Tudo tem uma História: a Guarda Nacional Republicana não é exceção
A GNR nasceu em 1910. Antes, outros corpos de segurança a antecederam: os Quadrilheiros, a Guarda Real da Polícia ou a Guarda Municipal.
Por António Cardoso*
Para melhor compreensão do que é a Guarda Nacional Republicana (GNR) pensamos ser indispensável ter uma noção, ainda que sucinta, do que foram as organizações que a antecederam e que estão na sua origem.
Assim, neste pequeno artigo referir-nos-emos à evocação dos primeiros Corpos de Segurança desde o seu aparecimento até á atual GNR, nas que podemos considerar as verdadeiras antecessoras da Guarda, indicando as diferentes finalidades e motivações que estiveram na origem da sua criação, evolução, reorganização e extinção.
Tendo em atenção a ordem cronológica do seu aparecimento, abordaremos sucessivamente os Quadrilheiros, a Guarda Real da Polícia, a Guarda Municipal, a Guarda Republicana e a Guarda Nacional Republicana.
Os Quadrilheiros
Ao estudar as origens da segurança em Portugal, temos de ir ao encontro do termo “Quadrilheiros” como primeiro corpo de agentes policiais. O nome Quadrilheiro deriva de Quadrilha, que designava um conjunto de vinte homens empenhados na defesa e proteção do bem comum. Em tempo de paz cabia-lhes o policiamento das ruas, para o que cada um dispunha de duas lanças, sendo uma de nove palmos, usada nas detenções individuais e outra de 18 palmos, utilizada para manter a ordem da multidão (1).
Guarda Real da Polícia
A fraquíssima organização do Corpo de Quadrilheiros revelava uma incapacidade absoluta de repor a ordem na capital. A severa disciplina que o Conde de Lippe impusera no Exército, perdera-se completamente e os soldados tomavam parte nos roubos e formavam Quadrilhas que infestavam a cidade, não tendo quem os vigiasse e policiasse nos quartéis e fora deles.
Em 1780, por decreto de 18 de janeiro, Diogo de Pina Manique foi nomeado Intendente Geral da Polícia da Corte e do Reino e logo inicia diligências com a finalidade de criar em Lisboa um Corpo de Polícia, que pudesse proteger os seus habitantes, à imitação dos Guet e da Maréchaussée de França.
Enquanto não se criou um Corpo de Polícia para pôr cobro à insegurança vivida na capital, Pina Manique obteve a colaboração do Exército no combate ao banditismo e consegue finalmente impor a sua vontade (1801) formando um corpo militar de cerca de 600 homens a pé e a cavalo, instituindo-se a “Guarda Real da Polícia”.
Criada por decreto de 10 de dezembro de 1801, logo em 1802 se determina que a Guarda Real da Polícia (GRP) faça parte do corpo do Exército e seja considerada como tropa de linha. Inicialmente a GRP surge apenas em Lisboa e, só em 17 de fevereiro de 1824, é criada a Guarda Real da Polícia do Porto (GRPP).
Guarda Municipal
Após a vitória dos liberais foi extinta a Guarda Real da Polícia e criada, em 3 de julho de 1834, por Decreto, a Guarda Municipal de Lisboa. No ano seguinte, por Decreto de 24 de agosto, nasceria a Guarda Municipal do Porto.
Só em 24 de dezembro de 1868 passaram a estar sob um único Comando-geral com sede no quartel do Carmo em Lisboa. Tal como a Guarda Real da polícia, a Guarda Municipal surgiu com uma implantação de carácter local, isto é, unicamente em lisboa e no Porto.
Herdeira das funções da Guarda Real da Polícia, a Guarda Municipal de Lisboa dispunha de um Estado Maior, seis Companhias a pé e três a cavalo, num total de 15 oficiais, 24 sargentos, 36 cabos, 492 soldados e 132 cavalos, e a Guarda Municipal do Porto, inicialmente, de uma Companhia de Infantaria, passando a dispor de quatro Companhias a partir de 24 de janeiro de 1837.
