O que leva tantos jovens europeus a juntar-se ao Estado Islâmico?
A propaganda é um dos pontos fortes dos terroristas. Através da internet e de mensagens certeiras, levam os mais novos a acreditar que foram “eleitos” para criar um mundo melhor.
Mourad Benchellali foi um dos primeiros jovens franceses a deixar-se cair na armadilha dos terroristas. Há mais de uma década, tinha ele 19 anos, decidiu viajar para o Afeganistão, com destino a um campo de treino da organização terrorista Al-Qaeda.
Hoje, em escolas, associações e clubes desportivos, onde se desloca para falar com jovens, o francês lembra esses tempos como uma “viagem ao inferno”, o título do livro que escreveu a contar o que viveu.
TARDE PARA ARREPENDIMENTOS
Benchellali explica à sua jovem audiência como, numa idade em que há sede de aventura, se deixou seduzir por uma mensagem, “completamente oposta” àquilo que encontrou e ao seu jeito de ser, pacifista e tolerante.
Quando se arrependeu, porém, era já demasiado tarde. Acabou preso e passaram-se quatro anos até conseguir recuperar a sua vida normal, em França.
Aos 33 anos, Benchellali percebe muito bem o que vai na cabeça dos que hoje decidem fazer o mesmo. “Quando não há trabalho, quando não temos um lugar na sociedade, tornamo-nos mais vulneráveis”.
A mensagem que transmite a quem o ouve é esta: “se seguires os jihadistas, não vais ajudar o próximo, nem servir uma boa causa, vais juntar-te a criminosos, num caminho que te levará seguramente à prisão ou à morte”.
BILHETE SÓ DE IDA
O testemunho de Benchellali encontra-se no site “Syrien ne bouge…agissons” (qualquer coisa como “os sírios estão-se a mexer… é preciso agir”), criado por uma mãe cujo filho partiu para a Síria e morreu pouco tempo depois, há cerca de um ano.
Após a morte de Nicolas, Dominique Bons criou um site para evitar que outros jovens, como o seu filho, caíssem nas mãos do Estado Islâmico e para ajudar famílias que estejam a passar pelo mesmo que ela passou.
Ali, encontram-se vários artigos sobre as teias do grupo radical e testemunhos de pais que viram os filhos partir para a Síria. Lê-los ajuda a perceber como os terroristas conseguem seduzir os jovens ocidentais.
UM INFERNO MASCARADO DE PARAÍSO
Dominique Bons foi mais rápida do que o governo francês que só no final do mês de janeiro, e já depois dos ataques terroristas ao semanário satírico Charlie Hebdo, criou um site para prevenir que mais pessoas possam ser seduzidas pela estratégia bem desenhada dos jihadistas.
É essa estratégia que é explicada e desmontada pormenorizadamente em stop-djihadisme.gouv.fr, numa linha de contrapropaganda.
Além do site, a campanha de prevenção lançada em França inclui, ainda, um vídeo de alerta para as mentiras veiculadas pelos islamitas radicais. A mensagem não poupa frases nem imagens chocantes, como podes ver no final deste artigo.
Estima-se que sejam 400 os franceses que atualmente se encontram na Síria, a maioria dos quais jovens e, muitos deles, menores, como as três colegas britânicas que recentemente viajaram para o país.
QUEM SÃO OS QUE PARTEM?
O perfil é difícil de traçar. Se, até há pouco tempo, aqueles que partiam para o desconhecido eram sobretudo do sexo masculino, hoje há cada vez mais raparigas a fazerem o mesmo percurso.
Eles e elas são de todas as regiões de França, vivem tanto em meios favorecidos como desfavorecidos, na aldeia como na cidade. Em comum, parecem ter apenas o facto de se deixarem seduzir por uma campanha de propaganda muito bem montada e que se serve das redes sociais e do YouTube para falar aos jovens ocidentais.
As mensagens que os terroristas fazem passar – muitas vezes servindo-se de códigos visuais que agradam ao público jovem (fotografias, filmes, videojogos) – falam de uma luta por ideais: defender os mais fracos contra os mais fortes, ajudar populações necessitadas. No terreno, os recrutados descobrem que tudo não passa de uma forma de os aliciar.
UM “APELO DIVINO”
Ainda segundo o site stop-djihadisme.gouv.fr, os recrutadores usam a “teoria do complot”. Convencem os mais novos de que vivem num mundo corrupto, rodeados de pessoas que lhes mentem constantemente, levando-os a desconfiar de tudo e de todos, fazendo-os sentir “especiais”.
Aproveitam o facto dos jovens se encontrarem num período em que questionam a vida e a própria identidade, para os convencerem de que são “seres superiores”. O que sentem, dizem-lhes, é um “apelo divino” para ajudarem a criar um mundo melhor.
Com discursos deste tipo, os terroristas conseguem que os jovens se comecem a isolar do mundo em que vivem e convencem-nos a aderir ao Estado Islâmico. Pais e escola perdem autoridade, pois são vistos pelos recrutados como “impuros”, transmissores de uma mensagem que alimenta a mediocridade.
A “DESUMANIZAÇÃO DO OUTRO”
Os que se deixam convencer, começam então a achar que existe um “complot” contra o qual é preciso lutar.
Chegados a esta etapa, os jihadistas convencem os novos membros a passar à ação. Ensinam a mentir e a esconder as novas crenças para não dar nas vistas em casa.
Na última fase, segundo o site, a estratégia dos terroristas passa pela “desumanização do outro”, por uma relativização dos princípios morais, necessária para que os recém-chegados ao movimento aceitem os atos terroristas a que vão assistir e, mais tarde, ser levados a praticar.
Estima-se que mais de 80 franceses tenham morrido na Síria, depois de se terem juntado ao Estado Islâmico. Será que campanhas como a que acaba de ser lançada pelo governo francês ou o blogue canadiano Jihad Watch, bem mais antigo, vão ajudar a travar esta adesão a um islamismo radical?