Falta diversidade nos livros infantis
Estudo revela que há mais animais do que personagens não brancas na literatura infantojuvenil.
Começamos este artigo com uma pergunta/desafio: quantos livros infantis te lembras de ter lido em que as personagens principais não eram brancas? Mesmo sem ouvir a tua resposta, acreditamos que ela tenha variado entre “nenhum” e “poucos”.
Um estudo realizado no Reino Unido pelo Centre of Literacy in Primary Education (que poderíamos traduzir como Centro de Alfabetização na Educação Primária) mostra que apenas 5% de todos os livros infantis publicados na Grã-Bretanha e na Irlanda do Norte em 2019 tiveram como personagens principais negros, asiáticos ou minorias éticas.
Os números podem ser vistos sob outro ponto de vista. Se não olharmos apenas para as personagens principais, mas para o conjunto de personagens (principais e secundárias), vemos que a percentagem em questão sobe para os 10%.
Porém, seja qual for o prisma com que se olhe para os números, a conclusão mantém-se: falta representatividade e diversidade na literatura infantil do Reino Unido.
De facto, para serem representativos da realidade inglesa, os livros infantis deveriam apresentar cerca de 33,5% de personagens de outras etnias. No Reino Unido, essa é a percentagem de crianças em idade escolar que não são brancas.
Outro dado surpreendente revelado por este estudo é que é oito vezes mais fácil encontrar livros infantis em que as personagens principais sejam animais do que pessoas de diferentes etnias ou heranças culturais.
A importância da representatividade
A diversidade de personagens nos livros infantis (mas também nos media, em novelas e telejornais, por exemplo) é importante uma vez que permite que toda a gente se sinta representada e, assim, sinta que faz parte da sociedade.
Por outras palavras, a representatividade e a diversidade faz com que todos (independentemente da cor de pele, da cultura ou religião) sintam que os seus pontos de vista são ouvidos e tidos em conta. E que todos têm os mesmos direitos e oportunidades.
Como escreve Farrah Serroukh, diretora do Centro que realizou o estudo, os livros dão-nos a oportunidade de “ampliar” o mundo em que cada um de nós vive, de “experimentar realidades” diferentes. Se não nos encontrarmos representados nos livros que lemos podemos pensar que determinadas realidades não estão ao nosso alcance.
Um exemplo concreto e bem recente que fala de representatividade, embora tenha mais a ver com política do que com livros, é o da vice-presidente eleita dos Estados Unidos. O facto de Kamala Harris ser mulher, de cor, descendente de indianos e ocupar um lugar tão importante no governo norte-americano mostra às crianças que sejam do sexo feminino, que não tenham pele branca e pertençam a outras etnias que um dia podem também vir a ocupar esse lugar.
No seu discurso de vitória ao lado de Joe Biden, Kamala Harris sublinhou isso mesmo: “Todas as meninas que me estejam a ver esta noite percebem que este é um país de possibilidades”.
“Um longo caminho a percorrer”
Retomando a literatura infantil: apesar de estar ainda longe do desejável, a diversidade étnica nos livros para crianças no Reino Unido tem vindo a aumentar. Em 2018 as personagens principais não brancas representavam 4% do total e, em 2017, esse valor estava no 1% (hoje, como vimos, são 5%). Se nos fixarmos em todas as personagens, e não apenas nas principais, vemos que as percentagens têm vindo também a subir: em 2018 esse valor situava-se nos 7% e, em 2017, nos 4% (hoje está nos 10%) .
Os autores do estudo congratulam-se que a diversidade tenha vindo a aumentar, ainda que ligeiramente. Por isso, recordam que “há ainda um longo caminho a percorrer”.
Para incentivar os escritores a fazerem livros mais inclusivos lançaram também um manual de boas práticas que podes encontrar aqui.
Em Portugal não existe nenhum estudo semelhante a este, mas, tendo o nosso país menos diversidade cultural do que o Reino Unido (o número de estrangeiros que vive em Portugal em situação regular corresponde a pouco menos de 7% da população), é legítimo pensar que por cá a diversidade e representatividade nos livros infantis seja ainda menor.
Foto: Michael Gaida/Pixabay