Salvador Couto: a onda dele é o surf
Numa conversa salgada, o vice-campeão nacional fala sobre o prazer e os sacrifícios de ser surfista profissional e de como equilibra desporto e estudos.
Os dias de Salvador Couto metem sempre água, no melhor dos sentidos. Não passa um dia sem entrar no mar, a sua segunda casa desde os nove anos. Hoje tem 15 e títulos que mostram bem como as ondas para ele não têm segredos: é vice-campeão nacional de esperanças, campeão regional de sub-14 e integra a seleção portuguesa de surf. Conciliar o desporto a alto nível e os estudos (está no 9ºano) nem sempre é fácil, mas os professores dão uma ajuda. Quando é preciso, os livros também vão para a praia. Falámos com Salvador no Porto, poucos minutos antes de entrar para a água, onde ia disputar mais uma etapa do circuito nacional. Nervoso? “Não, estou habituado”.
JORNALÍSSIMO – Há quantos anos praticas surf?
SALVADOR COUTO – Tive a minha primeira aula quando tinha sete anos, mas não gostei nada. As pranchas eram muito pesadas e tinha medo de ser picado pelo peixe-aranha. Parei. Mais tarde fui de férias para as Maldivas e, em frente ao meu hotel, tinha uma onda super conhecida, a ‘Chickens’. Todas as tardes ia ver os surfistas. Inspirei-me e quando cheguei a Portugal comecei a fazer surf. Tinha nove anos e nunca mais parei. Aos 12 comecei a entrar em competições.
J – Tinhas algum surfista na família?
SC – Não. Mas sempre gostei de estar no mar e vivo em Leça da Palmeira, junto à praia. Quando era pequenino via os surfistas em pé nas ondas. Não percebia o que faziam. Só quando cresci é que comecei a ver que faziam manobras, que dava para cortar ondas e que havia ondas de diferentes tipos.
J – O que é que te fascina mais no desporto?
SC – Quando estou a fazer surf sinto que ganhei qualquer coisa, sinto-me mesmo feliz, não sei explicar… É uma experiência super gira, estar em contacto com o mar e com a natureza, o ‘feeling’ de apanhar a onda e estar a deslizar. É super fixe! Aconselho.
J – Como é que concilias o surf com as aulas?
SC – A escola onde eu ando, o Colégio Luso Internacional do Porto (CLIP), ajuda-me imenso. Sempre que tenho exames ou testes na altura dos campeonatos, eles deixam-me fazê-los mais tarde e às vezes dão-me aulas adicionais. Falto imenso à escola, é um bocado difícil…
J – Quando é que faltas?
SC – Quando tenho campeonatos ou faço viagens. Há um mês estive em África a surfar e faltei duas semanas, perdi imensa matéria para os exames que vou ter para o ano. E a escola é importante. Um surfista tem de ter sempre um plano B para o caso de não conseguir ser surfista, por alguma lesão ou mesmo por não conseguir chegar ao circuito mundial.
J – É lá que queres chegar?
SC – Sim, quero ser campeão mundial. Basicamente o que acontece é que temos cem surfistas do top mundial num apuramento que tem seis etapas pelo mundo inteiro, duas delas em Portugal, nos Açores e em Carcavelos. Desses cem, dez apuram-se para o WCT (World Championship Tour) todos os anos. É super difícil! Qualquer um pode ganhar o campeonato, não há um menos fraco do que o outro, estão quase todos ao mesmo nível.
J – E isso é a partir de que idade?
SC – É a partir dos sub 21, mas para chegares a esse apuramento tens outros em que tens de ficar nos top cinco ou dez.
J – Tu ainda não estás nessa fase…
SC – Não, estou na fase de fazer os campeonatos subeuropeus, europeus, os nacionais sub-16. Só posso ser apurado para essa etapa mundial com 17 ou 18 anos. Há também o circuito mundial júnior em que os primeiros três são apurados para essa etapa.
J – Ser campeão implica treinar quantas vezes por semana?
SC – Surfo todos os dias antes da escola. Acordo às seis, visto-me, vou de bicicleta para a praia, surfo, às sete e meia, oito saio do mar, volto a vestir-me, vou para a escola e quando saio volto a surfar. Só em seguida vou para casa estudar. Treino cerca de duas horas por dia durante a semana. Aos fins-de-semana passo os dias na água. Costumo ter treino às oito, saio às dez e meia, tomo um lanchinho, volto a entrar, saio, almoço, volto a surfar, vou para casa às oito e das oito às dez e meia, onze horas fico a estudar.
J – A que horas te deitas?
SC – Deito-me às nove e meia, dez, mas depende. Às vezes deito-me super tarde porque tenho que estudar para os testes e fico mesmo muito cansado.
J – É preciso gostar mesmo muito de surfar?
SC – É mesmo (risos).
J – Treinas sozinho?
SC – De manhã costumo treinar sozinho, sim. Ou com amigos quando eles, às vezes, querem. Mas para eles é muito cedo, por isso só mesmo às vezes!
J – E treinadores, tens?
SC – Tenho dois, o Marcelo Martins que é o preparador físico e de surf. E o David Raimundo, que também é selecionador nacional de surf.
J – Há pouco falavas num plano B, qual é o teu?
SC – Se der resultado vou tentar ser surfista, se não der vou para a faculdade. Ainda não sei bem o que quero tirar. A minha mãe tem uma empresa de marketing e gostava de seguir os passos dela. Mas primeiro gostava de ser surfista, viajar pelo mundo e conhecer novas culturas.
J – Tens um surfista favorito?
SC – Tenho muitos! Mas os que se destacam mais, para mim, é o Gabriel Medina, que foi campeão do mundo no ano passado; o Filipe Toledo, que também é brasileiro e o Vasco Ribeiro, que é português e foi campeão do mundo no ano passado também.
J – Estás na seleção nacional de surf…
SC – Sim, faltei ao primeiro estágio porque fui numa ‘surf trip’ a África, mas os campeonatos estão-me a correr bem, ganhei o primeiro do ano.
J – O que fazias pela tua prancha de surf?
SC – Sei lá! Fazia qualquer coisa, é o objeto mais importante da minha vida, sem ela não dá para surfar.
J – Tens uma prancha especial?
SC – O meu patrocinador de pranchas é a ‘XCult’, temos um acordo, recebo x pranchas por ano, vou experimentando, há umas que gosto mais, outras menos. Fico com as que gosto mais e tenho de as tratar bem porque sem elas não dá para surfar.
J – E qual é o sítio onde sonhas surfar?
SC – Tenho dois sítios onde adorava surfar, um é na Indonésia, o outro no Havai.
J – É uma vida que exige muitos sacrifícios…
SC – Um bocado, sempre que há umas festas com os amigos não se pode ir. Não costumo ir a festas de anos, cinema… São alguns sacrifícios, mas vale a pena.
J – O que dirias a quem queira fazer surf?
SC – Aconselho a ir à “Onda Pura” que é a melhor escola do norte, tem o Marcelo Martins que é um treinador super bom [o Salvador é atleta do projeto APS/Onda Pura].
J – Ainda te lembras da tua primeira competição?
SC – Sim, foi aos dez anos, num campeonato que já nem deve existir, o “Ocean Spirit”. Perdi logo, mas foi uma experiência boa estar a competir, sentir aquele nervosismo, aquelas borboletas na barriga.
J – Este ano vais ser outra vez campeão regional?
SC – Espero bem que sim. E nacional também!