Na história da economia algarvia, o turismo é só o último capítulo
Em Lagos, no Algarve, o Infante D. Henrique assistiu à venda dos primeiros escravos em Portugal.
Joaquim Vieira Rodrigues (*)
Neste artigo, vamos falar sobretudo da economia algarvia ao longo dos séculos XIX e XX.
Foi nos anos 60 do século passado que se iniciou a que é hoje a principal atividade económica do Algarve – o turismo -, que arrastou com ela outros setores, como o imobiliário.
Começar por aqui é, no entanto, começar pelo fim. Antes do turismo, a história económica do Algarve foi-se fazendo de outras atividades e negócios.
Como economia e território andam sempre de mãos dadas, comecemos por ele e centremo-nos um pouco na geologia e no clima da região, antes de chegarmos à geografia e ao que mais nos lembramos quando pensamos no Algarve: o mar.
Por entre rochas e ventos
A geologia da região do Algarve é constituída maioritariamente por rochas de origem sedimentar do Paleozóico, Mesozóico e Cenozóico. Houve também a ocorrência de rochas magmáticas, com destaque para o maciço de Monchique.
A região é dividida em três zonas: o litoral, o barrocal e a serra (1). De uma forma geral, cada uma destas zonas está especializada em determinadas culturas, sendo a mais fértil a zona que se acerca do litoral. Contudo, no conjunto do território, existem zonas com características produtivas de relevo.
As suas principais produções foram os frutos secos (alfarroba, amêndoa, figo) (2) , os produtos hortícolas – as “primícias” – consequência do clima ameno, sal, vinho, laranjas, ovos, produtos de esparto e de palma e cortiça.
O regime dos ventos tem, conforme o período do ano, predomínio de norte, sueste (o “levante”) e noroeste. Região de temperaturas amenas, águas relativamente cálidas, de grandes estiagens (baixas precipitações), embora se conheçam anos de abundantes chuvas.
Mas – cá está ele então – o decisivo espaço geohistórico do Algarve foi o mar, a grande via de comunicação da região, onde importa não esquecer que também há rios, entre os quais caberá destacar o Guadiana, navegável até Mértola.
No centro da história marítima nacional
Historicamente, Portugal projectou-se para todo o orbe terrestre na época da expansão marítima. A zona compreendida entre Lagos e Sagres, revelou-se a principal base das primeiras navegações e conquistas. Em Lagos, segundo narra Zurara, o Infante D. Henrique, presenciou a venda dos primeiros escravos em Portugal.
Era a época das navegações oceânicas. Depois delas, durante séculos, o Algarve ficaria praticamente isolado do país, longe dos principais centros de decisão política, mercê, sobretudo, da sua particular geografia.
Uma geografia aberta ao Sul, ao mar, mas quase fechada ao Norte pelas serras que atravessam o Algarve no sentido longitudinal. Não obstante, cedo a região se posicionou como um mercado aberto ao exterior, através de um intenso comércio marítimo, exportando os seus principais produtos.
Tempos agitados e de acalmia
Antes das convulsões político-militares e sociais que acompanharam as Invasões Francesas (1807-1811), o Algarve granjeou certo interesse do poder central, na época do Marquês de Pombal (1750-1777), com algum surto económico. No contexto do terramoto de 1755, mandaria erigir Vila Real de Santo António.
Das três invasões francesas, o Algarve, apenas sofreu a primeira (1807-1808), cujos vexames cometidos pelo exército napoleónico, conduziram ao levantamento popular contra o ocupante (Julho de 1808).
O Algarve aderiu à Revolução Liberal (Agosto 1820). Contudo, os anos entre 1822 e 1851, foram de forte instabilidade político-militar e social. O sistema liberal conheceu alguma acalmia política com a Regeneração (1851).
O desenvolvimento económico do Algarve
Quando se fala em mar, relacionamo-lo com a ancestral actividade piscatória que moldou as localidades ribeirinhas da região, cujo processo de pesca para a captura de sardinha e atum, assentou nas almadravas/armações, que polvilharam a costa da província.
A região nunca foi um deserto de “indústrias”. A “revolução industrial” chegaria cerca de meados do século XIX, com o arranque das indústria de conserva de peixe (3) e de cortiça. Foram essencialmente produtos de exportação, conheceram períodos de expansão e auge (I e a II Guerras Mundiais), e períodos de crise (anos 20 e 30 do século XX).
A partir dos anos ’60 do século XX começou então o boom do turismo, transformado na principal atividade económica da região e ocupação de uma boa parte da sua população. Entre 2011 e 2021, a população algarvia cresceu 3,7%, de 451 006 residentes para 467 475. Isto apesar de, nesse mesmo período haver concelhos algarvios que perderam população (Alcoutim, Castro Marim, Monchique e Olhão).
1- Sugere-se uma visita ao triângulo, Vila do Bispo-Salema, Sagres e Monchique
2- O Polo Museológico dos Frutos Secos- Loulé, acessível a visitas
3 – Museu de Portimão, acessível a visitas
(*) Este artigo foi escrito no âmbito da parceria entre o Laboratório de História, Territórios e Comunidades – CFE NOVA FCSH (https://htc.fcsh.unl.pt) e o Jornalíssimo, com coordenação de Maria Fernanda Rollo.