Da teoria à praxe: as práticas de que a malta gosta
Em Braga, há praxes solidárias; no Porto, “doutores” dão explicações a caloiros; em Coimbra, são os próprios estudantes a pedir para serem praxados.
Um estuda no Porto, outro em Braga, outro em Coimbra. Embora distanciadas geograficamente, as vozes dos três dirigentes académicos que ouvimos, coincidem na mensagem: a praxe é sobretudo um momento de integração, está bem de saúde e… recomenda-se.
Pena que, num fenómeno de massas como este – dizem eles -, só os maus exemplos (uma minoria) cheguem aos media.
Ouvimos Carlos Videira, da Associação Académica da Universidade do Minho (AAUM), Bruno Matias, da Associação Académica de Coimbra (AAC) e Daniel Freitas, da Federação Académica do Porto (FAP), sobre o que fazem as associações de estudantes para que a receção ao caloiro seja apenas e só o que deve ser – integradora.
PRAXAR E… AJUDAR
Carlos Videira (foto de abertura), o presidente da AAUM, tem uma mão cheia de casos elucidativos de boas praxes feitas na Academia a que preside.
Ainda sabe de cor o valor que os caloiros conseguiram angariar há dois anos, através da venda de rifas, para a APPACDM de Braga, que passava então por um período de dificuldades económicas. “Juntámos mais de seis mil euros”, recorda. “E no ano passado, conseguimos mais de 1500 para outra instituição”, acrescenta.
O que ele quer mostrar é a “tendência para uma praxe com um caráter mais solidário e comunitário”, que se nota na UM, nomeadamente nos cursos ligados à Educação, à Saúde, ao Teatro.
Carlos conta, ainda, histórias de caloiros que, no âmbito da praxe, vão a lares de idosos e a creches fazer animação, recolhem tampinhas, desenvolvem campanhas de angariação de bens. Não só na semana de receção ao caloiro: durante todo o ano.
Mas, mesmo as praxes que não se revestem deste caráter altruísta, têm, a seu ver, uma função: “permitem aos estudantes absorver o que é a identidade da Academia e os próprios símbolos” e isso, diz, traduz-se em “maior motivação e gosto para participar nas atividades”.
RASGANÇO, SIM, PORQUE “VALEU A PENA”
Se o tema é praxe, Bruno Matias (foto abaixo) pode estar com febre, como estava quando falou connosco, mas não quer deixar de dar a sua opinião. E ele tem uma forma curiosa de olhar para a praxe de Coimbra.
Quando lhe pedimos um exemplo de boas práticas, não vai ao início. Prefere começar pelo fim: “Talvez o momento mais carismático da praxe seja no final do curso, quando se faz o rasganço”, reflete em voz alta.
Explica para quem não sabe: “Em Coimbra, quem termina o curso junta os colegas que, na rua, lhe rasgam todo o traje e o estudante fica só com a capa a cobrir-lhe o corpo nu”.
Bruno explica o que quer dizer com o exemplo que escolhe: “O rasganço é uma forma dos estudantes se despedirem da vida académica e de mostrarem que valeu a pena. No fundo, é o próprio estudante que admite ser praxado, porque olha para a praxe não como uma submissão, mas como uma integração”.
PARA QUE NÃO HAJA MAIS MECOS…
O presidente da Federação Académica do Porto, Daniel Freitas (foto seguinte), vê-se bem que está, também ele, orgulhoso com a forma como a praxe é vivida na cidade e com o trabalho desenvolvido pelo ‘Magnum Consilium Veteranorum’.
Define a praxe do Porto como sendo “saudável”, “organizada”, “responsável”. Fala do respeito que há pelos tempos letivos: “no início, os doutores levam os caloiros à sala de aula e, muitas vezes, quando sabem que eles têm um exame, no dia anterior fecham-nos numa sala e dão-lhes explicações”.
Juntas, as vozes de Carlos Videira, Bruno Matias e Daniel Freitas representam mais de cem mil estudantes. E, talvez pela consciência de que é tanta gente – tantos “doutores”, tantos caloiros – as Academias parecem dar cada vez menos espaço a acasos.
Bruno Matias revela que, desde o ano passado, a AAC tem trabalhado muito a questão da praxe. E admite que o caso do Meco (em que morreram seis estudantes num episódio alegadamente relacionado com praxes) contribuiu para que assim fosse: “criou-se um grande alarido em volta da praxe e, embora felizmente aqui em Coimbra não tenhamos conhecimento de praxes que correram mal, quisemos tranquilizar os estudantes e as famílias”, diz.
CÓDIGOS PARA CALOIROS… E PARA “DOUTORES” TAMBÉM
A aposta da AAC foi, sobretudo, num grande trabalho de consciencialização: “quisemos que todos os estudantes ficassem a conhecer as regras e a saber todos os excessos que não podem ser cometidos na praxe, salientando nomeadamente que o caloiro vai à praxe quando quer e não pode ser obrigado a nada”.
Para conseguir que a informação passasse, o Conselho de Veteranos (que regula a praxe em Coimbra) integrou o circuito das matrículas – um circuito que todos os estudantes que se vão matricular na Universidade são obrigados a fazer.
Assim, nenhum caloiro de Coimbra terá ido para casa sem receber o ‘Código da Praxe’, onde os limites estão bem traçados e onde fica bem claro que não pode haver submissão dos mais novos aos mais velhos.
BOM SENSO, ACIMA DE TUDO
Tal como em Coimbra, também em Braga e no Porto, os estudantes recém-chegados ficam a saber que as Associações Académicas os representam sempre, decidam ou não participar na praxe.
Em Braga, a Associação põe um documento no kit que é entregue aos novos estudantes, em que fala dos contactos à disposição (como o Provedor do Estudante), em caso de sentirem que algum dos seus direitos é violado.
Na cidade dos arcebispos, a estrutura académica imita a religiosa. E, assim sendo, o principal responsável pela praxe é… o Papa, através do Cabido de Cardeais (que regula a praxe). Não faltam sequer os cardeais patriarcas (um no Campus de Braga, outro no de Guimarães) e os cardeais, em cada uma das comissões de curso. Não importa a Faculdade, quem praxa, sabe que tem de se submeter a um ‘Código de Praxe’ que é para ser levado a sério.
A principal regra? É Carlos Videira quem a expressa, mas está subjacente ao discurso dos três líderes académicos: ” A principal regra é sempre o bom senso”.
És caloiro? Então lê este artigo sobre o que é e o que não é permitido na praxe e este sobre os perigos a que o teu cérebro te expõe na adolescência.