D. Carlos jogando ténis no Sporting Club de Cascais

Cascais e o nascimento do ténis em Portugal… com um toque de realeza

O rei D. Carlos apaixonou-se pela modalidade, por influência do amigo Guilherme Pinto Basto, o verdadeiro divulgador do ténis e o primeiro campeão nacional

Por João Miguel Henriques*

A partir de 1870 a vila de Cascais transformou-se na praia da Corte, passando a acolher a família real durante o período do ano consagrado aos banhos de mar, moda que tomaria toda a Europa. Desde então, a pacata vila de pescadores desenvolveu-se extraordinariamente, colaborando na disseminação de novas atividades associadas às elites, entre as quais se destacou o desporto, num período marcado pela aproximação do país aos novos tempos, que se traduziu também numa progressiva alteração das mentalidades.

Praia da Ribeira, Cascais, c. 1900 | AHMCSC/AFTG/CAM/A/1114

Ainda que tenham sido os ingleses a introduzir o lawn tennis no nosso país, por volta de 1880, a sua divulgação ficou a dever-se a Guilherme Pinto Basto, ícone da história de desportos tão diferentes como o automobilismo, o ciclismo, o futebol, o golfe, o hipismo, o hóquei, a patinagem, o remo, o ténis ou a vela. E Cascais foi o cenário escolhido para os primeiros “ensaios” de muitas destas modalidades, razão pela qual o Sporting Club de Cascais, ponto de encontro da Corte desde 1879, é o berço do ténis em Portugal! Para além dos relvados necessários à prática da modalidade a iniciativa contaria com o apadrinhamento do rei D. Carlos, que se apaixonara pelo ténis por influência do seu amigo Guilherme Pinto Basto, o nosso primeiro campeão da modalidade, com vitórias conhecidas entre 1882 e 1898 e de 1900 a 1901 nos torneios aí organizados, em singulares masculinos.

A 4 de agosto de 1901, o Correio de Cascais referir-se-ia à preferência concedida pela família real a este clube, pois “Sua Majestade [o Rei] tem tomado parte em algumas partidas de tennis no Sporting”. Pouco depois, a 20 de outubro, noticiou a realização de um torneio internacional da modalidade nas suas instalações, entre 12 e 16 de outubro, esclarecendo os leitores de que “a essa festa concorreram além da gente da primeira sociedade que se encontra em Cascais muitos estrangeiros distintos, como foram os ingleses que vieram de propósito do seu país para esse fim”, caso da vencedora de Wimbledon, Blanche Hillyard. Ao final da manhã do quarto dia de provas servir-se-ia um almoço para 250 convivas, presidido pelo Infante D. Afonso, que terminou com uma saudação de Guilherme Pinto Basto aos convidados ingleses e a entonação dos hinos inglês e português.

Alinhavavam-se, assim, os primeiros Campeonatos Internacionais de Portugal – a mais importante competição de ténis disputada no nosso país – que se promoveram nos courts do Sporting Club de Cascais a partir de 1902 e de forma ininterrupta até 1973, com exceção dos anos de 1910, 1940 e 1951. Iniciando apenas com provas de singulares masculinos e pares masculinos e mistos, agregariam, desde 1905, singulares femininos e, a partir de 1911, pares femininos.

Apesar de ter participado nos Campeonatos Internacionais de 1902 e 1903 e de ser considerado um tenista exímio, D. Carlos teve uma fraca prestação no torneio de 1904. Desta forma, em pares masculinos, em equipa com R. A. Shore, vencedor do ano anterior em singulares, ficou-se pela primeira eliminatória, batido pelos britânicos Wallick e Maswell. Já em pares mistos, emparceirando com a talentosíssima Angélica Plantier, totalizaria somente 13 jogos, num torneio disputado na modalidade de todos contra todos em partidas até 11 jogos, vencendo um encontro por 6-5, perdendo outro pela mesma marca e sendo derrotado de forma severa nos restantes, por 11-0, 9-2 e 11-0.

Raquete de ténis do rei D. Carlos, produzida por George G. Bussey & Co., Londres, c. 1900 | CMCSC/MVCSC

O fair play de D. Carlos, atributo fundamental do sportsman, que personificava, manteve-o sempre nos campos, de onde apenas se retirou quando a saúde o exigiu. A sua raquete, que tantas vezes utilizou no Sporting Club, está atualmente em exibição no Museu da Vila, instalado nos Paços do Concelho de Cascais e é uma das peças mais emblemáticas da história do ténis em Portugal. Produzida nos finais do século XIX com madeiras exóticas, foi marcada com ferros a ouro e conta, para além do seu monograma, com a inscrição Prince Louis Philippe, que também a utilizou. A transmissão do gosto pelo desporto entre gerações dava, então, os seus primeiros passos, rumo à massificação que se evidenciaria em meados do século XX, com benefícios para a saúde física e mental dos portugueses!

Imagem de abertura: D. Carlos jogando ténis no Sporting Club de Cascais | Ilustração Portuguesa, 9 de novembro de 1903

(*) Diretor do Departamento de Arquivos, Bibliotecas e Património Histórico da Câmara Municipal de Cascais. Este artigo foi escrito no âmbito da parceria entre o Laboratório de História, Territórios e Comunidades – CFE NOVA FCSH e o Jornalíssimo, com coordenação de Maria Fernanda Rollo.

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