Com tão reduzido efetivo e tamanha tarefa, o recrutamento tinha forçosamente que ser exigente. Os Oficiais eram nomeados pelo Governo; os restantes homens tinham que ser afiançados por pessoa idónea.
Com o advento da República, a Guarda Municipal foi extinta para dar lugar, provisoriamente, à Guarda Republicana.
Guarda Republicana
O decreto de 12 de outubro de 1910 que extinguiu a Guarda Municipal, simultaneamente, criou a Guarda Republicana.
Na realidade, não houve qualquer alteração fundamental. A nova Guarda assentou sobre a estrutura da anterior, alterando a designação.
O próprio pessoal da antiga Guarda, na sua maioria transitou para a nova Guarda. O Comando-geral da Guarda Republicana permaneceu no Quartel do Carmo.
Os efetivos, aproximadamente iguais aos da Guardas Municipal – cerca de 2100 homens – distribuíam-se pelas Guardas Republicanas de Lisboa e do Porto
Em tempo de guerra, a Guarda fica sob as ordens do Ministro da Guerra como parte integrante do Exército; em tempo de paz, depende diretamente do Ministro do Interior e está sob as suas ordens.
A Guarda Republicana era meramente provisória, tendo sido nomeada uma comissão para organizar a futura Guarda Nacional Republicana. E assim, por decreto de 03 de maio de 1911, surge a atual Guarda Nacional Republicana (2).
Guarda Nacional Republicana
Sobre a organização e implantação da Guarda Nacional Republicana, apenas serão salientados alguns aspetos. Assim, é de suma importância chamar a atenção daquilo que mais a diferencia das suas antecessoras, o seu carácter nacional, ou seja, um dispositivo para cobrir todo o território nacional, através da organização de Companhias Rurais. A motivação deste traço dominante, ressalta imediatamente da leitura dos dois primeiros parágrafos do preâmbulo que antecede o Decreto com força de lei de 03 de maio de 1911 (3):
“Datam de longe as reclamações dos povos por falta de uma polícia rural (4) que lhes assegure o livre transito das estradas e caminhos e lhes proteja as propriedades contra os frequentes assaltos de vagabundos e malfeitores, que saqueiam os frutos e danificam as culturas.”
É a inexistência de uma polícia rural que vai obrigar a legislação no sentido de suprir essa falta, com a organização de “um corpo especial de tropas para velar pela segurança publica, manutenção da ordem e proteção das propriedades publicas e particulares em todo o país, que se denominará Guarda nacional Republicana.” (5)
A organização e implantação territorial da Guarda Nacional Republicana levou mais tempo do que aquele definido inicialmente. Para além de questões financeiras crónicas herdadas da Monarquia e agravadas ao longo da Primeira República, o dispositivo da GNR apenas passou a abarcar todo o território continental em 1919 e as Ilhas Adjacentes, embora por um curto período (1919 a 1922), em 1920 com a constituição da Companhia Mista da Madeira (1919) e da Companhia Mista dos Açores (1920).
Passados 113 anos de existência, a Guarda Nacional Republicana abarca cerca de 90% do território nacional, apesar do crescimento das áreas urbanas sob jurisdição da Polícia de Segurança Pública.
Referências Bibliográficas
(1) SANTOS, Pedro Ribeiro dos, O Estado e a Ordem Pública. As instituições militares portuguesas. Lisboa: ISCSP, 1999.
(2) Diário do Governo nº 7, Decreto de 12 de outubro de 1910.
(3) Diário do Governo nº 103, Decreto com força de lei de 03 de maio de 1911.
(4) Negrito do autor.
(5) Diário do Governo nº 103, Decreto com força de lei de 03 de maio de 1911, art.º 1º.
(*) Este artigo foi escrito no âmbito da parceria entre o Laboratório de História, Territórios e Comunidades – CFE NOVA FCSH e o Jornalíssimo, com coordenação de Maria Fernanda Rollo.