Terje Viken: um cargueiro no fundo do Tejo?
Apesar do teatro da Grande Guerra ter tido lugar longe de Portugal, há em águas nacionais muitos destroços de navios dessa época.
Por Paulo Costa (*)
Entre os anos de 2014 e 2018 assinalou-se o centenário da Primeira Guerra Mundial e assistiu-se um pouco por todo o mundo a variadas iniciativas de evocação do conflito.
Para além das inúmeras cerimónias que ao longo destes quatro anos foram sendo realizadas junto de antigos campos de batalha, de cemitérios militares ou em outros locais públicos dos Estados outrora beligerantes, foi pela primeira vez dado especial ênfase a um aspeto menos conhecido da Grande Guerra: a guerra no mar.
A UNESCO, o órgão executivo da ONU para a Educação, a Ciência e a Cultura, lembrou que os longos anos durante os quais durou o conflito deixaram uma marca indelével entre as sociedades e povos que nele participaram, mas além disso – embora menos visível – esses mesmos quatro anos deixaram-nos também um outro legado: uma quantidade imensa de vestígios de património cultural subaquático.
Vários destroços subaquáticos no radar dos investigadores
E por património cultural subaquático entendem-se todos os vestígios de existência humana, de carácter cultural, histórico ou arqueológico, que se encontrem parcial ou totalmente, periódica ou continuamente, submersos, há, pelo menos, 100 anos. É esta a definição resultante da Convenção Sobre a Proteção do Património Cultural Subaquático adotada pela UNESCO na sua Conferência Geral de 2 de Novembro de 2001, e que desde então tem regulado os procedimentos dos Estados que a ratificaram, sendo Portugal um deles.
Não será então difícil concluir que quando se completaram 100 anos sobre a Primeira Guerra Mundial, ao património cultural subaquático até aí existente se tenham juntado milhares de navios de guerra, submarinos, navios mercantes e de recreio que se afundaram devido a ações de guerra.
Assim, apesar de os principais teatros da Grande Guerra terem tido lugar longe de Portugal, encontram-se em águas portuguesas vários destroços de navios afundados durante o conflito, testemunhos pouco conhecidos de uma guerra que pelo mar chegou às portas de Lisboa.
São esses destroços que alguns investigadores do HTC (História, Territórios e Comunidades) e do IAP (Instituto de Arqueologia e Paleociências), dois centros de investigação da Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa (FCSH/UNL), têm procurado localizar e identificar.
O último desses destroços a ser identificado foi o do cargueiro norueguês Terje Viken.
Um naufrágio sem vítimas
O Terje Viken era um cargueiro a vapor com cerca de 100 metros de comprimento e com 3580 toneladas de arqueação bruta que colidiu com uma barreira de minas, colocada perto da barra do rio Tejo pelo submarino imperial alemão U73.
Registado no porto Norueguês de Tonsberg, o Terje Viken navegava sob pavilhão de um país neutral, mas isso não evitou a fatalidade que o aguardava. Tendo partido do porto de Galveston, no Texas, transportava uma preciosa carga de trigo com destino a Lisboa. Rumando de Sul, passou junto ao Cabo Espichel pelas 15 horas do dia 17 de Abril de 1916, mas quando tentou entrar no porto comunicaram-lhe que não o poderia fazer sem um piloto local a bordo.
Enquanto esperava por um piloto da barra, o capitão Halvorsen procurou manter o navio em águas profundas, precisamente para evitar alguma eventual barreira de minas. Decidiu então aproar ao Cabo Raso, em Cascais, mas quando se encontrava a apenas 4 milhas náuticas ao sul do Farol da Guia deu-se uma forte explosão à proa, do lado de bombordo. Breves momentos depois sentiu-se uma segunda explosão também a bombordo, um pouco mais à ré. O Terje Viken tinha colidido com duas minas colocadas nessa mesma manhã pelo submarino imperial alemão U73.
Segundo o relato dos náufragos, o Terje Viken terá demorado pouco mais de meia hora a afundar-se, o que permitiu que toda a tripulação e passageiros abandonasse o navio, não sendo de lamentar nenhuma morte.
No dia seguinte a perda do Terje Viken ocupou as primeiras páginas de alguns periódicos nacionais, mas o naufrágio acabou por cair no esquecimento. Apenas entre a comunidade de pescadores locais a posição do casco se manteve conhecida até hoje, ainda que estes desconhecessem a sua identidade.
Posição confirmada a 72 metros de profundidade
A recente localização e identificação do destroço resultou da colaboração entre os investigadores do HTC-IAP/FCSH UNL e o Instituto Hidrográfico da Marinha Portuguesa. Cruzando a informação obtida através da consulta de documentação em arquivo, nomeadamente o diário de guerra do submarino alemão U73, com o conhecimento partilhado por elementos da comunidade piscatória, foi possível estimar uma posição onde iniciar a prospeção geofísica. A partir desse ponto o Instituto Hidrográfico rapidamente detetou o destroço, tendo captado imagens com sonar de varrimento lateral e com multifeixe.
O casco encontra-se num fundo de lodo e areia aos 72 metros de profundidade.
Verificada a posição do destroço, pretende-se agora realizar um registo fotográfico que permita conhecer melhor o estado em que este se encontra, uma tarefa que não se adivinha fácil pelas circunstâncias extremas que habitualmente se encontram naquela zona, exposta a condições atlânticas e às fortes correntes do Tejo.
Por agora a posição do destroço do cargueiro Terje Viken está confirmada e o seu nome acrescentado à lista de navios que integram o património cultural subaquático existente em águas portuguesas.
(*) Este artigo foi escrito no âmbito da parceria entre o Laboratório de História, Territórios e Comunidades – CFE NOVA FCSH (https://htc.fcsh.unl.pt) e o Jornalíssimo, com coordenação de Maria Fernanda Rollo.