Ceifeira puxada por cerca de 20 cavalos manipulados por peões. Do lado direito, num atrelado, encontra-se José Pereira Palha Blanco, acompanhado pelos netos (?), e do lado esquerdo, montada à amazona, sua filha D. Maria do Carmo Pereira Palha | Foto: Coleção particular

A memória de uma propriedade agrícola à frente do seu tempo

A Quinta das Areias, em Vila Franca de Xira, foi nos séculos XIX e XX um exemplo de modernidade.

Por António R. Telles Costa*

Em Vila Franca de Xira, percorrendo as ruas da vila e seguindo até Castanheira do Ribatejo deparamo-nos, na toponímia local, com a família Pereira Palha. Entre essas duas localidades fica localizada a Quinta das Areias, uma propriedade conhecida pelo château que espreita no meio da mata e dos jardins.

Foi nessa quinta que José Pereira Palha Blanco (1854-1937), um cacique e um lavrador natural de Lisboa, tomou assento de lavoura, gerindo a sua casa agrícola a partir daquele espaço. Palha Blanco pautava-se pelo conhecimento científico, pela seleção das espécies, pela modernização e pela industrialização, numa época em que Portugal era ainda considerado um país essencialmente agrícola e economicamente atrasado a vários níveis quando comparado com as principais realidades europeias.

José Pereira Palha Blanco no seu escritório, no château da Quinta das Areias | Foto: Arquivo C. M. de Mafra

Trigo: a cultura dominante

A exploração rural de Palha Blanco, ainda que se destacasse pela criação de gado bovino bravo e cavalar, não se limitou a estes dois aspetos, sendo vastas as culturas produzidas nos seus terrenos, compreendendo a Quinta das Areias, segundo Dionísio Sant’Anna no seu Guia de Portugal, «mais de 1000 hectares de culturas agrícolas e hortícolas, 100 de prados naturais» para fenos, «370 de terras de pousio para gados de trabalho e 238 de mattas de pinheiros, cedros e eucalyptos». As principais culturas que se produziam eram o trigo, a fava, a cevada, o milho e os legumes, sendo dominante a cultura do trigo.

Rótulo do queijo camembert produzido na Quinta das Areias | Foto: Coleção particular

Era também comum semear-se centeio e chícharo noutra propriedade de Palha Blanco, a Herdade da Junqueira Gorda, em Pancas – situada na outra margem do Tejo. Essa mesma herdade era conhecida pelo montado de sobro, coexistindo com o pinheiro-bravo e o pinheiro manso e sendo muitas vezes parte do montado utilizada para as já referidas culturas cerealíferas, como o trigo, a cevada e a aveia.

Uma referência na produção de azeite

Para além destas culturas e das culturas frutícolas, uma das grandes produções agrícolas do país continuava a ser o azeite e até na cultura do olival Palha Blanco se destacou, possuindo um dos maiores olivais do país, como se pode verificar na relação de propriedades que herdara de seu pai e naquelas que foi adquirindo. No final da sua vida eram trinta e um os olivais que possuía nas Quintas das Areias e do Cabo e seus anexos e cerca de vinte e um na Quinta da Massaroca. A transformação do azeite acontecia em dois lagares da casa rústica na Quinta das Areias.

Em termos de produção frutícola, na Quinta das Areias havia pomares de laranjeiras, tangerineiras, limoeiros, marmeleiros, ameixoeiras, nogueiras, nespereiras, romãzeiras, amendoeiras, alperceiros e pessegueiros, na Quinta do Cabo cultivavam-se laranjeiras, tangerineiras, ameixoeiras, limoeiros, pereiras e nogueiras, e na Quinta de São João destacavam-se as ginjeiras francesas, os damasqueiros, as macieiras, os limoeiros, as pereiras, os marmeleiros, as amendoeiras e as laranjeiras. A preocupação com o tratamento dos pomares era constante e atenta, tendo em conta as despesas da casa agrícola.

No que diz respeito à produção vitícola esta cingia-se à Quinta das Areias e anexos, seguindo ainda um modelo tradicional, sem ordenação alguma, e correspondendo a uma parte significativa da produção de vinho e, eventualmente, de uvas para consumo direto.

(Poucas) novas culturas com o passar do tempo

Entre 1820 e 1850, Graça Soares Nunes considera que as principais culturas identificadas nas quintas agrícolas da região de Vila Franca de Xira eram o laranjal (25%), a vinha (20%), os cereais (18%), o olival (17%), outros pomares (16%) e ainda os matos (4%). Não havendo estudos e dados conclusivos para a segunda metade do século XIX e primeira do século XX, tendo em conta estes valores e a produção nas propriedades de Palha Blanco, podemos apurar que ao nível das culturas não houve grande alteração com o passar dos anos, ainda que tenham sido introduzidas algumas novas culturas (grão preto e melão Palha Blanco).A casa agrícola de Palha Blanco produzia ainda gado bovino manso ou de trabalho (incluindo vacas leiteiras), lanígero (um rebanho de ovelhas merinos pretos, das quais retirava a carne e o leite; e outro de ovelhas merinos brancos, favorecidas com a casta francesa rambouillet, das quais retirava o leite e a lã), suíno (porcos) e de capoeira (galinhas das castas andaluzas, minorcas, leghorns e orpington; perus vulgares e mammouths; e patos vulgares e rouen).

Inovação permanente

Palha Blanco, com um olhar revolucionário, introduziu práticas e técnicas inovadoras, a par da maquinaria de “última geração” que o mesmo ia mandando reparar e substituir pelo último modelo quando necessário, verificando-se o incentivo e o melhoramento da produção, consequência brutal e direta da sua postura relativamente ao desenvolvimento agrícola. Esta exploração agrícola permite-nos compreender de que maneira a ação e a iniciativa particular dos proprietários e lavradores, empenhados na condução e incentivando um desenvolvimento e modernização da agricultura, influenciaram a produção agrícola portuguesa na segunda metade do século XIX e na primeira do século XX.

(*) Este artigo foi escrito no âmbito da parceria entre o Laboratório de História, Territórios e Comunidades – CFE NOVA FCSH (https://htc.fcsh.unl.pt) e o Jornalíssimo, com coordenação de Maria Fernanda Rollo.

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