A importância do espírito crítico na “tribo” gigante em que vivemos
Questionar, refletir, contrapor são competências-chave para podermos prosperar sem eliminar outras espécies e esgotar recursos.
Opinião | Por Giancarlo Pace – coordenador do projeto Key 1.0. (*)
Para os nossos antepassados, caçadores recolectores, o conhecimento profundo, apurado do ecossistema em que viviam e da psicologia dos outros membros da tribo, tinha uma importância vital. Quer a nível individual, quer a nível coletivo.
Desse conhecimento, e de um conjunto de aptidões cujo desenvolvimento estava garantido através de práticas e rituais, dependia não só a prosperidade, como a própria vida do indivíduo e do grupo.
Com a agricultura e o nascimento da civilização urbana, o papel da cultura na sobrevivência transformou-se radicalmente. E a sociedade industrial veio acelerar de forma acentuada este processo de transformação.
Hoje, a maioria das pessoas precisa de poucas competências e conhecimentos para poder sobreviver. Algumas noções limitadas ao âmbito do trabalho, meia-dúzia de informações importantes acerca do meio em que se vive e um pequeno número de competências sociais para nos darmos, mais ou menos bem, com as pessoas à nossa volta bastam. Entre essas pessoas, são pouquíssimas aquelas com as quais colaboramos diretamente ou convivemos intimamente.
Isto é hoje suficiente ao ser humano para satisfazer necessidades básicas, ter ótimas possibilidades de chegar à velhice, ter filhos e garantir-lhes estas mesmas condições.
A humanidade, como conjunto, tem, no entanto, conhecimento suficiente para criar catástrofes muito piores do que qualquer cataclismo que alguma vez atingiu a nossa espécie. Mas tem, também, uma força criativa positiva sem precedentes na história do planeta.
Este abismo entre as sabedorias individual e coletiva é perigoso.
As tribos em que os nossos antepassados viviam elaboraram rituais para que os seus membros aprendessem a reconhecer cogumelos e plantas e a utilizá-los sem os levar à extinção. Analogamente, a única tribo gigante que é a humanidade moderna, para poder prosperar sem eliminar outras espécies e esgotar recursos, deve elaborar práticas que permitam aos seus membros desenvolver o espírito crítico. Isto é, a competência para saber reconhecer a qualidade da informação, ou a falta dela, e a noção de que determinadas ideias e opiniões têm consequências. É, portanto, indispensável formulá-las com atenção e responsabilidade.
Os quase 7 mil milhões de seres humanos que hoje habitam o planeta – com as suas culturas, aparentemente tão diferentes – influenciam-se muito mais do que normalmente se considera. A capacidade de questionar, refletir, contrapor impõe-se.
Existem vários casos dramáticos em que a falta de espírito crítico mata. Literalmente. Exemplos não faltam: o fanatismo violento e o ódio para com determinadas categorias de pessoas sem culpa; a aceitação de supostas curas milagrosas de doenças graves, sem nenhuma validação científica; a negação dos benefícios de curas eficazes e disponíveis; a negação das alterações climáticas e da ligação entre HIV e SIDA.
Sobre estes dois últimos temas, muito úteis para perceber este fenómeno e a sua gravidade, vamos falar-te nos dois próximos artigos, a publicar nas próximas segundas-feiras.
(*) O projeto Key 1.0. é financiado pelo programa INTEGRA – Ciência para a Inclusão, da Ciência Viva, e tem como objetivo promover a inclusão social de migrantes e refugiados através da ciência e da aprendizagem pela discussão na escola. Podes saber mais no blogue do projeto, em Keysosoracismo.wordpress.com.
https://keysosracismo.wordpress.com/