Afinal, o que diz a Constituição?
Por estes dias, a lei suprema do país anda na boca de todos. Fomos lê-la.
A lei das leis não é para ler como um romance, de fio a pavio, e também não é nada que se leia em dois minutos. São nada mais, nada menos do que 296 artigos, muitos deles com pontos e alíneas.
Felizmente, a Constituição da República Portuguesa está estruturada de uma forma que facilita a sua consulta (até online, aqui, na página da Assembleia da República) em momentos como este que Portugal atravessa, em que se discute quem deve ser indigitado Primeiro-Ministro de Portugal.
Nesta espécie de “regras do jogo” democrático que é a Constituição – é lá que estão consagrados os direitos dos cidadãos portugueses, explicadas as funções dos quatro órgãos de soberania (Presidente da República, Assembleia da República, Governo e Tribunais) e a organização do poder político, desde 1976 – há três capítulos dedicados ao Governo.
Para estar a par do momento atual basta ler o Capítulo II, sobre a “Formação e responsabilidade” do Governo, que integra dez artigos de leitura rápida (menos de cinco minutos).
O primeiro (artigo 187º) permite logo perceber a razão de tanta polémica. Diz que “O Primeiro-Ministro é nomeado pelo Presidente da República, ouvidos os partidos representados na Assembleia da República e tendo em conta os resultados eleitorais”.
É justamente este artigo que tanto tem dado que falar, já que pode ser interpretado de maneiras diferentes. Há várias formas de “ter em conta” os resultados eleitorais e o país está na expetativa de saber qual será a interpretação do Presidente da República. Dela dependerá a nomeação de Pedro Passos Coelho ou de António Costa como Primeiro-Ministro.
Pedro Passos Coelho é o líder da coligação Portugal à Frente (PaF), a força política que venceu as eleições legislativas. Mas será que vencer as eleições é suficiente para formar Governo?
A polémica reside aqui. Apesar de a PaF (de direita) ter sido a vencedora, os partidos de esquerda conquistaram a maioria dos assentos do Parlamento.
António Costa, sendo o líder da segunda força política mais votada, o Partido Socialista, comunicou ao Presidente da República que chegou a acordo com o Bloco de Esquerda e com o Partido Comunista Português e que consegue, assim, dar garantias de um governo mais estável do que aquele que a direita poderá formar.
Os partidos de esquerda têm dito que seria uma “perda de tempo” o Presidente da República optar por indigitar Passos Coelho.
Ainda no capítulo sobre a “Formação e responsabilidade” do Governo, a Constituição diz que “o programa do Governo é submetido à apreciação da Assembleia da República, através de uma declaração do Primeiro-Ministro, no prazo máximo de dez dias após a sua nomeação” (ponto um, artigo 192º).
Ora, a esquerda diz que, estando unida e tendo maioria parlamentar, rejeitará o programa que for apresentado por Passos Coelho, caso ele venha a ser nomeado Primeiro-Ministro.
Logo num dos artigos seguintes, o 195º, são apresentadas as situações que podem implicar a demissão do Governo. Uma delas é justamente “A rejeição do programa do Governo”.
Passos Coelho, pelo contrário, acha que tem direito a ser indigitado Primeiro-Ministro por ter ganho as eleições, mesmo não tendo maioria parlamentar a suportar o seu programa.
O desenlace deverá ser conhecido nos próximos dias. Numa coisa os eleitores e partidos de esquerda e de direita parecem estar de acordo: a polémica fez despertar o interesse dos portugueses pela política, com o país à espera da decisão do Presidente da República como quem espera o último episódio de uma série de ficção.
Quem disse que a política era uma seca?