entre a obra e o público que a vê, capta momentos espontâneos, reações diversas – de surpresa, de admiração, de repúdio, de tristeza, de alegria, encantamento, de devoção…
Há momentos que guarda só para ela. Como a imagem mental da jovem que, perante um quadro de Frida Khalo se pôs a dançar, numa mostra da pintora mexicana em São Paulo.
Normalmente, quem Fátima fotografa nem nota que foi “apanhado” na fotografia.
Quase sempre de ‘Leica’ na mão (às vezes troca-a por uma ‘Canon’), Fátima tenta passar despercebida, para que “as fotografias não percam a espontaneidade”. Mas a perseguição que faz a visitantes anónimos já lhe originou situações caricatas.
“Algumas pessoas pedem desculpa e afastam-se por pensarem que quero fotografar a obra”, diz divertida. Já lhe aconteceu um senhor ficar desconfiado com a presença da fotógrafa nas suas costas e Fátima acabou por se ver obrigada a revelar-lhe o seu trabalho.
De como começou esta história, a fotógrafa amadora, uma transmontana a viver no Porto, não se recorda. O gosto das artes sabe que veio nos genes, que é de família. O gosto de admirar os outros adquiriu-o, não sabe onde, não sabe quando. Não sabe como se transformou quase em vício – “fico compulsiva a ver os outros”.
Da tal maneira que, quase sempre, sai de uma mostra com o catálogo na mão. Para em casa, sem público para observar, poder ela admirar diretamente o trabalho do artista. Ou então volta à exposição. Sem máquina.
A “compulsão” do olhar acompanha-a para onde quer que vá. E vai, muitas vezes, de propósito lá fora para ver os outros a ver. Esta fotografia do senhor com o cão foi tirada na Suíça, em 2008.
E esta já foi tirada noutra exposição, uma em que Fátima expôs. O que vemos é, portanto, duas imagens de Fátima numa mesma foto.
Ela que vê os outros, também já é vista. A primeira vez que a convidaram a expor foi em 2014, no José Rosinhas Art Gallery Wall, na Casa Museu Abel Salazar, no Porto. A última exposição que teve foi, há poucos meses, no Brasil, em João Pessoa, num edifício de Óscar Niemeyer, a Estação Cabo Branco, Ciência, Cultura e Artes.
Se quiseres conhecer melhor o trabalho de Fátima Carvalho passa, até ao dia 30 de abril, pela livraria bracarense ‘Centésima Página’, onde a autora tem patente a exposição: “Rituais do Ver”.
Se te virares de repente e tiveres alguém de máquina fotográfica nas tuas costas, já sabes que é apenas uma perseguição artística. Não estranhes.
LEGENDAS: 1 – ‘Corpos de Intensidades’, Mariana Palma, Braga; 2 – ‘Nós na Arte’, Tapeçaria de Portalegre e Arte Contemporânea, Porto; 3 – ‘Miroir des Avant-Gardes’, Florence Henri, Paris; 4 – ‘Boca(s) de Cena’, Evelina Oliveira, Porto; 5 – Exposição do Acervo do MASP 2016 (obras expostas nos cavaletes de cristal de Lina Bo Bardi); 6 – ‘Olhar Animal’, Julião sarmento, Porto; 7 – ‘Majesty’ (portrait), Tacita Dean, Paris; 8 – ‘Acervo em transformação’ (obras expostas nos cavaletes de cristal de Lina Bo Bardi), São Paulo; 10 – ‘À Flor da Pele’, Fávia Lívia de Carvalho, Suíça; 11 – ‘XXLX Exposição Coletiva dos Sócios da Árvore’, Porto; 12 – ‘Entrar na Obra, Estar no Mundo’, Giovanni Anselmo, 1971, Porto; 13 – ‘Olhar o Passado, Construir o Futuro’, Maria Gondar, Henrique do Vale, XVIII Bienal de Arte de Cerveira.